eu grito
plumas
de ilhas
náufragas
onde penas
agitadas
em mastros
cômicos
hibernam
cômodos
de onde
apenas
almofadas
prateadas
sintéticas
não podem
emplumar
solfejos
sincrônicos.
30.9.06
28.9.06
“Avenida Farrapos, 146: cabelos na cintura”
eu te amo muito mas
o amor é uma palavra
e não um sentimento.
então sinto muito mas
o amor que não palavra
vai sempre com o vento
quando se quer muito mas
o crime suspenso em dó maior,
situação tragicomisuicida
numa única estação inerte,
perdura apenas enquanto cílio.
eu te amo muito mas
o amor de olfato de fato
jamais deveria ser dito.
pecado enterrar de quatro
as letras que não cabem
sobre a maquiagem pesada
chamada vida – ou Sílvia.
o amor é uma palavra
e não um sentimento.
então sinto muito mas
o amor que não palavra
vai sempre com o vento
quando se quer muito mas
o crime suspenso em dó maior,
situação tragicomisuicida
numa única estação inerte,
perdura apenas enquanto cílio.
eu te amo muito mas
o amor de olfato de fato
jamais deveria ser dito.
pecado enterrar de quatro
as letras que não cabem
sobre a maquiagem pesada
chamada vida – ou Sílvia.
27.9.06
"Parque da Redenção"
chão de poeira no caminho, como a cabeça decepada que permanece sobre o pescoço.
brigadianos confundem autoridade com vontade de pastar,
capacetes e calças justas sensualmente adaptadas sobre o cavalo de músculos sexuais.
uma cancha de bocha de onde se podem ouvir as mesmas frases do dia-a-dia,
só que mais altas e verdadeiras.
manchas de vinho na camiseta azul-ingênua, marinha mareada.
pequenos pássaros de peito amarelo, frutas silvestres em suas bocas
– pena não serem a minha.
um casal composto por uma menina magra
hesitante em passos de joelhos juntos,
doença disfuncional,
e um menino com a algibeira do Colégio Militar,
logo à frente – boina da cor do vinho respingado –
que tenta lhe arrancar um beijo à força.
sol, dentadas na grama e a relutância da civilização greco-romana por todo canto.
rapazes sensíveis,
que não aprenderam muito bem o que fazer com os próprios órgãos saltitantes,
espreitam e observam a sorte ir embora
– copas de árvores servem de testemunha.
preservativos usados na clareira das plantas ornamentais favorecem a civilização
– segundo Pessoa, uma falácia –
cheios de gente morta tão parecida com o que há fora, no parque, mas movendo-se.
velhos de toda a sorte lendo romances policiais e sonhando com mocinhas
– que nem mesmo Raymond Chandler.
duplas e trios de meninas sob protetores solares
e camisetas rasgadas por afeição
– calças apertadas pela falta de pai –
todas novas demais para admitir.
os cães são os únicos que podem ser encarados com os olhos,
e também os únicos liberais, como disse Rimbaud a Verlaine.
sinfonia arrítmica constante,
conversa na qual não é permitida minha participação.
um homem descamisado molhado de sol adestra um cão collie com um graveto
enquanto uma mulher não tão nova mas não grega observa discretamente a ação
sentada sob o busto de Santos Dumont.
uma babel de mosquitos pronuncia chuva próxima.
brigadianos outra vez, mas dessa vez mal-encarados
– mais uma vez eu me escondia –
sendo assim totalmente destoantes
sobrevoavam motos e faziam o rasante
como máquinas estúpidas sem botão.
um chafariz desativado chama a atenção dos pombos desatentos.
uma ponte barroca com câncer de pele falha no cartão postal.
cisnes de fibra de vidro no lago artificial onde seres vivos recolhem lentes impróprias.
orquídeas dormentes e solitárias
– como a moça que vende cachorro-quente –
enciúmam gatos pardos de tantos filhotes de esquerda.
árvores secas como nervos cerebrais intoxicados.
uma tempestade repentina de pó cobre
a poeira das cabeças do tempo de cobre.
uma senhora sorri sem dentes
– embaixo dela há pano e dor –
e vende poemas feitos na hora
que não tenho à hora para pagar por.
uma placa no chão onde se lê abaixo da ferrugem:
“recanto europeu”.
um grupo misto de umas 15 crianças burguesas
– tocando flautas doces com suas lancheiras –
acompanhado por duas instrutoras de pernas finas e hímens intactos
é afugentado por cinco negrinhos sem comida
que usam os dedos não para dizer amém e lhes tomam o lanche
enquanto maltratam plantas às custas de outra tendência social.
um lugar onde tudo serve de estrofe ou estribilho calado
ou talvez esta impressão seja tão somente efeito de uma solidão
colorida em muralhas de cinzas poéticas, sem vergonha da palavra.
o som do vento na bandeira nacional soa como uma reclamação
no mastro empertigado do Colégio Militar
de onde adolescentes subentendidos por restrições liberais
saem padronizados com calças rasgadas e maquiagem.
do outro lado da história
meninos com buracos no estômago
felizes mergulham nos chafarizes secos
enquanto a morte não vem...
e ali estou eu cheio de nada, saciado,
complexificado como o vento que nada possui,
sentado numa cadeira de náilon amarela,
à beira do que ruge relendo Hemingway.
brigadianos confundem autoridade com vontade de pastar,
capacetes e calças justas sensualmente adaptadas sobre o cavalo de músculos sexuais.
uma cancha de bocha de onde se podem ouvir as mesmas frases do dia-a-dia,
só que mais altas e verdadeiras.
manchas de vinho na camiseta azul-ingênua, marinha mareada.
pequenos pássaros de peito amarelo, frutas silvestres em suas bocas
– pena não serem a minha.
um casal composto por uma menina magra
hesitante em passos de joelhos juntos,
doença disfuncional,
e um menino com a algibeira do Colégio Militar,
logo à frente – boina da cor do vinho respingado –
que tenta lhe arrancar um beijo à força.
sol, dentadas na grama e a relutância da civilização greco-romana por todo canto.
rapazes sensíveis,
que não aprenderam muito bem o que fazer com os próprios órgãos saltitantes,
espreitam e observam a sorte ir embora
– copas de árvores servem de testemunha.
preservativos usados na clareira das plantas ornamentais favorecem a civilização
– segundo Pessoa, uma falácia –
cheios de gente morta tão parecida com o que há fora, no parque, mas movendo-se.
velhos de toda a sorte lendo romances policiais e sonhando com mocinhas
– que nem mesmo Raymond Chandler.
duplas e trios de meninas sob protetores solares
e camisetas rasgadas por afeição
– calças apertadas pela falta de pai –
todas novas demais para admitir.
os cães são os únicos que podem ser encarados com os olhos,
e também os únicos liberais, como disse Rimbaud a Verlaine.
sinfonia arrítmica constante,
conversa na qual não é permitida minha participação.
um homem descamisado molhado de sol adestra um cão collie com um graveto
enquanto uma mulher não tão nova mas não grega observa discretamente a ação
sentada sob o busto de Santos Dumont.
uma babel de mosquitos pronuncia chuva próxima.
brigadianos outra vez, mas dessa vez mal-encarados
– mais uma vez eu me escondia –
sendo assim totalmente destoantes
sobrevoavam motos e faziam o rasante
como máquinas estúpidas sem botão.
um chafariz desativado chama a atenção dos pombos desatentos.
uma ponte barroca com câncer de pele falha no cartão postal.
cisnes de fibra de vidro no lago artificial onde seres vivos recolhem lentes impróprias.
orquídeas dormentes e solitárias
– como a moça que vende cachorro-quente –
enciúmam gatos pardos de tantos filhotes de esquerda.
