24.2.06

"Cedo ou tarde seremos você e eu outra vez um só"

(Ei, você, olhe pra mim, já!)
Não posso... Não posso mais isso!
(Estou na sua frente... Olhe agora!)
Já disse que me cansei de te olhar!
(Você cansou porque enlouqueceu!)
Podemos parar com as exclamações agora?
(Você não pode fugir de mim...)
Me cansei da tua cara, do teu cabelo, das tuas mágoas...
(Você não tem como fugir de mim...)
...das tuas rugas, dos teus olhos que não me dizem nada.
(Você não consegue evitar...)
As coisas terminam uma hora... Assim é com todo mundo.
(E o que vai fazer então, sem mim?)
Vou procurar alguém que possa me ouvir...
(Mas eu posso te ouvir!)
...e que tenha algo a me dizer que eu ainda não saiba.
(O que quer que eu diga, se você sabe tudo o que eu sei?)
Não tenho idéia. Mas vou achar alguém. Você me repete.
(Escuta aqui, garoto: se você não olhar pra mim agora eu... eu... eu...)
Você o quê? O que você vai fazer? Tente se acostumar. Seja razoável.
(...te parto a cara em duas...)
Pois faça isso então, se é assim que sabe fazer.
(Eu olho pra você e vejo que está vazio, que não tem pra onde correr)
E quem te disse que eu quero correr pra algum lugar?
(Algo entre os teus olhos e os teus pensamentos me diz)
Bah! Cansei de tudo em você... Me deixe em paz, compreendeu, em P-A-Z!
(Você não tem como escapar de mim)
Você vai ver se não tenho...
(Pode ser triste, mas é um fato)
Quer ver como eu escapo?
(Tente e, cedo ou tarde, se arrependerá)

Um espelho estilhaçado
e uma figura patética
no chão do banheiro
sangrando...
chorando...
sozinha...

Foi cedo.

23.2.06

"Nada serve para Tudo"

O momento mais feliz do homem feliz
é o momento em que ele vai dormir.
O momento mais feliz do homem infeliz
é o momento em que ele acorda.
Hoje acordei e queria estar dormindo.
Ontem dormi mas continuei acordado.
A vida é um pêndulo que se divide
entre o tédio absoluto e o desejo.
Esse desejo impraticável me entedia.
E agora, Sir Arthur Schopenhauer?

22.2.06

"Seeking" (Richard Brautigan)

Seeking to find the highest height, I sight
A shooting star and wish to soar, before
Burning blood has boiled over, fever
Intoxicating desire, fire
Whispering frantically in mine ear, yet fear
Restrains mine actions, holds them in, within
Myself and soul I seek feeling, starting
Again re-learning how to fly, just die
I thought upon hitting hard ground, but found
Myself standing on eager feet, to meet
Someone new I certainly will, to fill
An empty void she's left and gone, alone
I shall not remain
In pain
Again.

21.2.06

"Doutora Renata"

hoje não há de ser nada...
nada do que não deveria
ter acontecido aconteceu.

jamais esquecerei de hoje
porque agora hoje é ontem
e amanhã vai para sempre.

não quero amanhã se
o que foi dito hoje for
aquilo que você interdita
e finge que não acredita
naquilo que passei à noite
se tiver de fato acontecido.

não quero nunca mais dançar
mazurca e olhar nascer beijar
o céu gengiva do desconhecido ou
esquecer o passado que não é meu.

não quero o sarcasmo do futuro atrasado
nas pernas que ainda ocupam tua saia sem
depender do teu mais lindo olho enrugado
para forçar sotaques em prol de um alçapão.

mais nenhum sorriso de dente
vai me fazer esquecer do fato
de que um dia esquecerei de tudo
que uma noite eu li nos teus cílios.

20.2.06

"Eu te odeio porque não posso viver sem você"

Estive recentemente à beira-morte, então decidi ir à beira-mar para me despedir de mim (faço isso semanalmente). Fiquei vendo as mulheres com seus biquínis de crochê cavados e os homens como focas jogando bolas para cima com todos os músculos enrijecidos ao mesmo tempo, sem saber o quanto isso fica ridículo quando não é você quem está fazendo o esforço. Rapidamente me esqueci de morrer, o que tem acontecido também semanalmente desde as últimas férias em Miguel Pereira, eu lá caindo da bicicleta e me fingindo de mendigo com um cordão bloqueando a estrada para ganhar uns trocados extras enquanto enterravam minha mãe e ela tinha apenas um resfriado, segundo me disseram.

Sempre me inclinei a inventar teorias idiotas para explicar assuntos que não conseguia compreender. Isso servia de alívio momentâneo quando a cabeça parecia a ponto de explodir, como agora, por exemplo, quando não consigo infelizmente usar as palavras que queria ter usado lá atrás, ao começar isso daqui. E parece tão tarde, às oito e meia da manhã, que não sinto sono algum. Talvez devesse ter me despedido melhor. É tarde. Na praia não foi diferente.

