25.12.21

"poema de natal para joão gilberto"

 

falavas devagarinho

com o leão na boca.

o mais importante

sempre foi o comer

do que dar abraço,

do que morrer feliz.

 

dizem que crianças

fechavam cigarros

verdes enquanto tu

criavas as inéditas

canções de ninar

que tanto crianças

como adultos ruins

usam para acordar.

 

vi por cada ângulo

teu cabelo rarear

com o ritmo firme

da batida do dedo

na corda do baião.

 

refeições telefônicas

sobre afetos gripados

cumulam em orgias

nos matagais da fé.

 

o cão danado da voz

sobre o couro perfeito

desabona o consenso

do que origina o som.

 

fora o que não diz,

mas retorce a tripa

no som da entranha

e vibra sem mantra

no dedo de relógio,

altura divina: chão.

 

réquiem formalista

da canção de rádio

na corcunda frágil

que sustenta frases

sopradas de longe

na bonança suave

machucada de luz.

 

salve o que nasce,

salve o que morre.

na calma do passo,

no cume da sorte.

 

 

 

4.12.21

"um exagero bonito"


fiquei sabendo

que o Rasputin

tomava arsênico

no café da manhã

para fortalecer

sua tolerância.

 

eu de minha parte

camuflei Dionísio

debaixo do braço

porque não posso

mais me intoxicar.

 

sinto ganas súbitas

de me lançar feito

uma tocha humana,

pisar o buraco ruim

de nossas coalisões.

 

trago no meu peito

um ritual selvagem

de amizade e horror

pelas horas secretas

de uma paixão triste.

 

no interior do sonho,

diante da montanha,

só luz, tudo se deita,

o segredo adormece.

 

um exagero bonito

eu gostaria de ser.

explodir em cores,

devassar os corpos

com a sutil dúvida

de um dia perfeito.