árvores secas como nervos cerebrais intoxicados.
uma tempestade repentina de pó cobre
a poeira das cabeças do tempo de cobre.
uma senhora sorri sem dentes
– embaixo dela há pano e dor –
e vende poemas feitos na hora
que não tenho à hora para pagar por.
uma placa no chão onde se lê abaixo da ferrugem:
“recanto europeu”.
um grupo misto de umas 15 crianças burguesas
– tocando flautas doces com suas lancheiras –
acompanhado por duas instrutoras de pernas finas e hímens intactos
é afugentado por cinco negrinhos sem comida
que usam os dedos não para dizer amém e lhes tomam o lanche
enquanto maltratam plantas às custas de outra tendência social.
um lugar onde tudo serve de estrofe ou estribilho calado
ou talvez esta impressão seja tão somente efeito de uma solidão
colorida em muralhas de cinzas poéticas, sem vergonha da palavra.
o som do vento na bandeira nacional soa como uma reclamação
no mastro empertigado do Colégio Militar
de onde adolescentes subentendidos por restrições liberais
saem padronizados com calças rasgadas e maquiagem.
do outro lado da história
meninos com buracos no estômago
felizes mergulham nos chafarizes secos
enquanto a morte não vem...
e ali estou eu cheio de nada, saciado,
complexificado como o vento que nada possui,
sentado numa cadeira de náilon amarela,
à beira do que ruge relendo Hemingway.
26.9.06
23.9.06
“epiléticos”
Van Gogh
e um corvo amarelo;
Napoleão
e arsênico no mercúrio;
Alexandre
e um grande amor eunuco;
Júlio César
e a amante das franjas de ouro;
Lord Byron
e um Don Juan incestuoso;
Flaubert
e a palavra justa de tão escassa;
Dostoiévski
e um parricida por existência;
Lenin
e o judeu de feições mongóis;
Machado de Assis que,
ainda por cima,
era gago.
e um corvo amarelo;
Napoleão
e arsênico no mercúrio;
Alexandre
e um grande amor eunuco;
Júlio César
e a amante das franjas de ouro;
Lord Byron
e um Don Juan incestuoso;
Flaubert
e a palavra justa de tão escassa;
Dostoiévski
e um parricida por existência;
Lenin
e o judeu de feições mongóis;
Machado de Assis que,
ainda por cima,
era gago.
"Plantação de Cenouras"
Talvez fosse um poeta voltando a pé para casa, passando pela cidade baixa, cogitando entrar num cinema de freqüência quase exclusivamente homossexual, talvez porque lhe atraísse o muro de tijolos, talvez porque estivesse perto de enlouquecer, afinal, fora o cinema heterodoxo, o filme era de Pedro Almodóvar.
Em sendo um poeta libertino, havia gastado a tarde enterrado numa poltrona vitoriana empoeirada, no fundo de um sebo, forjando a cigarrilha e lendo uma antologia de Bertolt Brecht aos soluços. A princípio se sentiu o maioral por isso – olhos espremidos e mão no queixo, suando cálices fictícios de absinto – mas logo depois se sentiu como um comedor de estrume, porque Brecht era tão atual e corajoso e comprometido com o mundo a sua volta... E o que talvez fosse um poeta voltando a pé para casa talvez não fosse mais um poeta. Enfraquecido pela própria peste, deslizou por sua sombra entre traças e pensou em que momento poderia ter se equivocado tão irreversivelmente. Mas não conseguiu chegar a nenhuma conclusão quanto a isso.
Ao sair da livraria, depois de horas procurando um começo para o texto que tinha na cabeça, envergonhado por não ter como comprar o que gostaria, agradeceu ao vendedor de tênis vermelho surrado, camisa dos Beatles, costeletas e voz fina, que lhe disse: “Não por isso”.
Aquilo esclarecia a situação: não havia nada de seu que o poeta ainda pudesse ter.
Fazia calor finalmente em Porto Alegre. Depois de quase dois meses de perambulação desordenada por dentro dos seus próprios botões: os cascos já meio gastos não sabiam diferenciar norte de sul. Mas, resquício de bom-senso, o poeta resolveu abortar a idéia de assistir ao filme e reparou que havia um boteco logo ali ao lado do cinema. Um daqueles que ficam por trás de grades enferrujadas e rostos coalhados pelo esquecimento.
Então ele entrou e sentou olhando insistentemente para os lados. Nenhum motivo especial para isso, apenas marcando território.
O ambiente do bar era desolador, foi o que mais lhe atraiu. Era o tipo de lugar que parece te olhar, depois de se queimar com o café, e pedir: “por favor, estimado senhor, sei que não sou muito, mas o lugar é ao menos bastante arejado e o preço é justo, portanto sente-se, por caridade”. Era como o próprio poeta diante das portas, sempre pedindo com vergonha.
Por identificação disse a si mesmo, olhando o reboco descolado no teto: “tudo bem, meu chapa, entendo a sua situação... o tempo não tem sido razoável como nenhum de nós e, afinal, vou te dar essa colher de chá”.
- Com licença, tu disseste alguma coisa?
E com a segunda pessoa do singular veio uma garçonete de unhas vermelhas descascadas e um pano de prato encardido sobre o ombro. Era loira. Sim, nenhuma sombra de dúvida, nenhuma gota de tinta, penugem sutil sobre os antebraços e, de resto, toda sobrancelha e cílios. Vinha com certeza da fronteira uruguaia. Era loira toda a vida, e por isso o poeta tinha vindo de tão longe: para ter sua existência redimida por uma loira assim. Uma penca de filhos com cocurutos platinados, sardas para todos os lados, mãos calosas de colher raízes, um vasto campo e o jazz libertino dos curupiras. Ela era a carne do seu sonho.
“Vamos lá, seu idiota”, disse o poeta mentalmente, “diga algo inteligente, mostre a ela o seu potencial, tire da mochila as cartas a um jovem poeta, de Rilke, chame a atenção dela com algum sotaque inesperado, não pigarreie, pelo amor de deus não gagueje, dê a ela aquele sorriso premeditado de meia-boca, faça como Philip Marlowe, mas se mexa logo!”
- Não, nada – foi o que ele disse.
- Mas tu não queres nada? Nada de beber, nada de comer?
- Ah, sim... é claro... que cabeça... o calor... quente demais hoje, não?
Ela apenas ficou olhando: olhos dardos de fogo, cílios ponteiros de relógio.
- Claro, desculpe – ele disse. – Uma cerveja então, por gentileza.