Para formular minha teoria sobre como se comportam homens e mulheres quando estão todos juntos num espaço específico, mental e fisicamente seminus, sentei na areia e tirei meu bloco de anotações da mochila, o que imediatamente alterou o gestual de dois garotos, ambos com franjas enormes, que me impediam de ver seus olhos, e muitas espinhas. Nenhuma menina, no entanto, mudou em um milímetro sua trajetória, nem mesmo desviou um olhar, absolutamente nada aconteceu nesse aspecto, o que logo me fez concluir que mulheres são menos suscetíveis do que meninos, até porque meninos continuam meninos enquanto mulheres já são mulheres antes dos meninos entenderem o que é uma mulher.

Procurei me concentrar nos jovens adultos da espécie e procurei, é claro, idades próximas de ambos os sexos para analisar friamente os comportamentos.

Uma menina entra na água: aos pulinhos. Ela é bem próxima da plenitude dos movimentos sincopados. Talvez fosse mais que a plenitude, afinal, da plenitude não se passa, e ela tinha passado correndo por tudo, deixando apenas delicadas marcas das pontas dos seus pés na areia. Cada deslocamento de músculos e ossos parece repicar em pausas fotográficas. No que aparece um cotovelo coberto de areia, logo atrás vem uma perna com uma pequena cicatriz na altura do joelho. E então, enquanto você observa uma perna, a bela cicatriz no formato de uma harpa, surge um tornozelo com fita do Nosso Senhor do Bonfim, mais uma covinha em cada nádega, apenas para que você derrame seu chá mate na toalha, veja tudo em tom sépia e invente uma nova bossa nova velha.

Ela tem os cabelos crespos, cheios e vermelhos. A pele curtida de sol, sal e iodo, do tipo exportação. Já está na idade em que os músculos, até então afilados e torneados como os de um filhote de gazela, começam a ganhar formas arredondadas e desajeitadas, quase exageradas. A menina ainda não sabe o que acontece à sua volta, quantos garotos enchem os pulmões de água salgada, erram o chute na bola, tropeçam nas próprias pernas e caem, são obrigados a se sentar e enrubescer, escondendo com as mãos a vergonha, quando ela passa com desleixo e indiferença os dedos pelos cabelos por detrás das orelhas que sustentam enormes penas coloridas presas em argolas de prata nos lóbulos. Mas seu sorriso sem dentes num traço de olhos baixos distante mostra que talvez seja tudo um jogo pensado. Ela começa devagar a entender que, de uma mulher linda, qualquer ato singelo, como ajeitar os cabelos atrás das orelhas e inclinar a cabeça, pode causar um cataclismo em quem ainda não sabe de onde realmente vem a asma.

Mas ela, apesar de ser toda mulher sem saber como usar tanto todo, tem ainda uma grande parte de doçura, de infantilidade desprevenida que derruba seus olhos no chão, sem saber para onde apontá-los já que todos em volta os têm para sempre aprisionados nas piores perversões. E eu mesmo me sinto envergonhado por pensar nela como uma mulher.

Detalhe interessante: ela não entra imediatamente na água, de corpo inteiro, num mergulho. “Isso é coisa para animais ou pescadores”, diz a uma amiga quando perguntada, enquanto o pente vermelho se perde derretido dentro dos seus cachos de lava. Primeiro se levanta sem usar as mãos, os pés cruzados servem de alavanca para o corpo. Bate com as mãos delicadamente nos dois sorrisos hipnóticos desenhados pela rigidez das nádegas, para tirar o excesso de areia e causar mais algumas arritmias respiratórias. Ajeita então a frente do biquíni. Sorri para uma amiga que também sorri – preliminares de duas vidas fadadas à eterna felicidade plástica. A amiga galopa ao seu lado, outro exemplo de generosidade genética. E já ninguém sabe mais o que fazer com os olhos. Os meus eu enterro na areia e os perco assim como perdi os chinelos. Mas de algum lugar eles ainda podem ver.

Ela joga água nas axilas, apanha um pouco para o próprio rosto. Gargareja e deixa a água escorrer sorridente pelo corpo. Mais quatro passos, deixa a onda lhe cobrir a cabeça. Com o dedo tampa o nariz. Sai correndo e sorrindo baixo para fugir de outras ondas mais fortes. Ainda não sabe que do seu corpo se forma a onda mais forte da arrebentação. Dispensável dizer que um homem vê esse conjunto de movimentos em câmera lenta. A menina volta no trote, corpo todo vapor, alma tordilha escoa pelas narinas infladas, torce os cabelos pelo lado direito dos ombros. Na impossibilidade dos olhos, posso ver sua omoplata sorrir. E então ela volta correndo para sua canga, seu noivo, um sujeito que, com todo direito, tem o semblante acabrunhado.

