somos eu, a arena, o touro.
arena mínima, touro enorme.
eu danço na frente do touro,
tento apaixoná-lo por mim.
há doçura no olhar do touro,
doçura, loucura, catástrofe.
somos parecidos de certa forma.
mas eu sei disso, ele não sabe.
meu bailado parece irritá-lo,
faz o touro andar em círculos.
paro na frente dele, mas não
há como rezar, não há tempo
para se fechar os olhos, sou
levado a correr em círculos.
fora da arena os olhares frios,
sei que deixam o touro tenso
tanto quanto a mim, que tenho
menos pernas e a pouca sorte
de saber que, com frieza, eles
riem por dentro, se divertem.
além disso, o touro não sabe
como estou sozinho, na arena
que, maior que a arena, tem
o tamanho do mundo inteiro.
o touro não sabe o tamanho
do mundo inteiro, eu também
não sei, mas, por azar, posso
imaginar: vantagem do touro.
o touro não sabe da solidão,
mas, melhor que eu, ele sente
a brasa na pele todos os dias.
compreende melhor a saliva
que lhe escorre pelo focinho.
começa a corrida, somos dois
desesperados, atrás da trégua
que nos trará água, um cafuné.
não há água, cafuné: há palmas.
nem o touro nem eu entendemos
as palmas, o que nos aproxima.
sabemos apenas que as palmas
significam “nos tirem do tédio”.
estamos juntos, de certa forma,
e tenho vontade de abraçá-lo,
passar de leve a mão na cabeça
do touro, mas ele não tem mãos
para passar na minha, só sabe
que deve me espetar seu chifre,
só conhece o vermelho depois
do espanto, enquanto eu canso,
despisto o touro como posso,
peço calma, mas ele não fala
a minha língua e os olhares
frios indicam que nem mesmo
eu falo minha língua, e corro,
dou voltas, me desequilibro,
caio, levanto, corro ainda mais.
fugimos um do outro, o touro
e eu, mas as palmas, a frieza
são grandes inimigas, nos levam
a fazer o círculo tantas vezes,
o mesmo círculo, sem motivo.
em tempo, as palmas no fim
deixam-nos, a mim a ao touro,
como mestres com suas cartolas
e delas tiramos a paz evitada
já que nosso couro é a bússola
que justifica o tédio público
e nos faz seguir em círculos,
agora uma vez mais extasiados.
enquanto abandonam a arena,
somos dois corpos exaustos,
repletos de morte e passagem.
as cercas já não nos convidam
à fuga silenciosa dos presos
perigosos, somos apenas dois
iguais, com sede de aplauso,
e estamos os dois, no mundo,
entediados de nos sabermos
fortes, fora dos planos, enfim.