27.7.13

"cego impulso bestial"





o que não posso imaginar,
mas imagino imaginando,
é tudo o que posso querer,
mas só quero não querendo.

é do animal que sinto falta,
do que não sabia ir e seguia
apenas sua estável cegueira.

feito da busca por segurança,
carrego o impulso e sobrevivo,
não por aquilo de que sou feito,
mas pelo cego impulso bestial
que agora desconheço em mim.

24.7.13

"desespero azul"


pela primeira vez ouvi teu nome
quando lia sobre o que sentiam
marujos no livro de Jack London
quando enfeitavam suas veias
com adornos azuis cristalizados
do frio mortal das focas, as peles
para cobrir pescoços de madames
e então começa a Ghost a zunir
a quinze nós e todos sentavam
em seus cantos e comiam ração
pensando na ilha de Circe, leões
tão calmos que não podiam ter
sido homens, eram tão educados
que os marujos relaxavam tristes
em lembranças selvagens como
eram selvagens agora os tempos,
foi quando pela primeira vez ouvi
teu nome, tua natureza ancestral
que leva os homens ao precipício
e eles pensam em colher as flores
e veem as flores na encosta final.

23.7.13

"a frente polar"


é chegada a frente polar enquanto jovens destemidos
aumentam estatísticas oficiais e algo soca para a proa
o futuro de minhas células, o frio entra pela fresta
da janela e eu já não sei, estou desfazendo a mesa
parca e olhando para os farelos no chão machucado,
ela se arruma para ir embora e não me reconhece
e me dá impressão de que logo será a Sibéria,
estamos vivos porque ainda nos assustam
as lágrimas que escorrem de nossos olhos
abertos e cansados e sem saber o que mais olhar,
estão flácidos os corpos, arrastados pelo chão
com máscaras medievais, há risadas murchas
com bocas para baixo no eterno sono da bondade,
espreme-se em meu peito a violência infligida
durante a viagem cega, nunca percebi que na força
contrária às estatísticas estaria também o engano
da supervalorização do que em mim seríamos nós,
metades arrastadas pelo chão em brasa dos últimos
acontecimentos, votos de esperança, mensagem
à magnífica acolhida cristã, pelas ruas o sangue
dos ungidos atua conforme mandam as escrituras
e eles tombam valentes por uma causa cooptada,
enquanto separo a louça e sinto um frio nas ideias,
porque agora ela se foi e era tudo o que me faltava ir.

21.7.13

"herança do meu avô"


cacilda becker
é um lugar
na serra, sabia?

imaginei que um dia
falaríamos
no assunto
pela primeira vez.

arrependi-me de ter
tocado no assunto
“suco de manga light”.

e nesse caso mil perdões
porque o que sobra aqui
é apenas o horror da falta
de “não conta para marína”.

mas agora vamos sair todos
em breve da casa e, afinal,
não falamos a mesma língua;
sabe-se lá se era da sicília,
da ilha da córsega o velho
que nasceu num navio fugitivo,
entre desesperados rumo a pelotas,
para lá serem adotados enfim,
reportando antigas cismas ao frágil
milagre dos ouvidos vindouros.

12.7.13

"por uma vida artística e cool"



agora é o fim das nossas noites áticas,
é preciso destruir um novo testamento.
enchemos de varizes as casas diárias
e pouco sobrou à comunhão do adeus.

daremos as mãos e andaremos juntos,
enfrentaremos poderes inalcançáveis
e voltaremos para casa empalidecidos
já que o novo é mais forte que a vida.

o desejo será comum a todos e todos
saberão exatamente o certo e o errado.
os ratos serão defenestrados e haverá
paz para o ofício de uma vida artística.

nada nos ocupará além de nós e tudo
o mais estará justamente aproveitado
e criaremos uma arte sublime e cool
com judas enterrado aos sete palmos.

mas judas jamais falece, ele ressurge
em nós quando nos afastamos demais
do seu cerco, ele será adido cultural
na europa, e nós seremos brasileiros.

brasileiros como nunca, com o desejo
de confortar finalmente a pátria amiga
dos fajutos que dão aulas em genebra
enquanto nós invadimos casas vazias.


