chão de poeira no caminho, como a cabeça decepada que permanece sobre o pescoço.
brigadianos confundem autoridade com vontade de pastar,
capacetes e calças justas sensualmente adaptadas sobre o cavalo de músculos sexuais.
uma cancha de bocha de onde se podem ouvir as mesmas frases do dia-a-dia,
só que mais altas e verdadeiras.
manchas de vinho na camiseta azul-ingênua, marinha mareada.
pequenos pássaros de peito amarelo, frutas silvestres em suas bocas
– pena não serem a minha.
um casal composto por uma menina magra
hesitante em passos de joelhos juntos,
doença disfuncional,
e um menino com a algibeira do Colégio Militar,
logo à frente – boina da cor do vinho respingado –
que tenta lhe arrancar um beijo à força.
sol, dentadas na grama e a relutância da civilização greco-romana por todo canto.
rapazes sensíveis,
que não aprenderam muito bem o que fazer com os próprios órgãos saltitantes,
espreitam e observam a sorte ir embora
– copas de árvores servem de testemunha.
preservativos usados na clareira das plantas ornamentais favorecem a civilização
– segundo Pessoa, uma falácia –
cheios de gente morta tão parecida com o que há fora, no parque, mas movendo-se.
velhos de toda a sorte lendo romances policiais e sonhando com mocinhas
– que nem mesmo Raymond Chandler.
duplas e trios de meninas sob protetores solares
e camisetas rasgadas por afeição
– calças apertadas pela falta de pai –
todas novas demais para admitir.
os cães são os únicos que podem ser encarados com os olhos,
e também os únicos liberais, como disse Rimbaud a Verlaine.
sinfonia arrítmica constante,
conversa na qual não é permitida minha participação.
um homem descamisado molhado de sol adestra um cão collie com um graveto
enquanto uma mulher não tão nova mas não grega observa discretamente a ação
sentada sob o busto de Santos Dumont.
uma babel de mosquitos pronuncia chuva próxima.
brigadianos outra vez, mas dessa vez mal-encarados
– mais uma vez eu me escondia –
sendo assim totalmente destoantes
sobrevoavam motos e faziam o rasante
como máquinas estúpidas sem botão.
um chafariz desativado chama a atenção dos pombos desatentos.
uma ponte barroca com câncer de pele falha no cartão postal.
cisnes de fibra de vidro no lago artificial onde seres vivos recolhem lentes impróprias.
orquídeas dormentes e solitárias
– como a moça que vende cachorro-quente –
enciúmam gatos pardos de tantos filhotes de esquerda.
árvores secas como nervos cerebrais intoxicados.
uma tempestade repentina de pó cobre
a poeira das cabeças do tempo de cobre.
uma senhora sorri sem dentes
– embaixo dela há pano e dor –
e vende poemas feitos na hora
que não tenho à hora para pagar por.
uma placa no chão onde se lê abaixo da ferrugem:
“recanto europeu”.
um grupo misto de umas 15 crianças burguesas
– tocando flautas doces com suas lancheiras –
acompanhado por duas instrutoras de pernas finas e hímens intactos
é afugentado por cinco negrinhos sem comida
que usam os dedos não para dizer amém e lhes tomam o lanche
enquanto maltratam plantas às custas de outra tendência social.
um lugar onde tudo serve de estrofe ou estribilho calado
ou talvez esta impressão seja tão somente efeito de uma solidão
colorida em muralhas de cinzas poéticas, sem vergonha da palavra.
o som do vento na bandeira nacional soa como uma reclamação
no mastro empertigado do Colégio Militar
de onde adolescentes subentendidos por restrições liberais
saem padronizados com calças rasgadas e maquiagem.
do outro lado da história
meninos com buracos no estômago
felizes mergulham nos chafarizes secos
enquanto a morte não vem...
e ali estou eu cheio de nada, saciado,
complexificado como o vento que nada possui,
sentado numa cadeira de náilon amarela,
à beira do que ruge relendo Hemingway.
27.9.06
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