24.8.13

"a suplicante"





estende as mãos no vazio,
recolhe as farpas do ar sujo.
estou ao lado, atravesso a rua,
o amor divide-se entre máquinas.

de bronze o feto da paixão,
o tronco soberbo dos aflitos.
o diabo escreve em caixa alta,
míseras palavras, negadas por deus.

14.8.13

“uma discussão crucial”


toda essa dificuldade não é caminho.
mas que caminho haveria não fosse
toda essa dificuldade não é caminho?
das coisas fáceis não se tem lembrança.
das difíceis vivemos, é isso que se ama.
existe a frase que falamos mal e juntos.
e porque não sabemos a frase achamos
que não sabemos nada, mas sabemos,
e não saber nada e saber, só no amor.
porque o amor não constrói, empilha
os cacos do que não foi feito com amor.
estamos a dois passos de chegar à ilha,
mas não podemos chegar, pois quando
olharmos o que não se vê, sentirmos
o que não se sente, saberemos demais,
bem demais para compreender o rito:
incompreendido, o amor é mais sólido.
já não temos pedras, amor, não temos.


4.8.13

"sobre a meditação laica"



vou procurar a meditação,
porque a meditação é relaxar
sem se abandonar.

neste momento estou sabendo
mais sobre o assunto.

o especialista tem uma bela dicção.
já ao vê-lo falar, me sinto mais calmo.

mas é preciso lembrar, não é relaxamento!

relaxamento é um abandono
e a meditação é um relaxamento
sem se abandonar.

agora poderei olhar um objeto
sempre com percepção renovada,
de modo que o mesmo objeto
nunca será o mesmo objeto.

isso parece bastante atraente.

o especialista usou a expressão
“a nível de” no momento em que dizia
“quando você aplica isso a nível de cérebro”.

será algo assim tão grave?

espero que não, continuo, em breve sentarei
com meu casaco velho que não tiro há dias
no chão velho com tacos gastos descolados
da penitenciária onde pago um aluguel,
talvez nu da cintura para baixo, como for,
e então farei a minha meditação.

dez minutos, da minha forma, tentarei isso.

de repente a entrevistadora muda de assunto,
fala dos “profissionais que trabalham no limite”,
cirurgiões, policiais, carcereiros, prisioneiros.

não sou um profissional que trabalha no limite.

trabalho meu limite de forma pouco profissional.

além do que, no momento, estou bem acima
do meu limite e, por isso, vendo uma entrevista
sobre meditação e seus inúmeros benefícios.

como eu disse, vou procurar a meditação.

mas a questão levantada pela entrevistadora
me afeta, me angustia um pouco, não muito,
porque logo em seguida ali está ele outra vez,
o especialista de bela dicção e com voz tranquila
e que, ainda por cima, lembra o povo que deveria
ser o meu povo, mas de alguma forma não é.

a entrevista se aproxima do fim, os dois estão
agradecendo e mexendo as pernas nas cadeiras,
parecem amigáveis e lembro que farei em breve
minha meditação, sob a janela, ao brilho do sol,
e o meu chão é um velho chão, com tacos gastos,
e nem é meu chão, porque não leva meu nome,
é o chão de uma penitenciária o meu velho chão,
mas estou livre, a ponto de tombar, livre e prestes,
no chão de uma penitenciária e portanto aceito
entre os profissionais que trabalham no limite,
com a única diferença que, no meu caso,
não acho que eu seja um profissional do limite.

“isso precisa ser inserido na vida da pessoa”,
escuto o sempre calmo especialista falar.

estalo meus dedos e tremo nas pontas dos pés.
lá fora há uma obra interminável, homens gordos
e gentis trocam sanduíches no fim da tarde,
dentro de mim há uma obra interminável,
mas não há homens gordos e gentis trabalhando,
os pássaros vieram bem cedo e já se foram
e agora é a hora, relaxar sem se abandonar,
e quem sabe dormir à noite, noutra cela.