Ela virou as costas com um sorrisinho na boca de como quem pensa: mais um belo imbecil.
Não havia como culpá-la. Com um mês e meio na cidade ele pouco falava, e era como se tivesse desaprendido os mais simples movimentos do convívio social. Estava sentado numa mesa dessas de beira de piscina, com cadeiras vermelhas de plástico duro e marcas de cigarro. Ao seu lado esquerdo havia um sujeito muito magro com os cabelos desgrenhados na altura das orelhas muito amplas, pescoço como o de um jabuti e um aspecto enlouquecido. Quatro garrafas de cerveja vazias e uma a caminho sobre a mesa. Ria sozinho e falava consigo mesmo coisas sem sentido, como: “esta é uma canção portuguesa: A Sedução da Boneca de Pano”. Mexia sem parar as pernas, a cabeça de um lado para o outro, como se um esquilo tivesse entrado em suas calças. “Pobre homem”, pensou o poeta, “provavelmente abandonado por uma vigarista ordinária a quem deu uma aliança e um bicho de pelúcia, e ela o largou sozinho, só com uma muda de roupas, e se mandou para sempre com um caminhoneiro de unhas sujas. Acontece aos montes, todos os dias. Pobre homem, como tantos homens, como todos os dias, aos montes, todos mudos, pois ninguém agüenta enxugar sua melancolia, porque é a melancolia de todo o mundo”.
A cerveja chegou sem que o poeta pudesse olhar para o rosto da menina loira – mas reparou que tinha aparelho nos dentes pelo reflexo do sol poente na prata – e essa aparente discrição até pode tê-la agradado, mas a ele agoniava profundamente. Ela deu meia-volta e ele ficou estatelado na cadeira. Os solados emborrachados das sapatilhas dela provocavam gritos de terror no chão envernizado. O poeta então olhou o reflexo do seu próprio rosto na garrafa de vidro marrom: também tinha o aspecto enlouquecido de um sujeito abandonado. Bebeu o primeiro copo mais rápido que de costume e então começou a chorar sem chamar atenção.
Do outro lado, quase colado ao poeta, havia um casal de meninas, uma gorda de camisa larga e outra magra de membros graúdos, cabelos postiços esticados, roupas sugestivas, do tipo que você não confiaria nem mesmo a chave da sua própria prisão. Junto a elas estava um rapaz de corpo avantajado mas arruinado, sobrancelha rasgada, que parecia sofrer de alguma negligência cromossômica, pois não conseguia em hipótese alguma fechar a boca. Eles falavam sem parar sobre a inutilidade de seus empregos num banco e numa loja de rações – o poeta não soube distinguir quem trabalhava onde. Ao mesmo tempo planejavam um lugar onde beber assim que saíssem dali.
Pouco atrás do louco abandonado pela vigarista, que partia para sua sexta garrafa em auto-afirmação psicótica, havia um sujeitinho miúdo de nariz desmedido, como uma caricatura assinada por um bêbado sem talento algum para o pincel. Camisa de botão bem frouxa e tênis esfolado, na terceira garrafa. Bebia sozinho e lia o jornal, alheio a tudo. Parecia preparado para a luta, porque não dava a mínima, e isso é estar preparado. Depois largou o jornal e abriu um livro velho, meio úmido e amarelado, e começou a ler. O cheiro que o livro trouxe entranhado em suas páginas era detestável, de causar náuseas, mas náuseas iam bem com clima do momento. Lima Barreto, Alvarez de Azevedo, Fagundes Varela... não havia como saber ao certo. Que sujeito! Então se virou para a garçonete loira e pediu uma cerveja: completamente gago, babava sobre as palavras na mesa, olho de vidro. Mas, de uma maneira ou de outra, era bom estar ali.
O poeta então resolveu gastar todo o seu dinheiro em bebida, depois de perceber que Lili Marlene, famosa cantora alemã que trazia as cervejas enquanto datilografava o chão e usava aparelho dentário, tinha mais duas irmãs como ela, só que menores, numa escala geométrica.
A menor era a única aparentemente não conformada com os semblantes de toda a sorte de vagabundos e regionalistas que paravam para tomar um trago e saíam como quem não havia entrado. Ela olhava para o poeta com um misto de frieza e curiosidade: lábios leporinos, dentes pontiagudos castigavam a tampa da esferográfica.
A outra, como acontece com freqüência em famílias de muitos irmãos, havia saído errada. Tinha as mesmas características físicas das irmãs, mas todas exageradas nos lugares errados. Não falava muito, concordâncias monossilábicas, mas o poeta reparou quando ela disse à irmã mais velha que lhe doíam as glândulas no pescoço.
Depois da quinta cerveja o poeta perdeu um pouco o senso do ridículo e segurou a mão da cantora alemã da segunda guerra mundial: a mais velha delas. A mão era fria como o orgasmo quando ultrapassa a nuca. Ela olhou para ele. Não parecia assustada.
- Mas uma ceva? – perguntou mecanicamente.
- Você gosta de poesia? – ele disse, obviamente sem raciocinar.
Ela riu para um lado, riu para o outro, depois parou de rir e olhou para ele outra vez.
- Talvez eu goste de poemas – ela disse – mas não gosto de poetas – então voltou a rir, tirou a mão de baixo da dele e parou de rir em seguida.
- Mas são os poetas que fazem as poesias – ele disse.
Imaginou que aquilo pudesse ser uma espécie de jogo de esconder.
- Tudo bem, você é poeta?
- E dos grandes.
- Então escreva um poema.
- Não é assim...
- Não é assim o quê?
- Que se faz um poema... Nada a ver com obrigação.
Um sujeito que parecia ser o pai das três irmãs loiras apareceu de repente com uma cerveja nova e, com os olhos, fez a menina correr para trás do balcão.
- Mais alguma coisa ou vais pagar a conta? – ele disse.
- Vou beber primeiro, depois pago a conta – disse o poeta.
O homem velho parecia um lençol flutuante, se virou e foi embora.
“Fui desmoralizado injustamente”, pensou o poeta, e permaneceu imóvel na cadeira com braços de triângulo. É claro que aquela conversa de “sou poeta” tinha ido longe demais. Mas Porto Alegre também era longe demais. Tirou um caderno da mochila, lambeu a ponta do lápis e começou a rabiscar uma Ode à Lavradora Alemã:
Em sendo um poeta libertino, havia gastado a tarde enterrado numa poltrona vitoriana empoeirada, no fundo de um sebo, forjando a cigarrilha e lendo uma antologia de Bertolt Brecht aos soluços. A princípio se sentiu o maioral por isso – olhos espremidos e mão no queixo, suando cálices fictícios de absinto – mas logo depois se sentiu como um comedor de estrume, porque Brecht era tão atual e corajoso e comprometido com o mundo a sua volta... E o que talvez fosse um poeta voltando a pé para casa talvez não fosse mais um poeta. Enfraquecido pela própria peste, deslizou por sua sombra entre traças e pensou em que momento poderia ter se equivocado tão irreversivelmente. Mas não conseguiu chegar a nenhuma conclusão quanto a isso.