Minutos depois, a cargo de comparação, vejo um grupo de quatro rapazes: dois parecem irmãos porque gastam muito tempo batendo um no outro, cuspindo e jogando areia, rindo. Outro é um japonês bem baixo e magro, como um japonês costuma ser, mas sem queixo, com largas bolsas de gordura debaixo dos olhos, dentes confusos. Parece ser o mais velho, ou o mais carente, ou talvez o fato de parecer velho demais para sua sunga florescente o tivesse deixado melancólico, até mesmo histérico, porque permaneceu um bom tempo sozinho rolando na areia – enquanto os outros faziam cara bandida com seus óculos escuros e seus cordões de prata – até afogar subitamente o quarto deles: um rapaz cuja procedência eu não saberia determinar, possivelmente armênia ou turca. Com enorme nariz adunco, boca escancarada, talvez por causa de algum problema respiratório ou de ordem mental, como é o mais alto, e de relance parece também o mais brutalmente feio e desajeitado, quem sabe até o mais romântico, é também o mais violento. Revida o golpe jogando um coco na cabeça do japonês que, por segundos, gira os olhos em convulsão.

A certa altura dos acontecimentos, sem conhecer maneira mais civilizada de chamar atenção, os quatro começam a se atravancar uns sobre os outros com mãos e fundilhos cheios de areia e guinchos desafinados por causa da masculinidade ainda em processo de formação. Um força outro a engolir areia, outro puxa as calças de um terceiro, que grita mais alto, e um quarto rola na areia espantando as criancinhas em volta, que fogem aos prantos com seus baldes.

Em suma: são homens já feitos de corpo, assim como a menina, mas, mesmo assim, em grupo, parecem contentes ao se comportarem como animais selvagens. Isso não os incomoda e, afinal, por que deveria? Estão em grupo no seu habitat, agindo de acordo com seus costumes, comendo areia e rindo disso. Nada estranho.

Mergulhei em anotações digressivas:

Homens são animais que, na maioria dos casos, andam em grupo, pensam aquilo que um pequeno grupo influente determina e exercem força estúpida e patética, geralmente de fundo tragicômico e desesperado. Mulheres são animais que se desenvolvem fisicamente mais rápido – e talvez isso também influencie seu desenvolvimento mental prematuro, pois ao comprovarem a rápida evolução física diariamente diante do espelho, são obrigadas a compatibilizar seu raciocínio e até mesmo sua sensualidade com esta realidade orgânica mutante. Mulheres não andam exclusivamente em grupos. Não precisam de grupos para se sobressair. Inclusive, quando em grupo, mulheres tendem a ser mais críticas e competitivas que os homens, até mesmo mesquinhas e cínicas porque, ao tomarem mais cedo conhecimento da individualidade de um corpo em ebulição, entendem que atributos físicos levam à guerra, mais cedo ou mais tarde. Por isso alguns rapazes menos afeitos a sutilezas consideram as mulheres insensíveis e traiçoeiras, até entenderem que isso que sentem por elas se chama paixão e é tudo que existe de trágico e irreversível misturado de modo a gerar boa impressão aos inocentes românticos que têm medo de chorar.

Todos os movimentos femininos são mais sutis e delicados, porque bem antes elas percebem o quanto o corpo precisa estar em comunhão com o cérebro para funcionar satisfatoriamente. Mas é lógico, isso não significa necessariamente que sejam seres frágeis, e sim um progresso mental mais acelerado – é só perceberem que as mulheres mais vulgares também são as mais machistas. Além do que, as mulheres acabam sendo mais perceptivas porque, pela condição alienígena que lhes é imposta fisicamente desde bem cedo (culotes desastrados, peitos inchados e doloridos, corrimentos em meio a fiapos humanos ainda sem pêlos), conhecem antes a solidão.

Ou talvez isso signifique apenas o bom uso da fragilidade, enquanto que nós homens, com medo do fato de sermos fisicamente bastante ordinários, precisamos nos livrar da mediocridade física da nossa puberdade tardia para nos sentirmos competitivos e atraentes, o que implica luta física, em boa parte das vezes.

Trata-se do velho esquema “macho provedor que vai à selva atrás do maior antílope” enquanto as fêmeas se divertem com os machos mais sensíveis (entre poetas, rendeiros, ceramistas, profetas, vagabundos) que, portanto, são excluídos do grupo de machos da aldeia e – quando não morrem logo assassinados – adotados pelas fêmeas por sua sensualidade. As relações humanas podem ser facilmente resumidas neste esquema, em todas as classes sociais, se formos capazes de assumir nossa evolução animal desde o macaco.

***
Volto para casa confuso – acontece sempre que fico muito tempo debaixo do sol e vejo muitos corpos juntos que brilham – inutilmente tentando montar uma teoria ampla e definitiva que determine exatamente por que animais de mesma espécie, habitat e idade são capazes de se comportar de modo tão radicalmente oposto e, na mesma medida, se desejarem tanto.

