10.10.25

"uma feira, um cavalo, um poema"




pro leprê 


faço um poema como quem pintasse,

a pedido do meu grande amigo leprevost,

nele existe uma feira e pessoas com pressa,

outras nem tanto, porque estão desempregadas.

 

nove e meia da manhã e a feira murcha,

cai o preço da uva, há mamões maduros

que parecem crianças doentes vendidas

para famílias que não podem ter filhos

e compostas por casais desempregados.

 

quando estão baratos, como no fim da feira,

os morangos parecem a primeira namorada

antes do primeiro beijo e tudo está por um triz.

 

até que o fim da feira desaparece de repente

– surge um cavalo! autorização para o poema,

sempre os cavalos desde homero, mais ainda,

surge um cavalo que, diferente dos de homero,

se delicia com restos de melancia numa caixa.

 

e a feira, desse ponto em diante, não acaba

nunca mais de terminar para sempre aqui.

8.10.25

"linda lua para um mau poema"


a língua é uma casa

grande e desconfortável.

 

hoje a lua está bonita,

parece que vai passear

ou namorar na mureta,

ou pular de uma ponte.

 

hoje a lua está perfeita

para fazer um mau poema.

 

melhor seria se fosse

esta uma tristeza séria,

não uma tristeza mortal

mas uma que brilhasse.

 

uma tristeza que fosse

feita de comédia e saliva.

 

tristeza risível e linda

como toda fatalidade,

feito o sol suplicante

nos olhos da chacina.

 

procuro o mau poema

para uma lua prostituída.

 

aqui vou eu, eu poderia

dizer apenas isso, sim –

depois escreveria febril

o poema feio prometido.

 

engraçada a vaidade:

se tudo que faço é bonito.

 

uma lua nunca é fiel:

quando se quer foder

parece um coelhinho.

mãe das águas de sal

 

que entopem as veias

e arreganham os orifícios.

21.9.25

"quero te arrancar"



“quero te arrancar”

 

não devo me perder

diante dos olhos

de um deus ilusório.

 

a fêmea magnífica

não virá libertar

o macho teutônico.

 

alguém, no líbano,

fez vibrar a chave

na casca do sonho.

 

alguém entende

tudo que amo

mas não sabe

nada que eu sei.

 

good writers,

bad parents

good parents,

bad writers.

 

quero te arrancar

fora da frança

rumo ao fogo

da nossa origem.

 

mas nunca

deixe de ler

para mim

poemas ruins

em francês.

 

esse fica sendo

nosso segredo

quase público.

 

houvesse ainda

poema de amor

e, mais que isso,

gente que ainda

perca seu tempo

com algo como

poema de amor.

 

*** tradução ao francês de larissa agostinho ***

 

“je veux t’arracher”

 

faut pas que je me perde

devant les yeux

d’un dieu illusoire.

 

la femme magnifique

ne va libérer

le mâle teutonique.

 

quelqu’un, au Liban,

a fait vibrer la clé

dans la casque du rêve.

 

quelqu’un comprend

tout ce que j’aime

mais ne sais

rien de ce que je sais.

 

good writers,

bad parents.

good parents,

bad writers.

 

Je veux t’arracher

en dehors de la France

vers le feu

de notre origine.

 

mais jamais

n’arrête pas de lire

pour moi

des mauvais poèmes

en français.

 

ceci reste étant

notre secret

presque public

 

s’il y avait encore

des poèmes d’amour

voir, plus,

des gens qui encore

perdent leurs temps

avec quelque chose comme

un poème d’amour.