Ao sair da livraria, depois de horas procurando um começo para o texto que tinha na cabeça, envergonhado por não ter como comprar o que gostaria, agradeceu ao vendedor de tênis vermelho surrado, camisa dos Beatles, costeletas e voz fina, que lhe disse: “Não por isso”.
Aquilo esclarecia a situação: não havia nada de seu que o poeta ainda pudesse ter.
Fazia calor finalmente em Porto Alegre. Depois de quase dois meses de perambulação desordenada por dentro dos seus próprios botões: os cascos já meio gastos não sabiam diferenciar norte de sul. Mas, resquício de bom-senso, o poeta resolveu abortar a idéia de assistir ao filme e reparou que havia um boteco logo ali ao lado do cinema. Um daqueles que ficam por trás de grades enferrujadas e rostos coalhados pelo esquecimento.
Então ele entrou e sentou olhando insistentemente para os lados. Nenhum motivo especial para isso, apenas marcando território.
O ambiente do bar era desolador, foi o que mais lhe atraiu. Era o tipo de lugar que parece te olhar, depois de se queimar com o café, e pedir: “por favor, estimado senhor, sei que não sou muito, mas o lugar é ao menos bastante arejado e o preço é justo, portanto sente-se, por caridade”. Era como o próprio poeta diante das portas, sempre pedindo com vergonha.
Por identificação disse a si mesmo, olhando o reboco descolado no teto: “tudo bem, meu chapa, entendo a sua situação... o tempo não tem sido razoável como nenhum de nós e, afinal, vou te dar essa colher de chá”.
- Com licença, tu disseste alguma coisa?
E com a segunda pessoa do singular veio uma garçonete de unhas vermelhas descascadas e um pano de prato encardido sobre o ombro. Era loira. Sim, nenhuma sombra de dúvida, nenhuma gota de tinta, penugem sutil sobre os antebraços e, de resto, toda sobrancelha e cílios. Vinha com certeza da fronteira uruguaia. Era loira toda a vida, e por isso o poeta tinha vindo de tão longe: para ter sua existência redimida por uma loira assim. Uma penca de filhos com cocurutos platinados, sardas para todos os lados, mãos calosas de colher raízes, um vasto campo e o jazz libertino dos curupiras. Ela era a carne do seu sonho.
“Vamos lá, seu idiota”, disse o poeta mentalmente, “diga algo inteligente, mostre a ela o seu potencial, tire da mochila as cartas a um jovem poeta, de Rilke, chame a atenção dela com algum sotaque inesperado, não pigarreie, pelo amor de deus não gagueje, dê a ela aquele sorriso premeditado de meia-boca, faça como Philip Marlowe, mas se mexa logo!”
- Não, nada – foi o que ele disse.
- Mas tu não queres nada? Nada de beber, nada de comer?
- Ah, sim... é claro... que cabeça... o calor... quente demais hoje, não?
Ela apenas ficou olhando: olhos dardos de fogo, cílios ponteiros de relógio.
- Claro, desculpe – ele disse. – Uma cerveja então, por gentileza.
Ela virou as costas com um sorrisinho na boca de como quem pensa: mais um belo imbecil.
Não havia como culpá-la. Com um mês e meio na cidade ele pouco falava, e era como se tivesse desaprendido os mais simples movimentos do convívio social. Estava sentado numa mesa dessas de beira de piscina, com cadeiras vermelhas de plástico duro e marcas de cigarro. Ao seu lado esquerdo havia um sujeito muito magro com os cabelos desgrenhados na altura das orelhas muito amplas, pescoço como o de um jabuti e um aspecto enlouquecido. Quatro garrafas de cerveja vazias e uma a caminho sobre a mesa. Ria sozinho e falava consigo mesmo coisas sem sentido, como: “esta é uma canção portuguesa: A Sedução da Boneca de Pano”. Mexia sem parar as pernas, a cabeça de um lado para o outro, como se um esquilo tivesse entrado em suas calças. “Pobre homem”, pensou o poeta, “provavelmente abandonado por uma vigarista ordinária a quem deu uma aliança e um bicho de pelúcia, e ela o largou sozinho, só com uma muda de roupas, e se mandou para sempre com um caminhoneiro de unhas sujas. Acontece aos montes, todos os dias. Pobre homem, como tantos homens, como todos os dias, aos montes, todos mudos, pois ninguém agüenta enxugar sua melancolia, porque é a melancolia de todo o mundo”.
A cerveja chegou sem que o poeta pudesse olhar para o rosto da menina loira – mas reparou que tinha aparelho nos dentes pelo reflexo do sol poente na prata – e essa aparente discrição até pode tê-la agradado, mas a ele agoniava profundamente. Ela deu meia-volta e ele ficou estatelado na cadeira. Os solados emborrachados das sapatilhas dela provocavam gritos de terror no chão envernizado. O poeta então olhou o reflexo do seu próprio rosto na garrafa de vidro marrom: também tinha o aspecto enlouquecido de um sujeito abandonado. Bebeu o primeiro copo mais rápido que de costume e então começou a chorar sem chamar atenção.
Do outro lado, quase colado ao poeta, havia um casal de meninas, uma gorda de camisa larga e outra magra de membros graúdos, cabelos postiços esticados, roupas sugestivas, do tipo que você não confiaria nem mesmo a chave da sua própria prisão. Junto a elas estava um rapaz de corpo avantajado mas arruinado, sobrancelha rasgada, que parecia sofrer de alguma negligência cromossômica, pois não conseguia em hipótese alguma fechar a boca. Eles falavam sem parar sobre a inutilidade de seus empregos num banco e numa loja de rações – o poeta não soube distinguir quem trabalhava onde. Ao mesmo tempo planejavam um lugar onde beber assim que saíssem dali.
Pouco atrás do louco abandonado pela vigarista, que partia para sua sexta garrafa em auto-afirmação psicótica, havia um sujeitinho miúdo de nariz desmedido, como uma caricatura assinada por um bêbado sem talento algum para o pincel. Camisa de botão bem frouxa e tênis esfolado, na terceira garrafa. Bebia sozinho e lia o jornal, alheio a tudo. Parecia preparado para a luta, porque não dava a mínima, e isso é estar preparado. Depois largou o jornal e abriu um livro velho, meio úmido e amarelado, e começou a ler. O cheiro que o livro trouxe entranhado em suas páginas era detestável, de causar náuseas, mas náuseas iam bem com clima do momento. Lima Barreto, Alvarez de Azevedo, Fagundes Varela... não havia como saber ao certo. Que sujeito! Então se virou para a garçonete loira e pediu uma cerveja: completamente gago, babava sobre as palavras na mesa, olho de vidro. Mas, de uma maneira ou de outra, era bom estar ali.
O poeta então resolveu gastar todo o seu dinheiro em bebida, depois de perceber que Lili Marlene, famosa cantora alemã que trazia as cervejas enquanto datilografava o chão e usava aparelho dentário, tinha mais duas irmãs como ela, só que menores, numa escala geométrica.
A menor era a única aparentemente não conformada com os semblantes de toda a sorte de vagabundos e regionalistas que paravam para tomar um trago e saíam como quem não havia entrado. Ela olhava para o poeta com um misto de frieza e curiosidade: lábios leporinos, dentes pontiagudos castigavam a tampa da esferográfica.
