13.11.16

"sempre chove quando saio para a vida"


diante dessas coisas que acontecem
enquanto penso que não estão acontecendo,
ou dessas que não acontecem enquanto penso
“incrível que isso esteja acontecendo comigo”,
sempre chove quando saio para a vida.

o projeto marona está à beira da implosão,
precisamos contar as feridas e os cortes da última inundação,
calcular a peste do contato do chorume com o sangue aberto,
mas nem bem amputamos as partes podres
e já estamos mais uma vez ali, sob dilúvio.

quando chove as baratas ficam com medo,
eu tenho pavor de baratas, talvez por isso,
sempre chove quando saio para a vida,
saltitando porque é preciso atiçar o corpo
para poder, assustado, mas sem medo,
percorrer as feridas e cortes de mais uma inundação,
apenas para ver minhas contemporâneas, as baratas,
anos-luz mais fortalecidas e preparadas
– as baratas desabitam – dentro de mim

vencendo o combate contra mim que não sou eu,
velozmente chocando-se umas com as outras
porque estão com medo, imagino como deve ser
correr pelas ruas feito “barata tonta”, com medo.

diferentemente de nós, que não temos nada que nos esmague,
e sabemos disso perfeitamente sob gigantescas solas adestradas,
mas não são mais nosso comando, nosso medo, não são mais nós,

e penso em como deve ser para uma espécie maior,
gulliveriana, digamos, o que haveriam de pensar
esses seres gigantescos ao nos olhar tão calmos
sob o dilúvio, no entanto, terríveis em pleno sol
de novas ideias ainda mofadas, com a faca na mão,
com a rosa entre os dentes, com a morte no bolso,

com o choro do boicote pálido,
                  sem amor que não seja palavra,
                                   sofrendo golpes que produzem cancros,

correndo e se chocando uns com os outros
e muitas vezes atingindo algo bonito e perigoso
que não tem nome e quando chove as pessoas chamam
vontade de – e nessas horas em que chove
e quando as pessoas pensam vontade de –
elas nunca se movem, mas, entre enganos agressivos,
uns fazem sextilhas platônicas,
outros afiam navalhas que guardam
em velhas caixas herdadas de homicídios genealógicos.

tem quem nade ou alimente fios elétricos na cabeça,
eu mesmo nem sei o que ando fazendo,
sensação de que tenho sido empurrado para o bem,
com todos os pensamentos terríveis cada vez mais claros,
como navalha brilhando no oceano, essa chuva,
a implosão dos sentidos controlados.

o amor está prestes a vomitar, até que dorme
enquanto estamos parados porque houve um acidente,
famílias com mil olhos, todas se arrastam para ver o sismo,
para ver o sangue, mas ninguém ali suportaria algo assim.

de todo modo, o amor pede tua mão, está prestes a vomitar,
mas é uma força irreconhecível que te aproxima hoje do bem.

diante dessas coisas, o amor pedindo socorro, belchior foragido,
              o nariz de prata de angenor reluz na vala comum –
              as baratas de repente se acalmam, há valsa nas crateras.

Um comentário:

Unknown disse...

As baratas me lembram coisas baratas, banais como a fome.
A fome de quem sabe que o vento nada mais é do que a navalha.
Vivendo uma vida infalível de infinitas falhas minhas
E os cortes que como filme me ensinam a chorar sem soluço.
As baratas que correm tontas todo o dia e desviam
De pés humanos revestidos por sapatos, talvez irmãos
Das próprias baratas, pois tontos se diminuem em próprios nomes.
A verdade por nossas mãos se tornou absoluta, absoluto talvez seja
O sentido de perfeito que sempre sintetizamos e com, nosso senso
De perfeição criamos algo imperfeito.
Se por um lado as baratas são perfeitos parasitas,
Muitos compram bebidas baratas para se afogar na própria vida
Ou quem sabe a morte seja mesmo uma dádiva da vida.
Porque baratas são seres pequenos e catastróficos,
Seriam os humanos, como na filosofia, iguais por serem opostos?
Assim, talvez seja o maior escuro um dia claro, e pernoites assimilem
Com dias seguidos de ventos e poesias.
Uma noite sem luar, com o frio e o cobertor, procuramos a nós mesmos,
Também procuramos assim como as baratas o calor.
Porque pequenos e grandes como opostos são iguais, mas as baratas
São para nós os monstros e, como masoquismo de movimento
Nós criamos paras baratas condição. Mas se, talvez ainda que seja
O nosso desejo ser uma barata, como por espasmo do medo,
Nosso orgulho não nos permite ter olhos frios e secos.
Nossas antenas invisíveis sempre antenadas em funções midiáticas
E as baratas com suas antenas vivem só a vida a esmo.
Nosso mundo é sempre mais do mesmo e pela economia a guerra continua.
Com a guerra, ainda que tentemos fugir e indiretamente apoiamos,
Criamos mais baratas que nos amedrontam todo o dia.