25.7.15

“angélica acorrentada”





um passeio pelo teu corpo
é do que talvez se exclusive
a perfeição de uma longa era
de longos e distantes estudos
das profundezas do mito diário
sobre o corpo de uma indefesa
harmonia de traços íntimos,
úmidos tendões e conchas,
não bem pinceladas de dor,
mimeses do perfeito engano,
culminas em pescoço gótico,
vazios teus olhos estão virados,
teu nome é conservação final,
tua situação diante do monstro
é que talvez não haja escudo mágico,
só essas costelas sobressalentes
e o torso gigantesco do pecado,
porque é preciso corrigir o erro
da natureza que nos criou assim.


23.7.15

“se eu fosse um locutor”


ah eu gostaria de ser
se me perguntassem
digamos meu sonho
queria ser um locutor
e dizer a competência
sadia do esporte da vida
e gritar com o coração
nas mãos e chorar alto
em caso de vitória heroica
e chorar aos sussurros
quando a sorte vacilar
mas ah como eu queria
poder ser pasmo coletivo
de tão digna presença
translúcida voz que fora
da imagem anuncia rindo
que um coração ainda pulsa
e bate e a vida seria sempre
a minha única profissão.


17.7.15

“um momento definitivo e infantil”


para ismar tirelli neto
estou agora escrevendo
no computador da minha
namorada atual, quer dizer,
não sei se seria o melhor
termo para definir a coisa,
mas o fato é que é arrepiante
estar agora escrevendo
no computador da minha
namorada atual, quer dizer,
ela prefere é claro ser a mulher
da minha vida e morte inclusive
fizemos um pouco esses pactos
que lemos nos nossos melhores
livros da infância que ao lado
dos livros que lemos já velhos
parecem os melhores livros,
mas eu dizia outra coisa,
a vida tem disso, júpiter
maçã enquanto escrevo
no computador da minha
garota, acho que ela preferia
ser chamada “minha garota”
apenas, a mais improvável,
a mais difícil, a mais louca,
aquela que, se fôssemos
loiros nascidos em marienbad
e falantes como ventríloquos,
ou se este computador onde
agora escrevo fosse em mil
oitocentos e pouquíssimos
seria como se eu escrevesse
no seu diário as minhas ideias,
mas a alguns compete medir
a labuta por curva de lufada,
estamos aqui, apesar do amigo
que viaja em busca do frio,
escute amigo, estamos todos
de cuecas samba-canção,
com júpiter maçã, sorrindo
pois de todo modo não se sabe,
não se sabe muito sobre nós,
pense bem, meu amor, escrevo
agora para você – o que você
sempre reclama que nunca faço
e agora eu aqui, você no espelho
e mais um que migra para o frio,
enquanto você, toda torta e súbita,
é o forno do meu queixo trêmulo
diante do êxodo da nossa bússola.

14.7.15

“antonin artaud tenta parar de fumar em seu primeiro dia de férias”

 


deixar-se perder
no que se perdeu
pelo caminho sem trajetória,
noção proletária
do esquecimento
prolongado do que se denomina
magia pelo enfeitiçado
ou do contrário jamais,
noção proletária
de enganos sucessivos
e uma estagnação
de posicionamentos em que algo
se rompe em definitivo,
mais uma vez e cada vez mais,
sobre uma concha de ruínas
tão íntimas que cabem
entre as unhas
que por isso arruínas
tuas unhas
com boca inquieta
de quem não teve
a grande ideia
da grande virada
e rasteja e não reza
ou caminha ou medita
apenas crê
que ama algo
que se mantém
secreto a si
e ao governo
que se detém
artificialmente em formas,
em tempos malditos
verdadeiramente infernais
onde nos engolimos
por dentro
enquanto sabemos ser
como supliciados
queimados em praças públicas
que fazem sinais sobre as fogueiras,
uma jornada de liberdade
por arbitrariedade imposta,
um grito de morte
para além da vida,
um giro do sangue
no olho da peste.