Chego em casa e olho a foto dela na estante. Súbito, jogo a foto pela janela. E quando vejo estou com o telefone na mão, gaguejando.

18.2.06

"Nunca esqueça de dizer que está sempre tudo bem"

Oi, tudo bem?
Oi...
O que houve?
Nada, eu apenas disse “oi”
Então...
Então... Oi.
É isso!
Isso o quê?
Você só disse “oi”
Sim?
E eu disse “oi, tudo bem”
Você disse que contigo está tudo bem ou perguntou se estava tudo bem comigo?
Agora não... Já não importa mais.

16.2.06

"E eu, o que eu faço com meus galhos secos?"

Um barulho terrível de algo – ou alguém – sendo serrado ao meio me deixou na dúvida se aquilo era um pesadelo ou apenas uma manhã escura de segunda-feira. Depois tive dúvida se uma coisa não implicava diretamente outra coisa.

Eu não estava na minha cama: primeira constatação lógica. O barulho está ficando ensurdecedor: segunda constatação, esta já um pouco danificada pelo estrondo de coisas, ou pessoas, quem sabe até pedaços de coisas e pessoas, caindo violentamente no chão. Ouvia também gargalhadas sádicas pela janela, ainda debaixo das cobertas, quando, virando na cama, me sentei em cima de um gato preto da cara branca do nariz rosado, que me mostrou os dentes e marcou meu flanco direito com quatro unhas imundas e afiadas. Depois saltou e sumiu. Fiquei na cama assustado com o barulho de algo que se havia chocado com a lataria de um carro lá fora. Depois o barulho de vidro estilhaçado e então o silêncio total. Minha vontade era guinchar de dor por causa da unhada que automaticamente inflamou num vermelhão. Mas a perplexidade com o silêncio repentino me tirou de sintonia completamente. E eu tive que correr até a janela para não enlouquecer. Tinha me atrasado.

Esperava gente morta com os membros amputados. Homens embainhados com trabucos mascando fumo e cuspindo notas de dólar no chão. Hominídeos engravatados, ensebados com pastas e cabelos ralos chupados a gel, olhos esbugalhados e peles repuxadas perfuradas pela ação instantânea do ácido corrosivo que o céu cuspia. Todos com boas camisas de seda, todos sem o fundo dos olhos fugindo de si próprios através de ruelas repletas de putrefações e dependentes químicos à beira da morte com cintos gastos de couro afivelados nos braços. Fui à janela ansioso pelo fim do mundo. Ou talvez estivesse ainda sonhando com uma viagem, que era de fato com o que estava sonhando, e pouco antes de acordar me lembro que houve um impasse no sonho, quando encontrei uma ponte a qual eu deveria atravessar para me salvar do que estava me perseguindo – um rapaz parecido comigo, mais forte –, mas a ponte estava bloqueada com toras de madeira ensangüentadas. E ali, naquelas toras de madeira, estava a raiz de tudo aquilo. A prefeitura tinha enviado um mutirão de lenhadores para podar as amendoeiras.

Eram ainda sete da manhã e, como eu não estava em casa, não havia porque me comportar como se estivesse. Então fui até a cozinha e preparei um chá de carqueja, o que jamais faria em casa, sob nenhuma hipótese. No meio do caminho fiz as pazes com o gato, com a leve impressão de que, da parte do gato, as coisas ainda não estavam lá muito bem.

O chá ficou péssimo, cheio de pequenos detritos e um fio de cabelo. Tomei de golada enquanto tentava lembrar o que tinha me arrastado até a cama na noite anterior. Depois de coçar a cabeça inúmeras vezes, desisti de achar o motivo. E sempre me sinto melhor depois de desistir dos motivos, apesar de isso durar pouco e ser na maioria das vezes insuficiente.

Debruçado na janela vi dois homens embrutecidos e suados resmungando um com o outro na mesma altura, dentro de uma caixa de fibra de vidro erguida por um guindaste. Um tinha nas mãos uma moto-serra ligada e o outro, com uns óculos escuros de surfista, não fazia nada além de assobiar uma marchinha de carnaval, o que parecia estar irritando o primeiro, que descontava sua raiva automaticamente na árvore, bem ali, rendida na sua frente, mas poderia perfeitamente ser em mim ou em você numa esquina deserta.

Não sei se era a estranha sensação de não precisar fazer nada, ou se era o fato de não haver nada que se pudesse fazer, mesmo precisando tanto de alguma coisa urgentemente, mas fiquei emocionado com a condição daquela árvore, porque imaginei a tragédia da sua vida.

