17.1.14

"rosto cansado na noite em que chove"


a magnífica paragem dos desejos,
armada em escombros de uma solidão ruidosa,
vago esquecer por ora os tamancos na madeira,
esse rígido esmorecer na orelha das horas,
esplêndida pousada para o tecido da ação.
há folhas de muitas espécies nas paredes cotidianas,
e largas teus rastros em areia móvel,
interrompes tantas vezes o trajeto obscuro,
cansas de amar no que tocas teu corpo,
avanças ríspido por soluções forçosas
e acima de tudo tocas teu corpo usufruído,
conselho de morfina ao estrondo púbere,
apelo da manhã ao esfacelamento público
no recolhimento dessa varagem espessa,
maná da carne mortífera na colisão aérea,
enquanto não estás na enfermaria primeva,
e recolhes do dia um visco brutal que se inclina
rompendo as barragens da tua madeira de lei,
os bilhões de anos quando morreram estrelas,
para tombar no teu colo como um fruto
da árvore derrubada dos teus ciclos,
um aumento de viscose nos cílios madrugados,
um arrastar-se trêmulo pelo vazio dos delírios;
até aqui escapaste com a boa sorte dos enganos,
mas já não tarda teu perseguidor procurar-te
nos arrabaldes de versos que perderam a trilha
para cumprir sua função que é perseguir-te,
onde quer que esteja encontrar-te,
e já chega a noite do esmagamento inevitável,
as paredes brancas talvez na surda
falácia da pele dos teus temores,
recuo sistemático ao que serve de declínio
apenas por que é tudo mais uma questão
de movimento para o cerne da estrutura,
mas no momento estás de olhos fechados. 

3.1.14

"o mártir"


É Hölderlin refugiando-se
em uma Grécia de sonho
e transfigurando o amor
em embriaguezes mais puras,
nas da irrealidade...
(Emil Cioran)

sobretudo devo admitir
que sofro de uma consciente
falta de informação,
apesar de todas essas cartas,
teses mal ajambradas
sobre o que veio antes e o porvir.

creio não ter meios
para investigar o que me falta
saber para que me seja
possível viver entre humanos.

ou talvez eu tenha,
e isso me assusta ainda mais
e me inclino a pensar
que seja mesmo provável.

um latido manhoso,
é como me comporto
diante de tal quadro.

estico-me até o que veio antes,
encolho-me diante do porvir,
procuro timidamente a fusão.

mas estou cego: o porvir é
a parte encolhida sobre os olhos,
que enxerga em dobras e que
jamais aconteceu, por ter-se
passado, inclusive essas cartas.

então aqui estou eu,
senhor de minha síndrome,
com rédeas em volta do corpo.

não mais o cavaleiro,
mas cavalo, paciente irregular
de uma bruta solicitação.