 

 

 

19.9.25

"pour diblasi"

 

você foi sempre um pouco minha elise,

rita dizia que havia algo sexual entre nós,

mas não estou tão certo assim de tudo isso,

acho que tem mais a ver com nossa psico-

inclinação franciscana um pouco picareta,

é claro, pois somos ambos, todo mundo sabe,

poetas do corpo a corpo, criaturas noturnas,

vultos nas ruas do fim do mundo – engraçado

pensar que um dia fomos garotos perigosos

e agora todos nos olham (no meu delírio

somos uma dupla, você o robin, é claro,

você o danton, é claro, você o gauguin,

você rimbaud, é claro, você ulisses lima,

– eu, em ordem, batman, maximilien, van gogh,

verlaine, belano) como se fôssemos de certa forma

mutações dialéticas delirantes – é nessas coisas

de crianças que você me faz pensar, mutações,

delírios, azucrinação das bases sólidas – agora

estamos aqui outra vez, parece que cortaram

nossas asinhas, são esses tempos cabeludos,

pior que isso, são esses tempos de peruca,

mas ainda podemos nos emocionar, chorar,

você bem mais do que eu, como sempre,

com certas letras de música que, no fundo,

nos lembram todas as namoradas do mundo

e do fato de que estamos recém separados,

pelos motivos, ainda que duros, necessários,

das pessoas que mais amamos, e me parece

inevitável pensar que tipo de mundo é este

onde o maior amor se torna pouco a pouco

impossível, e faz do afeto que dele se revela

uma perfeita marmelada, prêmio de consolação

pelo valor do tempo histórico compartilhado,

amizade como a medalha de segundo lugar,

e você sempre dorme muito mais do que eu,

mas dessa vez acordou cedo e – milagre –

estava limpo, por isso, creio, não tomou banho,

eu tomei logo cedo, dei comida ao gato byron,

fiz café para nós dois, acho que tem algo assim

em alguma outra letra, roberto carlos talvez?

(quando penso se uma letra é do roberto carlos

torço que seja do erasmo, acho que você também

– eu seria, é claro, o tremendão, e você, o traíra)

