10.9.14

"não subitamente"




não morreremos subitamente
(ou quem vai mesmo saber)
de embolia pulmonar aos
trinta e um anos de poesia
póstuma e, melhor ainda,
uma poesia não publicada,
e no momento em que falas
ficam para trás negras nuvens
em palavras que escorregam
enquanto alcançamos altura,
sobrevoamos o sutil pecado
de não seguir, seguir adiante,
olhar com muito medo, mas
não morreremos subitamente
(é totalmente improvável)
de embolia pulmonar aos
trinta e um anos de chumbo
morto que se espraia no colo
das altas marés do oblívio.

comemos as mesmas pedras,
frequentamos as pequenas
criaturas das esquinas sujas
e para a lágrima só é preciso
ter fulgores espasmódicos;
desesperada benevolência
de um fogo queimando ao sol.

8.9.14

"hexagrama 38 / linha 1"


não procure pelos cavalos perdidos;
eles voltarão em sete dias.
tome conhecimento da presença de pessoas más:
mantenha o olho firme nelas,
mas não se deixe fisgar ao lidar com elas.
é uma longa aprendizagem e estamos
ainda na primeira linha do enredo.
e dentro de cada dor, repare como
ali estão eles, os cavalos indomáveis,
soltos no gramado e enfrentando a lama.
têm olhos calmos os cavalos e o pelo gasto
porque carregam a beleza por entre vulcões.

6.9.14

"lenocínio ou a vida nas grandes cidades"



inquietas latitudes
no casulo da vespa.
essa gosma mordaz
na erupção do fastio.
bolhas sonolentas
nos bolsos alados.
regular o silêncio
para que não mate.
estar por um triz
da meta esperada.
rasgar os tecidos
da pele da morte.
e ceder, ceder tudo
ou levar de chicote.



4.9.14

"aos poemas rejeitados"


estou prenhe de pecadilhos
que se arrastam no soalho,
várzea inundada de ontem,
sonhos em montanha-russa.
o entusiasmo mais uma vez
sentou a ouvir sem fraque
sarabandas em carne viva
onde o estrume do segredo
é ter eterna calma, certeza
de que, ao menos, prenhe
eu possa resistir a tal fome,
retesar o silêncio em garra,
exprimir novamente a seiva
ajudar, ao menos, estender
a um náufrago a boa mão,
sem dizer que isso é resto,
aqui não se deve estender,
pode-se no máximo aceitar
naufrágio mútuo como título
de mais um livro de poemas.
mas agora bruxinha não está
aqui com os lindos poemas,
rejeitados os poemas e que
poemas que fossem poemas
não seriam poemas negados,
empurrados em concha fria,
acuados nas paredes, dentro
de quartos mais apertados,
como estudos de literatura,
como camping nos vulcões,
conforme se vai para dentro
daquela grota que pulsa pus,
daqueles tão equinos poemas
que idiotas não puderam ler
e bondosos não escutaram
e generosos não venderam,
aqueles que escorrem feito
gangrenas, falsos alienígenas,
trilho de trem dos estômagos,
os mais lindos versos, pobres
não convidados à festa rústica
onde se amam os escolhidos
e se matam os envenenados,
aqueles náufragos, milagres
dos afogamentos em mares
onde não se navega – morre
o corpo, ao nascer o poema.