Uma pobre mãe que, amordaçada por tirânicos algozes, bichos humanos cheios de cachaça e crueldade, é obrigada a ver a morte e o esquartejamento dos seus filhos indefesos, um a um. Afinal, já no chão, depois de serem arrancados dos troncos, os galhos eram estraçalhados pelo cutelo de um terceiro sujeito aparentemente retardado, ou então muito vil, porque ria escandalosamente, parando apenas para enxugar a testa e levantar as calças na altura do umbigo.

Num ímpeto que eu mesmo estranhei vindo de mim e que tem se tornado cada vez mais comum – não esquecer, ligar para Dr. Levi, marcar consulta –, corri até a janela e gritei na direção dos dois homens dentro da caixa de fibra de vidro, em tom de indignação proletária:

- Chega de cortar! Já foi demais!

Eles pararam a serra por um minuto – imediatamente tomado por pássaros e cigarras para dar à cena certo suspense bucólico – e se entreolharam. Riram como se não tivessem entendido nada, a causa mais comum porque uma pessoa ri. Fiquei na janela com minha caneca de chá e ninguém disse outra palavra até que tocou uma sineta e crianças surgiram do portão da creche com seus joelhos ralados e suas têmporas molhadas, corações gangrenados pela boca, meias frouxas e camisas encardidas manchadas com suco artificialmente colorido, gritando e correndo sem motivo, o que me pareceu, naquele momento, por um segundo, o único motivo para se correr. Então mudei de idéia com relação à árvore. E liguei o rádio numa estação.

Via agora uma árvore grisalha e feliz, rejuvenescida e oxigenada por causa das podas, grata por estarem lhe fazendo o serviço de limpeza, por lhe arrancarem as pragas que se acumulam nos galhos mais altos. Foi quando o mais estúpido dos trabalhadores me olhou lá de baixo e disse:

- A gente tem que desmatar tudo. Tem cupinzeiro nas árvore tudo.

Continuei revezando minha atenção entre o gosto terrível do chá, que insistia em me lembrar de que eu não estava em casa, a árvore que, a partir de então, passei a imaginar envergonhada por estar sendo desnudada na frente de tantas pessoas das suas relações diárias, o homem estúpido que esquartejava seus filhotes mais verdes e exuberantes com uma machadinha, as crianças esfoladas pela ansiedade, que mal viam naqueles ramos esquartejados a maneira trágica e irreversível como uma criança pode terminar e, confuso, diria um pouco tonto, trouxe minha loucura de volta para dentro da sala vazia, aquele espaço oco feito da relação entre o que não penso com o que deveria fazer antes de pensar, e juro a vocês que nesse momento pude ver galhos ressequidos e longos saírem pelas mangas da minha camisa, sem ninguém ali para os podar.

13.2.06

"Plágio do Eclipse"

quando eu não for me empurre
quando me empurrar derrube
quando derrubar me quebre
e quando quebrar me ajunte
quando me ajuntar me ajuste
depois de me ajustar me deixe
quando me deixar se lembre
quando se lembrar me ame
quando me amar me odeie
quando me odiar me mate
antes de matar me entenda
depois de entender duvide
quando tiver sede me tome
se for engasgar não peça
quando eu não pedir me engane
quando me enganar não chore
quando não chorar me beije
quando me beijar me molhe
quando me molhar o queixo
eu vou me queixar do porre
que me prometeu a chuva
quando me lembrou da morte
que se debruçou na árvore
e se não chegou me espera
mas quando passar teu rastro
hei de me guiar de súbito
onde eu hesitar desminta
quando for calor de cisma
olhe para mim: desista
de me oferecer tua alma
sempre que quiser insista
e quando puder me adore
se a dor da hora te adora
esconde teus olhos, não mostre
e se olhando não puder ver nada
sou tua, estou nua
me imagine gueixa...
posso não dar a mínima
você pode me dar o fora
podemos fechar numa rinha
irem dois carrancudos embora
batendo a porta atrás do adeus perdido
no fundo falso da bolsa velha de couro
o mesmo erro eterno ego arrependido
agora que não é mais hoje nem cedo
me acorda os olhos com teus tristes beijos
para que te diga como foi ruim ouvir o vento aquela noite
e você me pergunte se podemos apenas ser bons amigos
quando eu te cuspo, me tranco no banheiro, engulo pílulas
escuto tuas botas no piso de madeira enquanto fazes a mala
entro no chuveiro, escorrego, bato a cabeça na pia, levanto
você sai, há sangue no chão, entro na tua frente em prantos
te digo babando sem nenhuma compostura: maldito, te amo!
você me empurra com raiva, eu gamo, caio de cara, me quebro
você ajunta do chão meus cacos sentindo-se culpado e farto
e chora miúdo de culpa enquanto tua puta ronca ao teu lado.

9.2.06

“o que eu não faço por você, Maria?”