5.7.13

“durante o cerco à casa do governador”
















existe um vazio no meio coletivo e quando percebo isso
é quando me odeio e se me odeio odeio o mundo
e as pessoas do mundo e por isso é lógico eu imagino que
como eu o resto das pessoas faça algo semelhante
mas ao mesmo tempo quanto mais coisas eu fico sabendo
que as pessoas fazem menos eu as vejo semelhantes a mim
e isso faz eu adorar a ideia de concluir finalmente
que sou uma espécie de anjo mau ou diabo coxo e essa besta
ou cachos dourados é triste porque espera por toda
a felicidade e se me perguntarem e por que triste vou dizer
porque falar de ti é a única forma de te ter por perto
e é claro ninguém parece impressionado com isso
porque todos já cantaram em palcos e assobiaram
com as multidões mas eu não me mexo porque sinto
com firmeza que existe um vazio no meio coletivo
e quando abro os olhos sei que minha ardência nos olhos
jamais será coletiva veja bem a ardência é a febre
no intestino e as rajadas de acontecimentos de um showbiz
anunciado pelos que matam e pelos que morrem
num acordo de corda daquelas que as crianças puxam
para ver quem é mais forte onde tudo mais escorrega
à beira-mar na cidade mais odiada linda enevoada
do mundo para fora e cada um é um absurdo em si e todos
sabemos que injetamos muito mais do que vemos
em nossas veias e eu estou aqui expurgando meus pecados
na tela branca devia tomar o hábito de fazer isso
no fim de todo dia isso é claro se todo dia terminasse
como dia – imagino que sim – a ideia é escrever mesmo
os absurdos que cercam a cabeça – sim – vamos tomar
alguma coisa na rua enfrentar os perigos da nova revolução
vamos dar as mãos a desconhecidos que – não se esqueçam –
se odeiam também num grau austero muitas vezes se olham
com o maior desprezo do mundo mas carregam isso
nos olhos e no corpo e o peso é infinito porque é na medida
de deus aquele que nos aleijou com o desejo de algo superior
a nós e além do nosso mal porque temos sósias em toda parte
e sabemos que para nós mesmos dentro de nós é quase
sempre impossível e então como haveria de ser possível
fora de nós e ainda com outras pessoas quase sempre
impossíveis em si mesmas ao nosso lado mesmo assim
que bom que ela se lembra de mim diga a ele que se tornou
um rapaz muito bonito acho que é porque nos conhecemos
há doze anos então achamos que conhecemos de fato algo
sobre nós enquanto na verdade muitas vezes o amor é nada
além de tatear a verdade no escuro – sensacional ideia –
um vampirinho pastor – pense – um pastor eu engoli todos
os impropérios ele tem uma natureza difusa isso assusta
que é um horror então paralisamos e quando paralisamos
é que o horror piora porque precisamos nos mexer já
e já nos acostumamos com a calma de deixar passar
mas um dia resolveremos isso merecemos uma alegria
você não pensa em deus de vez em quando já que falou
na alegria que não temos e na alegria de que precisamos?
penso em algo que não tem esse nome mas está por aí.



3.7.13

"seria um santo"


eu sou um escritor, eu não sou um escritor,
sem saber disso não posso nem começar,
mas sabendo disso talvez uma foto
fizesse com que eu me virasse para sempre,
e sem saber disso precisarei cavar,
sabe-se lá com que sangue entre as unhas,
para realizar o fato de que não saber é ser,
no caso de eu ser um escritor,
então se eu realmente não for um escritor,
preciso saber para poder me lançar aos braços de deus,
e que ele me leve de onde me trouxe e me ensine
com pão, pedra, água e algum cheiro bom
os meus erros cometidos quando usei
o focinho em vez da lógica, mas se por acaso
eu for mesmo um escritor, então meus problemas
serão maiores, porque movido pela estupidez
e curiosidade comuns a todo escritor,
negar-me-ia a me deixar abraçar totalmente,
estaria num constante parâmetro de fresta,
fora da consciência ao ponto da dor,
dentro de tudo apenas no momento da surpresa,
e o resto do tempo fora, a ponto de penetrar o indivisível
e no entanto cego, absolutamente dependente
e senhor da minha ruína e falta de compreensão,
porque, doutro modo, não seria escritor, seria um santo.