29.4.11

"não temos Paul Valéry"

são mil elefantes sobre a corda no pescoço.
é arrancar fora os elefantes, queimar a corda,
recolher com carinho a réstia do abatimento.
nada se resolve, não sabemos o que é certo,
não temos Paul Valéry, não tingimos o bigode.
adeptos do quem-pode-pode-quem-não-pode-
se-sacode, temos dor e não temos lágrimas,
temos sono, olhos vermelhos, veias abertas,
enxugamos o marinho, nossa poesia chove.

15.4.11

"existe um homem bêbado, desesperado"

o quanto me ajuda aquilo que me mata,
ilumina a cabeça e rareia
o bolso paterno de mim,
aquele que foi morto, aos prantos
em uma novela de Raymond Chandler,
com um pouco de ajuda desencapo,
acredito em qualquer um,
como no primeiro Balzac.

saber que me mata aquilo que me ajuda
é como saber que enxergo,
mas não gosto do que vejo.

saber que já foram resolvidos os anseios
– não há mais tempo para isso agora –
pelos 127 heterônimos de Fernando Pessoa
resolve a vida do Pessoa, mas e a minha vida?
justo eu, que não tenho heterônimo nenhum,
que sou um só e sou mil e sou um trapo,
sei que aquilo que nos mata nos ajuda,
ilumina as chagas, faz da ferida pintura,
faz em palavras as babas por entre lábios.

mas o que direi a mim mesmo no silêncio
em que só os amantes podem mentir?
como pedirei ajuda na hora em que a morte
roçar finalmente a infância dos meus cílios?

3.4.11

"primeiro para marina"




este é o primeiro para ti, coisa minúscula,
porque agora estás longe – e é domingo,
e no domingo almoçávamos e tentávamos,
depois de um pouco do choro pelo ultraje
do abandono semanal, comunicar algo de um
para o outro, com nossos famigerados trejeitos.

mas não te preocupes, pequena, que agora tudo
pareça insuficiente de sentidos, afinal és pequena
demais, mas não te preocupes, mesmo aos trinta
continuarás pequena para tais questões, e é só
por ti que eu jamais aceitarei novamente alguém
que diga “morreu o último romântico”: eu estarei
vivo e por mim tu viverás por mais cem anos.

enquanto isso, pequena, enquanto agora desbravas
novas terras onde não colherás provavelmente muito,
enquanto isso, haverá algo de poucos gestos, mínimo,
mas que já sabe acenar adeus e sorrir sem dentes firmes,
algo minúsculo, que é como tudo que nos mantêm vivos,
porque nos vemos e não sabemos de nada, mas sabemos
que somos pedaço do mesmo pedaço, mas não comemos.

1.4.11

"momento aprenda com quem sabe"

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer. (Graciliano Ramos)