20.1.17

"lamento para helder"



machados dentro se devotam
em te espremer pelas estradas
inseguras e te sentes o tempo
todo prestes a sorrir ou morrer.

dançamos de olhos fechados
uma valsa constipada de luz,
que insistimos em confundir
com o aparecimento da saída.

o rio da memória seca ao sol
de um meio-dia camusiano
quando nada pode impedir
os olhos de vibrar impasses.

não tens mais vinte nove anos
e nem te lembras mais quando
herberto helder morreu, como,
por que pensas agora no poeta.

é preciso incrementar a farsa
para o machado pegar fôlego
enquanto as sereias se calam
no engano magnífico da noite.

algo escuro grita no tímpano
das calçadas, no que perdes
teu passo e necessitas criar
tua elegia múltipla de ruínas.

uma a uma caem as pilastras
sobre teu teatro grego infiel.
palavras caem como aviões,
a chance morre ao meio-dia.

mas de algum modo te preciso,
no contorno de um resmungo,
na imprecisão da paternidade,
forço dentro de mim teus dias.

13.1.17

“dança da chuva”


chove enfim na cidade,
na cidade em pânico,
depois de dias bíblicos
num deserto de gólgota,
depois de meses de gelo,
de anos de convulsões
inúteis e maravilhosas.

mas, agora, neste segundo,
o calor arrefece, a água
impõe o cheiro de entranhas,
que sobe e lava o pútrido
parado de meses, o gelo
sujo de meses, os anos
estomacais de milênios.

agora pelo menos posso
estar nu ouvindo cair
o que não se sustenta
e cai como um morto
em meus braços, penso,
mas em muitas casas,
neste segundo, enquanto
bato as teclas, outros
antiquados, espantados
com o calor dos dias,
com o gelo dos meses,
com o vômito dos anos,
também eles devem estar,
eles hão de estar fodendo,
em homenagem ao sol
que dá lugar a lua cheia,
que hoje, gigante, não vira,
numa atípica sexta-feira treze,
um segundo longe do terror,
aproveitando a brecha,
fazendo a fuga no deserto,
quando me dou conta de que
tenho perdido, na guerra,
isqueiros placidamente.

que isso tenha duração aqui
até os próximos incêndios.