31.12.16

"cabaço"


ainda falo veementemente
sobre a perda do meu cabaço,
capa frágil que me protegia
da inevitável humanidade.

sem crânio volto ao gólgota,
com o esqueleto aposentado.
a montanha-russa dos dados
já não faz o mesmo sentido;
já não faz o mesmo sentido
falar sobre isso agora.

eu não inventarei
um novo sentido.

entrei calado num país manco,
me diverti aos prantos
com o fato de não ter criado
nada com que se ganha algo.

corre as gavetas o azeite único
do último navio que se afasta,
migrando no tronco firme
de uma longa dinastia anã.

não ganho, nunca perdido,
me envolvi com certo fogo,
certo charme de incêndio.

na minha opinião recolho,
dos repolhos que, feios, são
sempre muito nutritivos.

então eu reponho a face
no lugar da metade sobrante
porque ainda estou aqui,
nos meus anos oitenta,
nascido charrua natural
na lembrança da membrana
violada que rompe o crânio.

mas ainda não sou eu aqui,
este ainda não é o meu país.
é apenas mais um cabaço
possesso gritando em vão,
anões distantes, sujo rastro
na magenta de um vulcão.

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