28.2.20

"pequena hora"


apenas na pequena hora quando o futuro
diz “não tenho como saber” e me encontro
completamente sozinho e sinto vindo do cu
até o berço da espinha ou nuca que coloquei
muitas vezes desprotegida diante de animais ruins
e que pensam e sentem e estão também a sós como eu
que não sou ruim mas funciono de forma a desapontar-me
toda vez menos na pequena hora um instante fugidio
em que preciso fechar os olhos mesmo que esteja vendo
algo bonito e pensar sim eu também posso fazer algo
que salve a vida porque eu sigo em farrapos mas
construo minha grande arte coisa absurda.

mas somos muitos que ainda
perdemos tempo e estamos por aqui
flutuando vez por outra um morre
e de certa forma sabemos abrir
nossas gavetas e criar pergaminhos
confusos para voltar a patinar
alguns com idílio outros com presas na garganta
mas sabemos a ordem do caos
colocamos nossas pedrinhas na uretra de deus.

e vazamos eretos sempre no plural
porque tenho medo do momento singular
pequeno instante em que a pequena força
que me sustenta nos abandonar finalmente
então vestiremos as luvas no centro
de uma paixão abdominal de que sou raro
hospedário mas atrás de  mim há larvas
para crescerem junto à crença pré-histórica
da pequena hora como um sacrifício de fogo
em prol da humanização do que surgirá ainda
como um milagre e agora foge enquanto grita
“eu persigo” – na direção de uma floresta densa.