Se tivesse que responder a alguém qual foi o meu melhor momento de prazer em toda a viajem pela Bahia, tanto dos santos como dos pobres diabos, não vou poder dizer que foi o pôr-do-sol com moqueca de peixe no Mercado Modelo, nem ver os filhos dos pescadores pulando das barras de ferro das docas para desaparecerem no mar noturno, ou a ginga salgada e calórica das negras de prata feitas da seiva bruta da Terra, nem poderei falar do anjo negro de gesso que ganhei de Oxossi, ou de um banco de areia no meio do oceano, muito menos do pobre cachorro manco que se sentou à minha sombra, ou da luta de um pescador com um peixe desse tanto! que explodiu seu anzol e levou sua vara, deixando-o com o chapéu de palha na mão arrasada pela linha enquanto eu via tudo de uma das rochas roncantes da praia de Itapuã. Se tivesse que responder a alguém qual foi o meu melhor momento de prazer em toda a viajem pela Bahia, não caberiam estátuas nem igrejas de ouro, comidas apimentadas ou um vento frio nos olhos quando é quase noite, nem mesmo o espirro de estrelas do Recôncavo ou a terra de Caetano, nem quando chorei ouvindo Raul Seixas tomando um water fire, tradução de cachaça no cardápio do quiosque da praia. Com toda sinceridade, teria que dizer que foi aquele dia em que uma menina belga chamada Maria, casada com o mais velho de 16 pescadores da Ilha de Itaparica, talvez o dia mais lindo da minha vida foi quando ela perguntou que tipo de instrumento eu tocava e eu disse a ela que não tocava nenhum instrumento mas ouvia alguns muito mal e ela se espantou com a minha revelação tão habitual e disse que não acreditava, que tá na cara você é um saxofonista, não... melhor... saxofonista não, você tem cara de trompetista... acertei?

Então tive que ser um trompetista por um ou dois dias, só para não decepcionar a Maria.

“o amor é uma pomba rara e indecisa”

para meus irmãos Pretti

não tente entender o que você não consegue sentir
se eu estiver de costas, por favor, dê a volta e veja:
quando eu quiser a tua paz, meus olhos vão te dizer

você não pode me fazer feliz se não puder me fazer triste também
então, por favor, erre de novas formas, sem culpa e sem falar no amor

quanto mais longe estiver, mais perto estou tentando chegar
e se um dia eu aparecer bêbado, magro, pálido, delirante
com a mão na tua porta e uma faca enfiada nas costas
saiba que não é por mal, mas é ele dentro de mim

quando o silêncio for insuportável, pare e ouça:
(você se esconde por trás daquele gás aceso)
só assim vai conhecer toda a verdade
que um dia menti cheio de medo

não imagine ou represente o medo
improvise a dor e tudo fará o resto

lembre de quantos minutos te olhei
e você, pensando no amor, não viu

o amor é uma pomba rara e indecisa
não é capaz de decidir para onde ir
mas só morre se desaprende a voar

medo do ridículo é muita humildade e falta de coerência social
o erro humano fecha com o ângulo de michelangelo antonioni
paulo leminski me traduz a síncope do infinitesimal horizonte
- acrescento que tendo a imaginar seus poemas azuis e amarelos –
como entender a luz perplexa dos carros, vaga-lumes suicidas na estrada escura?
e aquele teu vazio no peito que hoje carrego comigo enquanto você me esquece?

todos somos perguntas: de onde vem essa névoa espessa?
(nem a morte de mozart tira teus olhos da minha cabeça)
“vocês estão todos mortos, os mortos são os que querem viver”,
ressoa uma voz que vem de dentro da caixa de música japonesa

nem um suco de laranja, nem um obrigado
só uma porta fechada e um banco de praça

o bebê gigante e velho que não sabe nascer
e o outro que me desnuda com os olhos

6.2.06

"Lição de um pescador matuto a todos os pais do mundo"