A outra, como acontece com freqüência em famílias de muitos irmãos, havia saído errada. Tinha as mesmas características físicas das irmãs, mas todas exageradas nos lugares errados. Não falava muito, concordâncias monossilábicas, mas o poeta reparou quando ela disse à irmã mais velha que lhe doíam as glândulas no pescoço.
Depois da quinta cerveja o poeta perdeu um pouco o senso do ridículo e segurou a mão da cantora alemã da segunda guerra mundial: a mais velha delas. A mão era fria como o orgasmo quando ultrapassa a nuca. Ela olhou para ele. Não parecia assustada.
- Mas uma ceva? – perguntou mecanicamente.
- Você gosta de poesia? – ele disse, obviamente sem raciocinar.
Ela riu para um lado, riu para o outro, depois parou de rir e olhou para ele outra vez.
- Talvez eu goste de poemas – ela disse – mas não gosto de poetas – então voltou a rir, tirou a mão de baixo da dele e parou de rir em seguida.
- Mas são os poetas que fazem as poesias – ele disse.
Imaginou que aquilo pudesse ser uma espécie de jogo de esconder.
- Tudo bem, você é poeta?
- E dos grandes.
- Então escreva um poema.
- Não é assim...
- Não é assim o quê?
- Que se faz um poema... Nada a ver com obrigação.
Um sujeito que parecia ser o pai das três irmãs loiras apareceu de repente com uma cerveja nova e, com os olhos, fez a menina correr para trás do balcão.
- Mais alguma coisa ou vais pagar a conta? – ele disse.
- Vou beber primeiro, depois pago a conta – disse o poeta.
O homem velho parecia um lençol flutuante, se virou e foi embora.
“Fui desmoralizado injustamente”, pensou o poeta, e permaneceu imóvel na cadeira com braços de triângulo. É claro que aquela conversa de “sou poeta” tinha ido longe demais. Mas Porto Alegre também era longe demais. Tirou um caderno da mochila, lambeu a ponta do lápis e começou a rabiscar uma Ode à Lavradora Alemã:
Te amo como a sola ama a pista de dança
Te amo como o violino ama uma sinfonia
Mas teus ouvidos só entendem a melodia
De coisas que as metáforas não alcançam...
A cerveja certamente lhe tinha subido à cabeça, mas era como se desde o início ele esperasse pela confirmação, ou pelo menos por um álibi satisfatório, de que poderia perder completamente o pudor.
Levantou vagarosamente, mas com firmeza, depois lembrou que deveria fazer o gestual de um grande poeta, então ajeitou a coluna e seguiu até o banheiro. No caminho encarou o provável patriarca, que tinha bigodes pontudos e havia comido miúdos pouco tempo atrás.
Ele apenas encarou o poeta de volta e lambeu um lado do bigode. As irmãs mais novas trocavam risadinhas à mesa. A mais velha, Lili Marlene, aguardava com tédio em pose de calendário o correr dos acontecimentos, escorada no balcão: pé de unhas descascadas sobre joelho da perna oposta.
Na cabine do banheiro o poeta pôde ouvir uma gaita texana enquanto separava pedras de pergaminhos na busca de palavras para um discurso infalível que lhe servisse de saída triunfal e recuperasse sua honra ofendida. De repente uma dor lancinante na barriga o enrugou diante da latrina. Iria ao médico no dia seguinte: a boca seca escamosa, consulta marcada, placas na língua. Mas no momento vivia uma espécie de duelo mítico.
Jogou uma nota de dez na mesa e disse:
- Tira os 10% da menina.
Logo depois se arrependeu: devia ter dito “moça”.
O velho olhou para ele com o rabo do olho: parecia o mago Panoramix. Apanhou o dinheiro e devolveu um real à mesa com desleixo, como se o tivesse testando. O poeta precisou então aumentar o tom de voz.
- ESCUTA AQUI...
- Não trabalhamos com gorjetas. Se quiser, entregue o senhor a ela.
Aquilo tinha sido legal, ser chamado de senhor. De modo que o poeta acenou com a cabeça e se virou para as duas meninas, que pararam imediatamente de cochichar e se viraram também. Uma delas encheu as mãos com as próprias tranças, a outra saiu correndo para o banheiro com a alegação de que seu nariz sangrava. A mais velha, não se sabe como, havia desaparecido. O poeta olhou portanto para a mais nova de todas. Sobrancelhas unidas serviam seus olhos com dissimulação sutil.
- Lá de onde eu venho as pessoas pagam 10% da refeição para quem os serve bem.
- Mas você não comeu nem mesmo um pastel.
Era um ponto de vista legítimo.
- De qualquer maneira, fique com o dinheiro.
E o poeta deixou a nota na mesa sobre os quatro versos. Saiu do bar olhando para o chão.
“Nem um pastel, nem um pastelzinho!”, pensava. “Que belo malandro, com esse papo de lá na cidade grande... Muito bom! Só não ouvi as palmas. De qualquer maneira, fique com o dinheiro... E nem mesmo foi capaz de lhe dar o dinheiro na mão! Pensou na certa ter sido tomada por uma prostituta”.
Metido numa capa pesada, tornou-se automaticamente um personagem de Gogol. Fuzilava a calçada com passos, totalmente afetado pelo álcool, como se tivesse bebido por cinco homens. Ziguezagueava pela quadra do Colégio Militar, pensando no sorriso triste que se dá a um amor que não se pode obedecer. A rua estava totalmente escura, a lua com sinusite, os carros pareciam manchas tontas, perdidos nas cores de um quadro feito com lágrimas impressionistas.
Em dado momento da marcha o poeta começou a sentir o corpo desmaiar, golfando em seguida nas próprias calças. Então um garoto de máscara negra surgiu na sua frente, outro maior atrás: vasta queimadura no pescoço.
- Te estouro a barriga! – disse o primeiro, muito baixo e com raiva.
Segurava algo escuro dentro da escuridão, e isso escurecia a compreensão da coisa toda. Mas o poeta tinha a cabeça noutro lugar. E disse, em forma de sussurro, para seu próprio coração – olhar embaçado:
- De qualquer maneira... fique com o dinheiro.
***
Sentia muito frio quando olhou seu dedão do pé. Precisava cortar as unhas. Era noite funda. Atrás da cabeça, concreto. Muito frio. Sem camisa, sem sapatos... calça? Sim. Uma mancha pastosa na barriga. Pensamento suave. Uma sensação gelatinosa de perda dos sentidos. Pensamento nuvem. Tosse para dentro. O frio leve de um suspiro. Líquidos metálicos, chafariz de garganta. Mas que lindo tom de vermelho! Uma dançarina de tango... Era noite, não havia pássaros, mas havia sinfonia. Um farol de trânsito mudando de cor, latrocínio lunar, fios de alta tensão e, em meio à tensão, minutos escorriam pelo meio-fio. Pensamento asa. Um baile, sapatos alternados numa janela, um colo, bochechas lisas, pássaros imaginários, dois dentes grandes enrolados numa gaze, cabelos negros na escova, olhos simples, uma plantação de cenouras, dedos, calos... Um sopro.
