17.9.21

"o livreiro"

 

um cliente,

um acadêmico,

um pesquisador,

um intelectual

me pediu por livros

que tratassem

sobre estar preso.

 

aquilo atiçou

o encarcerado

dentro de mim.

 

saí desembestado

atrás dos livros.

cemitério dos vivos

do lima barreto –

então expliquei

que um hospício

também podia ser

na prática, de fato,

um tipo de prisão.

 

o cliente,

o servidor público,

o jovem compenetrado,

o sonhador de tempos melhores

– asilo temporário de mim –

concordou com a cabeça.

 

hospício é deus, lá embaixo,

da leonora carrington,

ele não conhecia nada disso,

pareceu entusiasmado,

surpreso – a pilha aumentava.

 

nunca tinha ouvido falar

em nellie bly, maura lopes,

patrocínio, que mandei

ele procurar num sebo.

 

por último, uma recordação

da casa dos mortos, eu dei

a ele e disse: isso é agora.

11.9.21

"meninos brincando na lama com um canivete"

 

                                                           para mané

 

não consigo tocar dentro de mim

nesse menino brincando na lama

com um canivete a quem se basta

terra fértil, sujeira cósmica, sobras

e uma lâmina sem fio com que fiar

magra chance em rinha de milicos.

 

tristeza que de olhos fechados divido

com os camaradas que dormem fundo

como anjos de pedra entre os adornos

no topo de um manicômio em chamas.

 

afugentamos a tristeza com os trapos:

nossas roupas escuras que demoramos

para lavar e usamos do avesso até o pó,

como a invenção do passo numa ponte

que vai desabando atrás de nossos pés.

 

é sempre tarde quando chega nossa hora,

nunca somos bem-vindos nessa vida limpa

que esconde a carne podre entre os dentes.

porque viemos só para passar este recado:

sabemos quem são vocês pelo cheiro podre

e podemos superá-los com sujeira santa.

1.9.21

"aqui jaz marona impudico"


 hoje é o último dia de agosto

e, tenho certeza, algo em mim

tem certeza de que ele nunca

mais vai terminar, este agosto,

que será sempre nosso agosto,

ficaremos dentro deste dia eu

e meus camaradas sonolentos,

abriremos os mesmos livros,

sussurraremos a flor canina,

povoaremos com gesto vago,

tão antigo quanto essa chuva,

este último dia que não acaba,

a força aceleradora que nunca,

jamais acabará e eu só queria

poder dizer me chamo marona

e fui espancado por ter escrito

poemas eróticos nos anos vinte.