22.8.22

"poetas"

pro iotti

 

não que eu goste deles,

mas também me constituem

como fazem os vermes

dos quais também não gosto

mas trago nas vísceras.

 

agora me exercito na esteira,

estou no shape, como se diz.

mas poeta tem que ser gordo,

você diz enquanto lê balzac

numa bicicleta ergométrica.

 

somos todos, poetas, bicicletas

EGOmétricas, mas talvez nosso

maior desafio seja mesmo ralar

a cara das palavras no cascalho.

 

poeta pode também ser aleijado,

ter dente preto, gengivite severa,

ou ser um quase morto de fome,

mas que o uso de drogas baratas

não permite saciar pois que arde

engolir além do que a vergonha

de não saber o que fazer às mãos.

 

você me diz tudo calmamente,

enquanto pedala até o infinito,

enquanto eu corro pela esteira,

sem me dar conta do noticiário

e da heroína da novela das oito.

pensando após, ao me alongar,

na sensação de ser uma heroína,

no prazer de um pico de heroína.

 

porque não os amo mas estão aqui

dentro de mim, no meu intestino,

tramando revoluções alucinógenas

na direção de um destino ordinário.

 

4.8.22

"você minha primeiríssima"

 

você arrancou  adrenalina

de uma flor de lótus.

nunca foi sorrateira,

pernas e peitos abertos

às doenças dos séculos,

aos homens quebrados,

ao parto sem término

de uma grande explosão.

 

você corre limpa e sem sono

agarrada aos testículos de deus

como um modelo de caravaggio.

 

pequena operária sem descanso,

saiba que há muita gente insone,

olhos graves em quartos escuros,

com mentes iluminadas de amor

por você e por outras como você.

 

é desse tipo a tua legião, ragazzina,

um tipo que sofre rindo e jamais

perde a luz – diz a luz e traz a luz

na selva em que você caminha

com passo de camponês e a fina

tristeza que permite dar as mãos.

 

cavalo selvagem do ancestral,

roqueira pré-chuck-berry-elvis,

anarquista italiana na fissura

de um exílio que não termina,

porque trazemos em nós as ilhas

onde o sol tortura o pensamento

e torna os homens achatados,

atômicos em corpos apertados.

 

e você veio para abrir o corpo,

prima de todos, primeiríssima,

esticar os ossos e fazer tambor

com a pele dos grandes desejos.