Foi nas intermediações do Portal do Curral, praia selvagem de mata virgem onde os escravos eram empilhados em porões que submergiam ao sabor das marés afogando os com mais sorte, hoje uma praia deserta com cheiro de sangue africano onde turistas espanhóis de bochechas vermelhas e pêlos raspados nas juntas fazem bacanais de despedida à vista dos pescadores que atracam os barcos e esperam pelo fim do gozo com sabugos de cana-de-açúcar entre os dentes, olhos desconfiados que nunca viram tetas brancas, e havia no meu barco um pescador do tipo bem rústico, pés esfolados com unhas sujas, barba áspera como a casca de um abacaxi, e ele trazia com ele no barco duas crianças, seus filhos, às quais dava ordens curtas e diretas como “fecha a boca senão engole os dentes”, “rapaz, vou dar murro de mão fechada na tua cara se não ficar quieto” e outras um pouco mais delicadas como “te deixo em casa trancado sozinho, peste”, e estávamos todos à bordo do Não Temas, havíamos acabado de passar por um forte construído pelos portugueses em 1531, depois de sangrenta batalha contra a tribo dos Gueréns, exímios guerreiros, e talvez as explicações históricas estivessem dando sono a um dos filhos do pescador, o menor, ou então ele chorava de manha, para chamar a atenção do pai, preso ao seu rádio de pilha na proa, enquanto que o filho mais velho ficava calado, sorriso capeta na boca, chupando o bagaço de cana que o pai tinha acabado de dispensar, e quando o mais novo finalmente parou de chorar, pulou na água de cabeça, correu até o topo do primeiro cajueiro, colheu um bem maduro e vermelho e pulou de volta na água, onde mergulhava ao mesmo tempo em que chupava o caju e quase se afogava para a tranqüilidade do pai que parecia disposto a deixar o menino fazer suas coisas sozinho e da sua maneira, mesmo que fosse se afogar sozinho, e quando o caçula voltou à embarcação apenas com a castanha do caju na mão, ainda havia um rastro de sal que lhe cobria as bochechas por debaixo dos olhos e então muito quieto ele se esparramou na rede que balançava no ritmo da náusea de Netuno e dormiu imediatamente com uma das mãos dentro da calça e a outra com o dedo na boca, quando o mais velho, indignado com a vadiagem do caçula, começou a implicar, chutando a rede com força, sempre o bagaço de cana na boca que impedia que víssemos seus dentes e o semblante de risonha perversidade.

O rapaz pardo de chapéu de folha de bananeira e sem os dois dentes da frente desancorava o Não Temas enquanto me apontava muito atenciosamente os abundantes cajueiros que cobriam o portal, com cajus amontoados no mesmo galho, suplicantes para serem recolhidos, muitos apodrecidos de tanta fartura, como alguns alemães ricos de viseira na segunda praia, e lá longe eu via a praia onde era possível cobrir o corpo com argila para hidratar a pele e evitar o tempo, quando distraidamente ouvi o pescador embrutecido pelo sal e pelo sol dizer uma das coisas mais sensíveis que já ouvi, não é claro pela forma como falou, mas pelo conteúdo da frase simples que dirigiu ao filho mais velho quando o mais novo voltava a chorar por causa dos pesados chutes nos flancos:

- O menino tá quieto, você deixa ele quieto.

E o mais velho parou de chutar a rede e jogou o bagaço de cana fora.

Acredito que se metade dos pais do mundo entendesse o que aquele pescador quis dizer, os homens teriam talvez um pouco mais de vida útil na Terra.

5.2.06

"Melancolia Soteropolitana"

O impacto de um dia melancólico na cidade do Salvador me atraiu mais uma vez até o mar. De frente para o mármore que escondia um Cristo aterrorizado de mãos para o alto me senti como o limo da pedra, aprisionado pela vontade das ondas, tão indecifrável quanto a minha consciência de que as coisas se ajeitam, mas demora demais até que aceitemos isso, quando já é tarde para aceitar, e em seguida pensei em Raul Seixas e me envergonhei silenciosamente como aqueles que se orgulham do pai depravado em roupas coloridas e o mar estava, naquele fim de tarde embotado, tão transparente e franco comigo, que baixei a cabeça para as águas suplicantes e disse, num sussurro que durou o tempo de uma lágrima acovardada, que ele, o mar com suas ondas inquiridoras, não teria nada a ganhar de mim a não ser meu limo, entranhado sobre a couraça de uma alma plantada por mãos acorrentadas, alma desconhecida como a rua em que virei na angústia de pensar se a outra poderia ser uma melhor opção, mas não, as respostas não me tranqüilizam, bem menos as suposições, tudo parece estúpido nessa reticência de sal e iodo, como seria a outra rua, a outra cidade, a mulher que não piscou o olho, o murro se fosse com faca, se fosse pelas costas, as costas se fossem sinceras, o silêncio se fosse em olhos vivos, como seria se eu acreditasse no que dizem sobre o amor?

A brisa sibilante torcia contra mim. Contra meu desespero de ser sempre meio sem fim. Quando num segundo asfixiado sou capaz de estranhar o espelho por detrás da luz curiosa das primeiras cigarras, num fim de tarde ensolarado, aquele espelho mentiroso de mar, o ensaio da noite gingada, e me pego pensando com as unhas metidas nas bolsas dos olhos inchados, espremidos pela violência da luz incompreendida: de quem é essa cara?

Ao mar vou inutilmente atrás de respostas: ganho sopros de agonia no pé da orelha. O mar é quase tudo, somos feitos das suas sobras, mas sinto nele uma limitação tão grande, porque ele abarca o mundo, entra em todos os poros, mas não tem o direito de escolher o próprio curso. Assim como eu, está preso em si mesmo, indubitavelmente confinado. E sinto uma espécie de confusa compaixão pelo seu movimento repetitivo, cansado, exausto como o da mãe encurvada que morre de rugas pelo filho que não deixa nascer, porque ama.