21.9.06
“Guerra dos Farrapos”
os dois meninos
de tão franzinos
que só camisas
furadas brigam
por uma lasca
de fome cansam
no meio-fio da
miséria humana
abatidos ambos
de tão famintos
no terreno amplo
da terra abatida.
de tão franzinos
que só camisas
furadas brigam
por uma lasca
de fome cansam
no meio-fio da
miséria humana
abatidos ambos
de tão famintos
no terreno amplo
da terra abatida.
19.9.06
“novos tempos”
Willie Nelson
o ídolo country
aos setenta e três anos
acaba de ser preso em flagrante
com quinhentos gramas
de maconha
e noventa e um gramas
de cogumelos alucinógenos.
no quarto ao lado
cagando no banheiro
um homem prepara uma carreira
e cheira um poema sem cheiro
que diz a mesma coisa
todo dia.
o ídolo country
aos setenta e três anos
acaba de ser preso em flagrante
com quinhentos gramas
de maconha
e noventa e um gramas
de cogumelos alucinógenos.
no quarto ao lado
cagando no banheiro
um homem prepara uma carreira
e cheira um poema sem cheiro
que diz a mesma coisa
todo dia.
“Cata-ventos sobrevoam a Rua dos Andradas”
todos reclamam
um pouco
de tudo.
inclusive
os que amam:
os loucos
de sobretudo.
um pouco
de tudo.
inclusive
os que amam:
os loucos
de sobretudo.
18.9.06
“solidão transcendida”
porque não tinha nada para dizer
– pelo menos nada que já não gritassem –
e também porque as nuvens haviam se desmanchado
num elefante branco que talvez
só eu e as nuvens escutássemos no céu
– pois os demais insistiam em enxergar –
resolvi refletir sobre qual seria
o melhor destino para um poema.
antes de tudo
descartei as obviedades,
como merece um poema
que, quando é, já foi.
portanto
nada de academia de letras,
que todo poema é preguiçoso
e não faz esforço algum.
pelo amor de deus
nada também de longos recitais,
porque um poema merece, no mínimo, descanso
e no máximo o silêncio absoluto
de sua voz estuprada.
depois de muito pensar,
quando as nuvens eram um escudo flechado,
encontrei o destino ideal para um poema,
ideal porque carrega em si a necessidade de todo poeta:
ser feito em gaivota de papel
e jogado pela janela.
então vai!
– pelo menos nada que já não gritassem –
e também porque as nuvens haviam se desmanchado
num elefante branco que talvez
só eu e as nuvens escutássemos no céu
– pois os demais insistiam em enxergar –
resolvi refletir sobre qual seria
o melhor destino para um poema.
antes de tudo
descartei as obviedades,
como merece um poema
que, quando é, já foi.
portanto
nada de academia de letras,
que todo poema é preguiçoso
e não faz esforço algum.
pelo amor de deus
nada também de longos recitais,
porque um poema merece, no mínimo, descanso
e no máximo o silêncio absoluto
de sua voz estuprada.
depois de muito pensar,
quando as nuvens eram um escudo flechado,
encontrei o destino ideal para um poema,
ideal porque carrega em si a necessidade de todo poeta:
ser feito em gaivota de papel
e jogado pela janela.
então vai!
"a corretora de imóveis"
Tinha a calma das antigas prostitutas. Seus ossos desprendiam um cheiro de meia-calça suada e sua pele filtrava o cheiro, que subia pelo ar conforme meus olhos desciam por uma estrada à beira de um penhasco, num cenário medieval. Toda ela covas e mãos. Tinha gosto de uma antiga dúvida, com quem eu havia dormido em vão por anos a fio. Salgada sempre, o pescoço um arquipélago de sardas insaciáveis. Lentes moldadas em hastes singelas, escoradas no ângulo escorregadio de uma leve frustração, que no entanto permanece. Mãos zumbis, suas veias me chamavam depois me dispersavam, e ela falava alguma coisa sobre morar am algum lugar, mas eu só pensava em engolir vivo seu coração, cair de joelhos diante daquelas veias suplicantes, daquelas unhas polidas e limpas, mas sem esmalte algum, como um poema. No fundo dos seus olhos, o juízo final de Bosch, sutilmente encortiçado por uma nuvem de movimentos lentos e exatos, como os de uma garça satisfeita. Uma alma de algodão na superfície, disposta a sorrisos inseguros, escondia no fundo cacos de útero, que mortos vivos preenchiam diariamente com seu branco fúnebre, através de um balcão infinito de possibilidades abortadas em contratos de compra e venda.
16.9.06
"Anônimo" (Ana Cristina Cesar)
Sou linda; gostosa; quando no cinema você roça o ombro em
mim aquece, escorre, já não sei mais quem desejo, que me assa
viva, comendo coalhada ou atenta ao buço deles, que ternura
inspira aquele gordo aqui, aquele outro ali, no cinema é escuro
e a tela não importa, só o lado, o quente lateral, o mínimo
pavio. A portadora deste sabe onde me encontro até de olhos
fechados; falo pouco; encontre; esquina da Concentração com
Difusão, lado esquerdo de quem vem, jornal na mão, discreta.
mim aquece, escorre, já não sei mais quem desejo, que me assa
viva, comendo coalhada ou atenta ao buço deles, que ternura
inspira aquele gordo aqui, aquele outro ali, no cinema é escuro
e a tela não importa, só o lado, o quente lateral, o mínimo
pavio. A portadora deste sabe onde me encontro até de olhos
fechados; falo pouco; encontre; esquina da Concentração com
Difusão, lado esquerdo de quem vem, jornal na mão, discreta.
15.9.06
"Ana C."
“meu avô poeta”
descobri que meu avô
por parte de mãe (alcoólatra)
bebia cachaça com Lupicínio,
fazia samba em caixa de fósforo
com os olhos doces de martírio,
e além disso ele era um poeta.
escrevia muitos sonetos idílicos
só de olhar as mulheres na rua,
fossem novas, velhas, prostitutas.
quando minha avó, sua esposa,
morreu de câncer – o mesmo câncer
que mataria depois sua filha e, portanto,
minha mãe – enquanto velavam o corpo
com copos de lágrimas e lenços úmidos,
o velho sumiu: foi a um canto quieto de mata funda
onde sentou e escreveu meia dúzia de versos únicos
e, quando voltou, depositou o papel
entre as mãos cruzadas da sua mulher.
o padre engasgou o amém, tias gordas engoliram véus
– aqueles eram versos em sangue –
e enquanto o poeta abria o caixão,
ninguém, nem mesmo suas amantes,
reconheceu naquele gesto um adeus e um pedido de perdão,
nem soube jamais o que ele havia escrito no papel:
só ela e ele e a terra, e quem sabe deus, e quem sabe em vão.
hoje ele já não escreve mais estribilhos,
nem me reconhece quando me vê.
belisca as enfermeiras no asilo,
grita que ainda tem sede de viver,
como fariam muitos poetas conhecidos.
