22.4.09

"hoje eu sou james dean"

hoje sou james dean na última curva,
algo como baudelaire chutando cristo
ou gandhi pedindo uma cerveja preta.
sou falta do que falta em que falta faz,
os olhos marejam de cansaço insípido,
as fronteiras não se rompem, os olhos,
por que pensar tanto assim nos olhos?
por que fazer a cama e esperar a morte?
hoje sou james dean à beira do segundo,
camus rasgando papéis ensangüentados.
sou a última anotação de quem chora,
as costas largas reiteram o crime antigo.
mas que tristeza esse trompete ao fundo,
esses móveis de madeira de lei, e que lei
nos fez pensar com os pés para desabar:
bichos de pau doendo úmidas entranhas?

4.4.09

"quinze"

Hoje vai ser em quinze minutos. E o que podemos esperar de amanhã senão um pouco mais, um pouco mais de quinze minutos, para podermos ao menos nos situar no esgoto, polir os trapos iluminados, aceitar a própria esfinge e, enquanto pudermos, permanecer no limite do que se mostra impenetrável dentro de cada um? Mas quinze minutos é tudo o que tenho agora e, algum dia, quem sabe, será também de vocês, que agüentarem até o fim... Um espaço para uma baforada calma, tentar alguma coisa com a segunda sinfonia de Beethoven, mas está tudo seco demais e os ônibus que passam pelo Cosme Velho trazem fantasmas que não conseguem migrar, seguir a longa viagem, e para eles o que são quinze minutos? Para mim eu sei que os quinze já não nove minutos, em breve serão menos e terei que deixar isso aqui como está, sem maiores retoques ou bravatas, apenas um outro momento deslocado do seu destino inerte para ser, enfim, inútil porque teve um fim concreto, mas permanece como espaço vazio entre as coisas. Os ônibus continuam, eles tem mais tempo e também a chance de uma verdadeira tragédia. Agora faltam sete, começo a coçar a cabeça, olhar muitas vezes para o relógio. Mas não tenho relógio. Roubaram o tempo que comprei tão caro, com pele gasta e álcool puro. E tudo o que sinto vontade de dizer são coisas bobas, que há muito amor desperdiçado pelo medo, que os verdadeiros olhos são dos cães e das crianças – queria um sorvete agora, um balão colorido – mas quando penso no assunto acabo perdendo dois preciosos minutos, porque escrevo uma longa frase, não consigo desenvolver nada dentro dela e preciso apagar, então ainda dizer que precisei apagar, e não me restam de repente nada além de cinco minutos e a decisão urgente a tomar, seguir a diante com os pés na brasa, largar os vícios e pedir carona, mas só consigo pensar que Beethoven devia estar mesmo ainda muito confuso em sua segunda sinfonia, pensando na possível desfeita de Napoleão, que não ouvia música, e essa coisa e tal... Mas as mãos dobraram-se e o cigarro se apagou. Rio de Janeiro, mais uma sexta-feira de sol. O sol nos vê de cima e suspira sem esperanças. Não podemos mais aproveitá-lo. Mas com três minutos ainda há tempo de formular uma bela tese. Enlouquecemos a cada dia para reconhecermos a nossa própria falência dentro de um meio absurdo, para podermos sentir a culpa do que não se perpetua e, aos mais dóceis, rir um pouco também, ver o caos com ternura e muito de nós mesmos, a cada passo na escuridão das vontades, um segundo antes do ponto final.