Juro a vocês que naquele momento ouvi o lamento do oceano. Ele disse: fui a vida toda dos poetas e dos confusos, dos autistas e dos vagabundos, de modo que hoje não sou nada, estou seco dentro de toda essa massa d’água... E então ele chorou sobre as pedras como quem estica os braços para se salvar do perdão. Como eu que, no entanto, injuriado com a indiscrição do oceano, tentava tirar da cabeça o que nem sabia se ainda tinha, com a ajuda da brisa, ao lado de casais enamorados em beijos de discórdia.

E se tem uma coisa que me opõe aos soteropolitanos é sua capacidade de brigar baixo e brincar alto, ao contrário de mim, que engulo culpas como a noite engole estrelas, no momento em que o espirro da Via Láctea surgia como confete por sobre nuvens ralas com medo de virar chuva fina, o que foi tão inevitável quanto as lágrimas que insistiam em flertar com as minha bochechas, o abraço sofrido dos braços nos joelhos trêmulos de quem encara o castigo sem saber o que fez primeiro. Tão inevitável quanto olhar um negro sozinho, pouco abaixo de mim, na quina de uma pedra escondida pela mata devastada, chorando sobre sua pasta de subempregado de grande corporação, enquanto o Salvador dos necessitados lhe dá as costas e o fim do sol o recebe pela porta dos fundos, inclinando-se humildemente sobre a chuva que se forma da tristeza de um dia melancólico e portanto incompreensível na cidade onde os risos se comparam à vontade de comer, mas nada pode fazer o sol a não ser oferecer uma idéia vaga de vida velha a um povo enterrado em questões desconhecidas, povo que vaga com os pescoços rijos e vincados, a testa suada em ladeiras íngremes para cima e para baixo, povo que dorme de olhos abertos por dentro dos seus uniformes de fábrica, povo que vende solidão para colher paz, mas acaba com um ramo de palavras repetitivas esmagadas pela força da chuva nos barracões de madeira compensada, as mãos vazias viradas para cima no mesmo suplício que o sol, apesar de toda sua exuberância naquele final de tarde melancólico, não pode atender porque lá vem a lua, porto de poetas bêbados, morada dos piores conselhos de amor, cobrar seu espaço no meio da destruição.

Mas o povo a quem vejo o Salvador dar as costas, apesar de tudo, não pode parar de andar, gente receosa demais para parar, porque não tem mais nome que explique a sensação mais simples e aterradora de pertencimento ao buraco de causas prometidas (perdidas) e nunca antes encontradas, que fazem medo sem motivo e nos permitem ver o que se apresentou como tarde demais para esquecer da noite que vem sorrateiramente nos lembrar que sobre as pedras do mar existe algo tão hesitante quanto aquilo que não sabemos explicar, como a súbita melancolia que me abateu naquele dia e me fez parar aos pés do mármore feito de Cristo com as mãos abertas, igualmente injuriado com a resignação repetitiva do mar naquela tarde oca de terça-feira, sua serena submissão, meu peito tão longe do cérebro, como acontece nos dias em que se ama e se perdoa de graça, como acontece quando procuramos olhos, como acontece com os movimentos involuntários que me levaram até meu cúmplice azul e me deixaram pensando no que passava pela cabeça decapitada pelos botões da camisa do negro pobre mas arrumado – desconfortável dentro da roupa que não era sua e da história que sem sua consulta lhe foi imposta como sina – que chorava por cima da pasta de plástico como se cobrasse alguma dívida do sol, que apenas se afastava, igualmente abatido, e sádico.

E eu estava tão perdido na fixação do meu pensamento decodificado em fragmentos de pequenas mentiras nas quais acredito para levantar da cama de manhã, que nem reparei como o sol também tinha seus motivos para melancolia, conseqüência irrefutável do rastro obrigatório que ele deve ao mar, ambíguo bêbado aprisionado em poesias e pedras. E vi então que todos naquele mirante ansiavam por mais tempo e menos sentido. Todos se orientavam pelo mar porque o erro da tentação de se ver refletido no infinito, ao mesmo tempo que mata, supera a vontade de cobrar explicações de bocas miúdas cheias de silêncios ruidosos e ruídos implícitos em mágoas sem motivo, pequenos enganos que, acumulados, se tornam culpa que, não assumida, se torna ódio.
Assim como eu e talvez o negro e as mãos geladas do final do amor de dois namorados e o sol e a lua atrasada com seu sorriso sarcástico de meia face e o limo das pedras ao encontro das ondas selvagens, tão aflitas e repetitivas quanto os homens, todos estavam aprisionados dentro do desejo irrealizável de apertar a lâmina da vida com o próprio sangue e ser a própria vida sem ter que passar por ela, todos presos na distância infinita que enterra os desejos dos mortos no fundo do mar todos os dias, quando chega a noite e ninguém sabe explicar por quê.