31.12.14

"boas viradas"



já é manhã na madrugada dos poros,
refletimos sobre a morte e decolamos.
botos assassinos fazem piruetas no ar
e as caixas de luz explodem nas ruas.
estamos à beira de novas ansiedades
por mais, por menos, por saber medir
o peso que a casca acresce ao âmago.
sem ser estátua nas velas do destino
ventamos ciscos nos olhos da prova.
o boato das entranhas incita os anos,
à margem da cor há botos assassinos.
mas há também um esplendor doente,
forte de estar incerto sobre a margem,
que pacienta o fôlego, range os dentes,
que brinda e calcula a altura da espera.

"ó misericordiosa"


misericórdia repentina meus olhos cegos,
frutas de uma estação entre folhas secas,
rompe-se aqui a placenta dos espasmos;
colhem-se pequenas raízes nas calçadas.

vultos flácidos o que acompanha o transe
em milésimos de à beira de más decisões.
sabes bem que o espírito não usa pompa,
o amor é essa palavra preciosa dos vultos;
eles acordam enquanto durmo dez horas.

gasto como fausto e falo como esquilo,
sempre levando alguma coisa até a boca.
esperar cair os dentes da nova primavera
durante o farto banquete dos enfileirados.

pensar palavras duras que possam definir
as noites bem dormidas nesse outro lado
do que começa como sequência diminuta
de algo que sobra às bocas sem gengivas
para amaciar o sal da doença introjetada.

não digo mais no espelho diga meu nome,
acumulo suburbanas tarefas em oito horas.
relaxo diante de uma cruz diante de onde
relaxados mecânicos apostam e se batem;
não se dignam a de uma vez erguer a cruz.

somos todos de deus em minha loucura
de infância com chocolates no armário.
sinto sim que me afastas com teus cílios,
que danças diante do meu podre marfim.
cantar e chorar a vértebra do resquício,
dar nó à corda com que se marca o fim.