16.1.18

“padre paolo”





houve muita controvérsia
quando acharam teu corpo,
um césar da noite romana,
na zona da mata eles viram
teus bolsos cheios de areia,
um pedaço de carne torcido
mas há muitas controvérsias,
dizem uns poucos incrédulos
como eu – já outros dizem
veja! é aquilo um coração?
ter abandonado os dois lados
não te deixou opção se não,
velhíssimo, forçar tua vida,
apontar a síncope do útero,
buscar na penumbra do sexo
a bestialidade do retorno,
ultrajante suspensão do tempo
de um mundo que usa fraldas
e lambe o cano de uma arma.
mas há sempre controvérsias
em morrer no dia dos mortos,
em dizer vamos dar uma volta?
te dou um presente se você vier.
antes vimos quando você pôs
eros numa cruz gritando marx:
paga-se caro por ser insistente.
você pediu amor com um bastão
e só ganhou esse pavor imenso.
mas há mil controvérsias,
só o que temos é um corpo
espancado, ensanguentado
e um coração que explodiu.

13.1.18

“pelas costelas quebradas”


TODOS CHORAM AO MESMO TEMPO NO BRONZE DA TIRANIA
(Roberto Piva)

outrora habitou palácios de morfina
onde havia filas de pobres coitados
que rompiam chances com coragem.

com barriga inchada caiu o veneno
e nas madrugadas de roleta russa
ribombaram as janelas do pânico.

foi sorte ter rasgado os membros
quando engordou de afeto
nas muralhas do riso comum.

agora colhe madeira fina
e periga um proprietário
vir tomar o que nem serve.

já passa da uma, apenas água
e a projeção desesperada
de alguma grave reposição.

sem fadas dorme como um martelo
cozinha berinjelas com alho e cebola
maneja a vida nova com leme curto.

de modo obsessivo teve medo do chão
lambeu o chão de que teve medo
foi pomba aleijada que verso não salva.

ainda assim fica a faísca de uma roda
alguns bons camaradas reptilianos –
a promessa de uma jornada ao frio.

outrora patinou pelas ruas com mil quilos
                                 todo peso do mundo
                           na explosão de uma pena.

com seqüelas inevitáveis busca nas lacunas
reaprender o que de essencial carrega
essa vontade ancestral de espatifar-se.

         talvez porque apenas pode ver o que se quebra
um lindo pássaro que pulsa diante da janela fechada
                 – a felicidade sempre se apresentou assim.