o velho era um poeta do agora,
porque escrevia como quem voa,
só de olhar as pessoas na rua,
e depois jogava os poemas fora,
em copos de cachaça, em surras,
como se fosse uma coisa à toa,
como fazem os grandes poetas.
e na vez do meu sino – pó de ossos ao vento
este homem continuará vivo, porque poetas
– como pergaminhos – são alheios ao tempo.
por parte de mãe (alcoólatra)
bebia cachaça com Lupicínio,
fazia samba em caixa de fósforo
com os olhos doces de martírio,
e além disso ele era um poeta.
escrevia muitos sonetos idílicos
só de olhar as mulheres na rua,
fossem novas, velhas, prostitutas.
quando minha avó, sua esposa,
morreu de câncer – o mesmo câncer
que mataria depois sua filha e, portanto,
minha mãe – enquanto velavam o corpo
com copos de lágrimas e lenços úmidos,
o velho sumiu: foi a um canto quieto de mata funda
onde sentou e escreveu meia dúzia de versos únicos
e, quando voltou, depositou o papel
entre as mãos cruzadas da sua mulher.
o padre engasgou o amém, tias gordas engoliram véus
– aqueles eram versos em sangue –
e enquanto o poeta abria o caixão,
ninguém, nem mesmo suas amantes,
reconheceu naquele gesto um adeus e um pedido de perdão,
nem soube jamais o que ele havia escrito no papel:
só ela e ele e a terra, e quem sabe deus, e quem sabe em vão.
hoje ele já não escreve mais estribilhos,
nem me reconhece quando me vê.
belisca as enfermeiras no asilo,
grita que ainda tem sede de viver,
como fariam muitos poetas conhecidos.
o velho era um poeta do agora,
porque escrevia como quem voa,
só de olhar as pessoas na rua,
e depois jogava os poemas fora,
em copos de cachaça, em surras,
como se fosse uma coisa à toa,
como fazem os grandes poetas.
e na vez do meu sino – pó de ossos ao vento
este homem continuará vivo, porque poetas
– como pergaminhos – são alheios ao tempo.
13.9.06
“discutindo a relação”
não tenciono te assustar,
nem me assusta tua tensão.
quero ser o teu pulmão
e não a tua falta de ar.
a gente aprende pouco
sobre cada coisa a cada dia,
e não aprende um dia sobre
cada pouco a cada coisa.
primeiro precisamos não saber
o que sabemos para entender
o que nós não compreendemos.
não há porque temer outras bocas:
engula calmamente os silêncios
com tuas palavras sem língua.
nem me assusta tua tensão.
quero ser o teu pulmão
e não a tua falta de ar.
a gente aprende pouco
sobre cada coisa a cada dia,
e não aprende um dia sobre
cada pouco a cada coisa.
primeiro precisamos não saber
o que sabemos para entender
o que nós não compreendemos.
não há porque temer outras bocas:
engula calmamente os silêncios
com tuas palavras sem língua.
"três pérolas de Brecht"
"A Exceção e a Regra"
Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso.
Mas não se esqueçam
de que o abuso é sempre a regra.
***
"A Troca da Roda"
Estou sentado á beira da estrada,
o condutor muda a roda.
Não me agrada o lugar de onde venho.
Não me agrada o lugar para onde vou.
Por que olho a troca da roda
com impaciência?
***
"Palavras a um General"
General, teu tanque é um carro forte.
Ele derruba uma floresta
e esmaga cem homens
Tem, porém, um defeito:
precisa de um motorista.
General, teu bombardeio é poderoso.
Voa mais depressa que a tempestade,
carrega mais que um elefante.
Tem, porém, um defeito:
precisa de um piloto.
General, o homem é muito útil.
Sabe voar, sabe matar.
Tem, porém, um defeito:
ele sabe pensar.
11.9.06
“uma hora não muito alheia para Rilke”
como a paz que não envergonha...
vulto cego de verdade inaudita,
se do teu fruto sem folhas
serves a mim com verdade infinita,
meus olhos duvidam da métrica
como as tuas lágrimas são dela,
mesmo quando a mão vacila.
aliás, outro dia
pensando em trevas,
li tuas cartas tão claras
para um novo poeta.
serviram para amar meu pai
pelos erros da falta de calma
e engrandecer a busca estética
sem vergonha da contagem regressa
expressa no que se fecham
as asas de um anjo tímido.
tu: anjo amigo.
simples assim...
amar perguntas em linha,
em quartos fechados ou livros escritos,
como se toda a tua vida fosse espera,
como se por toda a minha vida
nosso encontro fosse idioma sem letras,
ou fosse o roubo de um livro e meio
para reconhecer no teu ponto
meu próprio destino inteiro,
no entanto proibido,
como a paz que não envergonha...
vulto cego de verdade inaudita,
se do teu fruto sem folhas
serves a mim com verdade infinita,
meus olhos duvidam da métrica
como as tuas lágrimas são dela,
mesmo quando a mão vacila.
aliás, outro dia
pensando em trevas,
li tuas cartas tão claras
para um novo poeta.
serviram para amar meu pai
pelos erros da falta de calma
e engrandecer a busca estética
sem vergonha da contagem regressa
expressa no que se fecham
as asas de um anjo tímido.
tu: anjo amigo.
simples assim...
amar perguntas em linha,
em quartos fechados ou livros escritos,
como se toda a tua vida fosse espera,
como se por toda a minha vida
nosso encontro fosse idioma sem letras,
ou fosse o roubo de um livro e meio
para reconhecer no teu ponto
meu próprio destino inteiro,
no entanto proibido,
como a paz que não envergonha...
“acontecimento numa ladeira”
sim, vai cair, sim...
mas sem hesitar o passo.
a queda é inevitável
a quem não seja pássaro
e pense com asas.
sim, vai cair, sim...
mas não desespere o tempo.
molha a boca seca em vermes
com teu sangue amarelado
e não tema a diabetes,
tema sim o lamento.
sim, vai cair, sim...
mas não se apresse.
molha a boca dos teus sonhos
com o sangue coagulado
na doença das tuas fezes
– tuas frases.
sim, vai cair, sim....
mas caia sem medo.
molha tuas mãos sem dedos
com o sangue do teu tombo.
ria sempre para cima
– sempre! –
visando o analfabeto.
depois levanta e segue reto
pelas trilhas do teu segredo.
mas sem hesitar o passo.
a queda é inevitável
a quem não seja pássaro
e pense com asas.
sim, vai cair, sim...
mas não desespere o tempo.
molha a boca seca em vermes
com teu sangue amarelado
e não tema a diabetes,
tema sim o lamento.
sim, vai cair, sim...
mas não se apresse.
molha a boca dos teus sonhos
com o sangue coagulado
na doença das tuas fezes
– tuas frases.
sim, vai cair, sim....
mas caia sem medo.
molha tuas mãos sem dedos
com o sangue do teu tombo.
ria sempre para cima
– sempre! –
visando o analfabeto.
depois levanta e segue reto
pelas trilhas do teu segredo.
9.9.06
"Conversar" (Octavio paz)
Em um poema leio:
Conversar é divino.
Mas os deuses não falam:
fazem, desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.