então implorei que você tomasse um copinho

com suco de laranja, que você engoliu rápido,

como um michê engole a gala rala de um velho,

depois eu disse vamos dar uma banda no centro,

e fomos em silêncio com um baseado apertado,

estou calado pensando que você talvez seja

o único músico com olhos que conheço,

então chegamos na praça xv onde impera

uma sofisticada tristeza porque na praça

há uma feira organizada por pessoas pobres

ou pessoas não tão pobres, mas velhas e cansadas,

para que pessoas ricas tenham a good time,

que, se for traduzido como um bom momento,

parece imediatamente algo pior, de todo modo,

fomos direto à parte dos fundos, sempre fomos

corredores de fundo, creio, e lá vão os skatistas,

os pequenos ladrões e as bonecas nuas da barbie

enfileiradas ao sol com os cabelos desgrenhados

como mulheres vendidas na prateleira do pecado,

essa frágil palavra insustentável, ao lado a bíblia

numa bonita edição com capa de couro e zíper –

penso que a palavra zíper é linda como um raio,

tiro uma foto do mercado secreto de barbies nuas,

você segue rumo ao mar, sempre assim os poetas,

mas preciso do poeta ao lado para ser um também,

você então acaba sendo meu carregador de bateria,

para que a poesia siga trôpega o seu fio de prata,

então sigo seus passos vacilantes até um banco

de onde só me levanto para mijar na água suja,

um pouco culpado por tanta vontade de mijar,

pensando que talvez a bexiga um dia me mate

como está matando meu pai, mas não há culpa,

na água boia a merda pura do dia-a-dia citadino,

e algumas botas de quem por desventura desistiu

– olhando agora nós dois sentados à beira-mar,

como dois coadjuvantes de um western mexicano

dividindo uma bagana nos cinco minutos de intervalo

antes de voltarem ao silêncio móvel de suas ocupações,

vendo a merda boiar, garoa cair, me pego pensando

que já fomos menos pacíficos – apesar de que hoje

eu ando com uma faca na mão dentro do bolso –

ou mais assustadores, você diz que está mais feio,

eu, pelo contrário, só fico feio quando estou feliz,

mas triste, miserável, fraco, fico lindo de morrer

e com a pele bronzeada já que o sol é o abundante

alimento da minha mais antiga tristeza provençal,

mas quando penso melhor concluo que cansados

somos mais apresentáveis, então estamos no ápice

da nossa beleza mesmo não sendo nem de longe

aqueles que pela primeira vez se estranharam e

se assustaram um com o outro, pois a verdadeira

fraternidade nunca é caridosa e sempre assusta,

mas somos um pedaço, alguns diriam, patético,

do que um dia foi a ideia de um grupo de amigos

– ficamos nós dois, debi-loide / pepê-neném /

quixote-pança (o pança varia) / charly-spinetta /

keaton-carlitos – e o amor coletivo seca na boca

dos mais sensíveis enquanto salivam por sucesso

os entusiastas da causa própria: no tempo novo

compartilhado, até os policiais estão entediados

– aliás, um deles, de moto, se aproxima de nós,

imediatamente jogo a bagana no chão e piso nela,

ele puxa a viseira de acrílico do capacete e nos mira

enquanto olhamos a merda comum que faz tudo

mais simples, até o absurdo de nascer e morrer –

falamos das ex-namoradas e torcemos que possam

ser nossas amigas – ao chegar a idade da amizade

como promessa possível, arroxeando a melancolia

como gravata em volta do pescoço do sol violentado

pela chuva fina crescente como picadas de paciência

– o policial, meio sem jeito, dá meia volta e se manda,

você diz que não fomos presos por sermos brancos –

italianos brancos pobres, eu digo, é pior do que isso

– ou ele ama alguém que perdeu para o destino, penso,

e me acalma a ideia de um policial que sofra por amor.

 

 

14.9.25

"uma gripe antipática"


com o pensamento

no cérebro de

ledusha spinardi

 

alvéolo insone da paixão,

enfisema colorido do fim,

anacronismos pulmonares,

brônquios broncos, gangs

de violência ansiolítica

nos pirulitos da bondade,

adolescentes da liberdade,

balões de amor se tornam

lentamente não tão jovens

estabelecidos por aquiles

– aqui me corrijo, aqueles,

que destruíram esse amor

em troca de sentir-se bem

como se sentem os ruins.

 

estou gripado do mundo

onde boiam pessoas briosas

por uma nota de página

na história do fim do amor.

 

queria eu mesmo fazer

uma tarantela de amor

como um franciscano

– beijar a lepra e ver,

no resultado da lepra,

chagas dum cristo vivo.

 

mas, como ele, vacilo

à procura do prateado

fio da vida irresoluta.

 

chego em casa, concluo:

a grande sensação não é

em geral a boa, a melhor.

miragem de emergência,

saída para lugar nenhum.

 

talvez seja que as coisas

grandes sejam nada mais

do que força que esmaga

miúdas coisas que fazem,

como diziam os antigos –

a vida valer a pena – não

para nós – dizia a barata.

 

pasmaceira de bravatas

sociais para oficializar

as biografias eficientes

ao puto tempo histórico.

 

na olimpíada do maior

coração, aspiro o muco,

e cada facada nas costas

se resolve com um beijo

de brutus, sem um julio

que transporte a matilha

para além de agosto, que

por um milagre da carne

jogou-me a carcaça viva

na viela dos sem-perdão,

na sopa rala de setembro.

.

sonho catarro de esperança

enquanto, no fio da dúvida,

feito um vulto o dia avança.

presságio de cama, estacas

no peito abrigo de ratazanas

disfarçadas de gatos caseiros.

transporto, portanto, no peito,

criaturas muito semelhantes

a pessoas que eram próximas

e agora são um chiclete duro,

semântica de espirro ordeiro

num poema que melhor seria

de uma lêda, de um bandeira

– mas cada um tem a poesia

ou a pneumonia que merece.

5.9.25

"aos bons amigos"


neste momento estou cercado de tragédias,

que me fazem mais humano e desastrado.

 

livro-me de bons amigos como de pulgas,

dou-me conta de que são bons só para eles,

ou nem isso – se gostam de mim, são ruins.

