29.7.10

"Love Song" (Djuna Barnes, 1916)




I am the woman -- it is I --
Through all my pain I suffer peace,
Through all my peace I suffer pain,
This insufficient agony --
This stress of woe I cannot feel --
These knees that cannot bend to kneel --
A corpse that flames and cannot die --
A candle with the wick torn through --
These are the things from which I grew
Into the woman whom you hate --
She whom you loved before you knew --
Loved, loved so much before you knew.

All I cannot weep -- in tears,
All I cannot pray -- in prayers,
For it is so the wild world moves,
And it is so that Tame Man loves.
It is for this books fall to ruin,
For this great houses mold and fall,
For this the infant gown, the pall,
For this the veil that eyes weep through,
For this the birds go stumbling down
Into the cycled ages where
Their squandered plumage rends the air.
For this each living thing that dies
Shakes loose a soul that will arise
Like ivory against black space --
A quiet thing, but with a face
Wherein a weeping mouth is built --
A little wound where grief is spilt.

I am the woman -- even so --
Through the years I have not swerved,
Through the years I've altered not.
What changes have I yet to know?
Through what gardens must I crawl?
How many roses yet must fall?
How many flowers yet must blow?
How many blossoms yet must rot?

How many thorns must I yet bear
Within the clenched fists of despair?
To be again she whom you loved --
Loved you so much, so much did care --
Loved, loved so much, so much did care!

22.7.10

"não serei"

não serei um senador de modos elegantes ao jantar,
que no jardim enterra os medos, as ilusões antigas,
não serei o vagabundo riquinho que bate pega e mata
o rapaz de classe média que andava de skate no túnel
e que talvez, por mais duro que seja, estivesse mesmo
esperando pela morte bruta com a força dos metais,
mas não serei nem ele, o regurgitador de ferro e aço,
nem bem serei a pálida criatura que cultiva olheiras,
nem o parasita pródigo, mas um pouco serei o parasita,
serei também ondas curtas de paixão, das que inspiram
o passado brasa-mora e a cultura iê-iê-iê, essa gentalha
que não sabe como é duro sobreviver do próprio vício
de não ser e não ser e não ser e no fim não ter forma,
nem garota preciosa, nem ginga de bibelô, rebolar
é para os que desviam dessa frágil grandeza estéril,
desse bater de frente com o ridículo da auto-aceitação.

21.7.10

"all my loving"

será estranho, no entanto, quando, na rua, estiver tocando
“all my loving” no centro da cidade e, junto a mil pessoas,
a banda mambembe - como no fundo somos todos nós os vivos - me fizer chorar,
pois algo queima entre a espinha de Descartes e a jaqueta esfaqueada de Espinosa,
e será estranho, no entanto, pensar nas coisas da ilusão dos decretos livres,
enquanto Espinosa jaz enterrado com seu paralelismo e sua rinha de aranhas,
e Descartes coleciona condecorações em faculdades estéreis,
e minha namoradinha está em casa estudando a coisa do amor entre os povos,
e ela diria “não são bem coisas do amor”, sem muita paciência, e se eu a amo
é pela completa falta de paciência e pelo excesso de amor,
mas ela não sabe, a minha namoradinha, e nem eu bem sei, como ela diria,
que “all my loving” pode ser também suficiente, na rua, diante da banda cigana,
e talvez ela também não acredite - não posso culpá-la - que uma namoradinha
justifique uma lágrima no deserto, e as ruas irregulares onde, todos os dias,
escorremos hemorrágicos, carregados de mitos em pedra, sem paredes.

13.7.10

"texto prodigioso de Camila Moura"

minhas entranhas já não vibram cheias de vontade, já não dilatam em câmaras o conjunto já não provocam mistérios na carne ampla e dissemelhante
minhas entranhas sangram moles feridas, igual quando sozinho
quando deixado sozinho o sol se põe
e não se pode fazer nada,
e já não posso manter meus olhos abertos, eu vejo a luz cair por uma fresta e adormeço
sinto uma vertigem incontrolável por dentro, de um ponto exato
eu vejo do prisma do sangue
cercado por lobos meu útero
se esvai de cansaço, se aproxima a matilha
por muito aguardou a matilha

até o romper de músculos

de machos velhos armados com metais velhos forjados
com vozes de veludo amarram minhas pernas acariciam minhas pernas ao que miram meu rosto contorcido então raspam-me o leito não tiram nunca de dentro suas garras frias até que se aniquile a própria idéia do calor até que a câmara solte-se do coágulo num ruído agudo e volumoso e você já pode ir para casa
eu estou para atravessar a avenida e eu nem posso estar de pé
e nem dói nem nada, ou melhor,
eu não faço força, eu tento estar ao sol,
o útero se deixa rasgar, o útero inteiro ergue-se ao corte, ele persiste em sua forma mesmo sob ataque frontal: não desaparece, não volta ao barro, não participa nem sofre com o flagelo
o que sinto que tenho não passa de um tremor localizado
distribuindo numa ação direta a potência que então concentrava entre todos os homens, em ondas, perdendo intensidade de acordo com o afastamento radial do epicentro mas sem jamais chegar a zero
meu corpo alimenta uma cidade desconhecida
e as avenidas que cruzo de olhos fechados como setas
e entre nós esta rede de carne como uma idéia prematura
como se a cabeça transferisse toda sua importância ao ventre
como se ali, enfim, um olhar se concretizasse, depois do fim...