O espírito baixa
e desata as línguas
mas não diz palavra:
diz luz. A linguagem
pelo deus acesa,
é uma profecia
de chamas e um desplume
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.
A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem
os nomes que dizemos
dizem tempo: nos dizem,
somos nomes do tempo.
Conversar é humano.
Conversar é divino.
Mas os deuses não falam:
fazem, desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.
O espírito baixa
e desata as línguas
mas não diz palavra:
diz luz. A linguagem
pelo deus acesa,
é uma profecia
de chamas e um desplume
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.
A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem
os nomes que dizemos
dizem tempo: nos dizem,
somos nomes do tempo.
Conversar é humano.
7.9.06
“sobrevivência ou sorte!”
t. s. eliot morreu no mesmo dia em que eu nasci, há mais de quarenta anos.
ezra pound foi considerado louco e preso numa gaiola de aço por doze anos.
todos achavam que cummings era doido varrido, enquanto ele inventava palavras.
françois villon perdeu parte do lábio num duelo por uma prostituta com um pároco.
john fante ficou cego e sem as pernas antes de ser considerado um escritor maior.
edgar poe vestia um roupão velho quando ateou fogo a si mesmo em Baltimore.
e nem 18 doses de uísque puderam diagnosticar a morte de dylan thomas.
o que prova que, para sobreviver, é inevitável pensar em coisas sem conexão.
ezra pound foi considerado louco e preso numa gaiola de aço por doze anos.
todos achavam que cummings era doido varrido, enquanto ele inventava palavras.
françois villon perdeu parte do lábio num duelo por uma prostituta com um pároco.
john fante ficou cego e sem as pernas antes de ser considerado um escritor maior.
edgar poe vestia um roupão velho quando ateou fogo a si mesmo em Baltimore.
e nem 18 doses de uísque puderam diagnosticar a morte de dylan thomas.
o que prova que, para sobreviver, é inevitável pensar em coisas sem conexão.
5.9.06
"útero"
uma linha me disse que como bêbado sou um sarro,
a linha seguinte, que como bêbado sou um chato,
mas mesmo sabendo que seria criticado
pelas mães que não tiveram filhos
e pelas esposas sem maridos,
e pelos versos dos meus poetas favoritos,
preciso (ou precisos: esses poetas...)
dizer que meus olhos precisam de vinho
para poderem sintonizar outros olhos violetas
que se enchem da água que se precipita
para poder sem precisão se encher da mais precisa
agulha em forma de gaivota e dizer ao mar:
“isto é simples e displicente como a água”.
e mesmo quando o rio seca e a cachoeira
torna-se placa de pus na garganta aveludada
em meio ao fim das pedras
que antecipam a natureza,
ou uma bandeira de frases sem Bandeira,
como se tudo isso que funciona sem frases
seguisse aflitivamente a palavra equivocada
atrás de olhos carnívoros que me enxergassem,
assim mesmo desdigo surdo, para dentro do útero.
a linha seguinte, que como bêbado sou um chato,
mas mesmo sabendo que seria criticado
pelas mães que não tiveram filhos
e pelas esposas sem maridos,
e pelos versos dos meus poetas favoritos,
preciso (ou precisos: esses poetas...)
dizer que meus olhos precisam de vinho
para poderem sintonizar outros olhos violetas
que se enchem da água que se precipita
para poder sem precisão se encher da mais precisa
agulha em forma de gaivota e dizer ao mar:
“isto é simples e displicente como a água”.
e mesmo quando o rio seca e a cachoeira
torna-se placa de pus na garganta aveludada
em meio ao fim das pedras
que antecipam a natureza,
ou uma bandeira de frases sem Bandeira,
como se tudo isso que funciona sem frases
seguisse aflitivamente a palavra equivocada
atrás de olhos carnívoros que me enxergassem,
assim mesmo desdigo surdo, para dentro do útero.
3.9.06
"saber, fazer e avaliar" (W. H. Auden)
"aos olhos dos outros, um homem é poeta se tiver escrito um bom poema. Aos próprios olhos, ele é poeta apenas no momento em que faz a última revisão num novo poema. No momento anterior, era apenas um poeta em potencial; no momento seguinte, é um homem que parou de escrever poesia, talvez para sempre."
2.9.06
“Solidão FM”
às três e vinte da madrugada
vi que as pontas dos meus dedos arroxeavam
e logo em seguida, derrubei minha garrafa.
no rádio, uma voz aveludada saudava uma ouvinte:
“bom dia, Gislaine... você está ao vivo conosco. em que posso lhe ser útil?”
depois do chiado, vacila uma voz fina e triste de mulher mal-amada, eclipsando:
“boa noite, seu Vadão...”
“sim, Gislaine, boa noite...”
“é Gisleine, seu Vadão...”
“tudo bem, Gisleine, do que você precisa?” – disse o veludo, já meio camurça.
“olha, eu queria dizer que eu adoro o programa e que escuto o senhor todo os dias”.
“muito bem, Gisleine... grato pelo carinho. mas diga o que você quer”.
“eu preciso de um marido, seu Vadão. Um que tenha entre 35 e 55 anos...
pode ser calvo, pode ser barrigudinho, não tem problema, que beba!
mas não pode ter barba – que espeta, a menos que seja comprida, macia
– que eu adoro limpar barba suja de sopa –
de preferência que fale pouco
e seja simpático a troco de nada, mas não um boca-aberta,
e que saiba limpar a mesa e não durma de meias”.
a rádio saiu de sintonia
enquanto eu enxugava o vinho
no carpete com a língua,
quando pensei em telefonar para o Vadão
e me candidatar como marido de Gislaine
– ou Gisleine –
mas tive que desistir da idéia
porque não estava dentro da faixa etária.
vi que as pontas dos meus dedos arroxeavam
e logo em seguida, derrubei minha garrafa.
no rádio, uma voz aveludada saudava uma ouvinte:
“bom dia, Gislaine... você está ao vivo conosco. em que posso lhe ser útil?”
depois do chiado, vacila uma voz fina e triste de mulher mal-amada, eclipsando:
“boa noite, seu Vadão...”
“sim, Gislaine, boa noite...”
“é Gisleine, seu Vadão...”
“tudo bem, Gisleine, do que você precisa?” – disse o veludo, já meio camurça.
“olha, eu queria dizer que eu adoro o programa e que escuto o senhor todo os dias”.
“muito bem, Gisleine... grato pelo carinho. mas diga o que você quer”.
“eu preciso de um marido, seu Vadão. Um que tenha entre 35 e 55 anos...
pode ser calvo, pode ser barrigudinho, não tem problema, que beba!
mas não pode ter barba – que espeta, a menos que seja comprida, macia
– que eu adoro limpar barba suja de sopa –
de preferência que fale pouco
e seja simpático a troco de nada, mas não um boca-aberta,
e que saiba limpar a mesa e não durma de meias”.
a rádio saiu de sintonia
enquanto eu enxugava o vinho
no carpete com a língua,
quando pensei em telefonar para o Vadão
e me candidatar como marido de Gislaine
– ou Gisleine –
mas tive que desistir da idéia
porque não estava dentro da faixa etária.
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