 

por outro lado, eu tenho estado cercado,

neste momento, de figuras saltimbancas,

que trazem a ridicularidade dos santos,

que abrem mão de tudo que podem ver

para ficar apenas com o que não sabem,

mas trazem dentro de si e chamam deus.

 

há nessas figuras qualquer coisa de vil,

de inumano, que se inclina ao divino e

ri diante da nossa farsa de benfeitorias.

 

alguns não saem de casa nunca, outros        

vivem nas ruas porque dão à pobreza

o papel de musa inspiradora, amante.

 

os bons amigos, percebo, é provável,

também precisem de musas galantes.

mas temem perder tempo procurando

coisas que não sabem dentro do vazio.

 

infelizmente não sou beatriz, dulcineia,

angélica acorrentada, nem a liberdade

como guilhotina com os peitos de fora,

pintada por certo francês de se chamou

eugênio da cruz – ele também – eu não

mais serei menestrel da tortura idílica

com que alguns cantam suas vitórias

e despejam as derrotas na vala escusa

do ressentimento que surge ao verem

que nada é suficiente nunca – o ar frio

que penetrou nossas veias de bondade

torna burro o balanço do barco bêbado.

"Constant Sunday vs Lorde Byron"


talvez seja justo, como registro,

afirmar que você gostou de mim

sem que eu tivesse nada para dar,

estando eu mesmo desempregado.

ou seja: you liked my crazy looks!

 

entre a vida e o sonho que é você

tive boas perdas, péssimas perdas,

duras perdas – e perdas de alívio.

voltei a jogar futebol e – pasmo –

descobri-me um velho ambidestro.

 

não é fácil amar e ser inteligente

– na dúvida adotei um gato ruivo

que me faz companhia, me ama,

acredito que ele me ache bonito,

como você, mas eu prefiro gatos.

 

se viver é melhor que sonhar, não sei,

sei que é impossível amar um sonho,

pois sonhar é trivial e amar é imenso

como a vida e, ao contrário do sonho,

pode-se morrer de amor e não posso.

 

pois um gato chamado lorde byron

espera que eu retorne vivo do sonho

que é – que foi – você para fornecer

a comida mais real que vida, sonho,

você: que chamei domingo constante.

 

agora ando com uma faca no bolso

mais pronto, finalmente, para matar

do que para morrer, mesmo porque

descubro distúrbios, rasgo sinapses,

e o novo personagem também rouba.

 

mas quem sonha é o mesmo sempre,

é ele quem manda quando você vem,

quase um menino bonito que faz rir,

e domina sem altura o meu garrafão,

apenas para deslizar no aro mundano.

 

o mesmo que fornece nossas agendas

e come vida para que o sonho não dure

no calendário gelado de vários afazeres

que camuflam o medo de sentar, pedir,

receber e, por que não, até dizer adeus.

 

29.6.25

"para k. no dia do seu aniversário"


eu nunca poderia imaginar que,

no ápice de um ciclo desgraçado,

mas, na verdade, não de todo,

eu me apaixonaria por alguém

não por ser uma pessoa amável,

curiosa, um mistério, paz louca,

esfinge, musa grega, egípcia,

vênus de milo, esses delírios

infantis que costuram a carne

e perdemos conforme vamos

ficando mais perto da morte.

 

e quem diria que, meio velho,

meio homem, meio palhaço,

meio gengis khan, fecundaria

teus olhos com essa areia suja,

escalaria a tua duração úmida

no presídio dos meus braços.

 

no meu gulag de perseverança

serias tu catarina, gigantesca,

criança adulta, nariz-holofote

que viu na tímida fermentação

o desvio de um parapeito frio

que alcança o sol da meia-luz,

já que, deslumbrados, vimos

a luz na máquina entre flores

arrastando com nossos cheiros

as carcaças das nossas dúvidas

na colisão do que, aflito, treme

e se arrasta de um canto a outro,

na ponta de um mesmo segredo.

 

aquele que, quando perguntam,

esquecemos e, ao esquecermos,

sabemos melhor do que ninguém.

 

06 de junho de 2025