como estivessem os canais do desejo preenchidos de alarme
eu permaneço calada, eu não me mexo e nem faço força
a máxima intimidade oferece jantares a grandes médicos, e mais
o sangue escorre pelos canais e cai numa cuba refrigerante, e instala-se o frio, e o estéril trauma, e o sangue será jogado na privada, e tudo será banhado com álcool, e a ferida será deixada sozinha e sem nenhum ritual de paz


para ler mais obras-primas da menina, vá em http://www.camilademoura.blogspot.com/

11.7.10

"mahler"




“quando se ousou voar com os pássaros,
só se deve saber mais uma coisa: cair”

(Rainer Maria Rilke)


chegou, enfim, o domador de abismos,
preparador de aquários de uma nova era.

graças a deus, és o inoportuno, o macaco
judeu com meio metro de testa, os olhos
de serpente, a pose chapliniana, pequeno,
o que dava pele aos fantasmas e, bem ali,
de nós até deus existe apenas um passo,
nos tíbios sentimentos pela ansiada paz.

grande ator fazendo um grande homem
que caminha rua abaixo e segue os gritos
proletários pensando: “eles sim são meus
irmãos, porque eles são o futuro”, e nós,
esse futuro, não sabíamos que se começa
abatido a pauladas, e um intruso nunca
deixa definitivamente de sê-lo, e que há
sementes de dúvidas no real significado
da liberdade, parênteses entorno do amor
e da própria morte, mas você, o que sabe
da carne trêmula, se pudesse dizer, diria:

“não temam, meus filhos, é preciso saber
que se bate com a cabeça contra a parede,
mas, saibam, é a parede que terá o buraco”.

8.7.10

“tua carne não apodrecerá, Roberto Piva”

Roberto Piva (1937 - 2010)



poderia algum dia, Roberto Piva, como agora,
ser que víssemos nas tuas roupas neo-realistas,
na tua rica juventude, estuprada por São Paulo,
a quem odeia, São Paulo, mas a ela dá as tripas,
porque apenas em tripas e ódio nos damos todos,
e a criação vem necessariamente do ódio coletivo
de sermos, apesar do estupro-fascínio, dependentes
da beleza e das bandanas nos pescoços-caravaggio
e dos passos de sapatos com solas de madeira
descendo pelas escadas com a tinta paranóica.

quimicamente desejáveis e não é o que todos querem?

não, Piva, deus da sarjeta incandescente dos profetas,
eles querem tuas fotos nos jornais e mais meia dúzia
de poetas ordinários se refestelando sobre tua carne,
aos prantos, desejando a ti uma boa passagem,
e eles – é claro, Piva – ah, mas eles não sabem
das calçadas ensangüentadas, dos tiros noturnos,
e, muito menos ainda, Piva, eles sabem que não é
para ti este mundo, onde se enterram no papel
os poetas eternos: nesse jogo, disso eles sabem,
ficam as moscas e, atemporal, a carne apodrece.

3.7.10

"O sweet spontaneous" (e.e. cummings)

O sweet spontaneous
earth how often have
the
doting

fingers of
purient philosophers pinched
and
poked

thee
, has the naughty thumb
of science prodded
thy

beauty .how
oftn have religions taken
thee upon their scraggy knees
squeezing and

buffeting thee that thou mightest conceive
gods
(but
true

to the incomparable
couch of death thy
rhythmic
lover

thou answerest


them only with


spring)


xxx * xxx


"oh suave espontânea"

oh suave espontânea
terra quantas vezes
os
dedos

idólatras dos
filósofos lúbricos picam
cu
tucam-

te
, têm o polegar pervertido
da ciência espetado
tua

beleza . quantas
vezes religiões não te
põem nos joelhos pontudos
espremendo e

esbofeteando-te que tu tinhas que gerar
deuses
(mas
fiel

ao incomparável
leito de morte teu
rítmico
amante

repondeste-
lhes apenas com

a primavera)


tradução dirceu villa

2.7.10

"roman jakobson"

a vida cotidiana
é apenas um sucedâneo
da síntese do futuro.


(vladimir maiakovski)

agora o câncer é a poesia
da medicina, e não valem
mais os gestos de punho
seco, as mortes políticas,
mata-se finalmente por
vaidade, e como é belo
o amor falso no qual nos
baseamos, e como é bom
transar sem camisinha,
aturar em silêncio a veia
que derrubou os cossacos,
e agora nós só transitamos
entre estranhos talvez com
armas de tiro e que nunca
sabem, tanto quanto nós
não sabemos que ainda
é cedo e pálido crepúsculo,
para esperar o dia frágil
quando não há tiro nu,
conversa-se, droga-se,
e estamos nus no tempo,
e a gosma que deveríamos
apreciar está mais abaixo
e temos medo e por isso
vamos longe, de cabeça,
mas já não há mais tiros
no peito de uma geração
inteira diluída em dúvidas:
estamos perplexos, rindo
do sabe-se lá o quê, a base
fugiu para longe, os peitos
sob a mão não amedrontam
e nem o suicídio é algo raro,
pergunta-se: mas e se não for
maiakovski, por que interditar
a passagem do tempo? - talvez
seja leitura demais, vivemos
o tempo da leitura demasiada,
amplos no aspecto pequeno,
e não sabemos, pobres de nós,
que o tiro já foi dado no tórax
e não nos resta nada mais que
a simples primavera esgotada.