28.10.12

“quinta de mahler - finale”


Para Luiz Cervasio

não seremos inteligentes, eis a dádiva.
a tentativa da inteligência nos matou em dez segundos.
diremos ao deitar, no ouvido da pessoa amada:
“essa é a coisa mais importante que já me aconteceu”.
e isso será sempre sem inteligência.
aceitaremos as relíquias de uma Atlântida nevada,
e isso também será sem inteligência.
o que queremos é a rosa na boca do trompete.
a inteligência quer uma história, um contorno,
mas sabe-se o quão redonda pode ser a imprecisão.
basta olhar um monte de pó que flutua no chão do teu quarto,
e verás que a beleza não tem nada a ver com a inteligência,
e não haverá inteligência alguma enfim, e acolherás o pó.

"padrinho"


com as unhas sujas de sangue outra vez,
arrasto-me para fora da cama, para a vida.
que o sol lá fora colha milhões de amores,
que a vida por dentro seja pó de tentação,
minhas unhas sujas de sangue dizem algo,
uma confirmação temporária, definitiva.

não lavarei jamais novamente as unhas,
elas ficarão assim pelo tempo usufruído.
nadaremos sem remo nesse mar turvo?
não te perguntarei mais nada, estou mudo.
lavar as mãos é para os bandidos e santos,
talvez tu não venhas a te orgulhar de mim,
mas a lembrança do que ainda geme sujo
por entre as unhas que jamais serão lavadas
é o tiro limpo de que precisamos para morrer.

e sorrirei, e acordarei para sempre sorrindo,
porque sendo possível ver o sangue de perto,
fica mais simples carregar a aresta invisível
do peso do sangue entre os que não surgem.
e não são beijos, nem dedos que vão fundo
naquilo de que dizemos “é deus”, e somos.

24.10.12

“conversando com um amigo incauto que terá um filho impreterivelmente”


- não se preocupe, mais hora, menos hora, a ficha cai.
- sim, acho que você tem razão, ainda estou confuso.
- e depois que a ficha cair, vai cair um milhão fichas.

17.10.12

“que fazer?”



ainda não existe o poema fundamental
para mulheres ainda não existe é fato
um homem que seja apto para a mulher
um poema fundamental para o povo
não existe mais pontos vírgulas poemas
fundamentais para não existe a morte
mais nos poemas apenas um controle
sorriso de filme eslavo ou a naftalina
que é como uma parenta velha russa
que sabe o dia em que você nasceu
isso é pior que as catástrofes é pior
que o apogeu de qualquer dinastia
é pior do que eu mesmo enfurecido
e é bem mais eu enfurecido que pior
somos os piores enfurecidos de todos
porque amamos nossos pais por tudo
e dedicamos a vida a ídolos anônimos.