diante dessas coisas
que acontecem
enquanto penso que não
estão acontecendo,
ou dessas que não
acontecem enquanto penso
“incrível que isso esteja
acontecendo comigo”,
sempre chove quando saio
para a vida.
o projeto marona está à beira da implosão,
precisamos contar as
feridas e os cortes da última inundação,
calcular a peste do
contato do chorume com o sangue aberto,
mas nem bem amputamos as
partes podres
e já estamos mais uma
vez ali, sob dilúvio.
quando chove as baratas
ficam com medo,
eu tenho pavor de
baratas, talvez por isso,
sempre chove quando
saio para a vida,
saltitando porque é
preciso atiçar o corpo
para poder, assustado,
mas sem medo,
percorrer as feridas e
cortes de mais uma inundação,
apenas para ver minhas
contemporâneas, as baratas,
anos-luz mais
fortalecidas e preparadas
– as baratas desabitam –
dentro de mim
vencendo o combate
contra mim que não sou eu,
velozmente chocando-se umas com as outras
porque estão com medo,
imagino como deve ser
correr pelas ruas feito
“barata tonta”, com medo.
diferentemente de nós,
que não temos nada que nos esmague,
e sabemos disso perfeitamente
sob gigantescas solas adestradas,
mas não são mais nosso
comando, nosso medo, não são mais nós,
e penso em como deve
ser para uma espécie maior,
gulliveriana, digamos,
o que haveriam de pensar
esses seres gigantescos
ao nos olhar tão calmos
sob o dilúvio, no
entanto, terríveis em pleno sol
de novas ideias ainda
mofadas, com a faca na mão,
com a rosa entre os
dentes, com a morte no bolso,
com o choro do boicote
pálido,
sem
amor que não seja palavra,
sofrendo golpes que
produzem cancros,
correndo e se chocando uns
com os outros
e muitas vezes
atingindo algo bonito e perigoso
que não tem nome e
quando chove as pessoas chamam
vontade de – e nessas
horas em que chove
e quando as pessoas
pensam vontade de –
elas nunca se movem, mas,
entre enganos agressivos,
uns fazem sextilhas
platônicas,
outros afiam navalhas
que guardam
em velhas caixas
herdadas de homicídios genealógicos.
tem quem nade ou alimente
fios elétricos na cabeça,
eu mesmo nem sei o que
ando fazendo,
sensação de que tenho
sido empurrado para o bem,
com todos os
pensamentos terríveis cada vez mais claros,
como navalha brilhando no
oceano, essa chuva,
a implosão dos sentidos
controlados.
o amor está prestes a
vomitar, até que dorme
enquanto estamos
parados porque houve um acidente,
famílias com mil olhos,
todas se arrastam para ver o sismo,
para ver o sangue, mas
ninguém ali suportaria algo assim.
de todo modo, o amor
pede tua mão, está prestes a vomitar,
mas é uma força
irreconhecível que te aproxima hoje do bem.
diante dessas coisas, o
amor pedindo socorro, belchior foragido,
o nariz de prata de angenor reluz
na vala comum –
as baratas de repente se acalmam,
há valsa nas crateras.