para Manuel Bandeira, com atraso.
te espero nos intervalos
entre abismos e arcanjos.
não existes e eu te espero
– Rapunzel sem trança.
com a sombra na mão
– inclinação taciturna –
te espero na distância
entre gametas e viúvas.
com este sorriso metálico
– orquídea feita em pólvora –
te espero desejoso e confuso,
miríade no espelho, te espero
como o faminto satisfeito,
sem braços, o colhedor de rosas.
te espero como ferida eterna,
te espero como quem morre.
29.12.07
27.12.07
"R." (Murilo Mendes)
Vens, toda fria do dilúvio, com dois peixes na mão.
És grande e flexível, na madrugada acesa pelos arcos
[voltaicos.
Tua posteridade danou-se e foi expulsa dos templos serenos
Onde atualmente só se ouvem
Cânticos de guerra e pregações do inferno.
Vens, toda fria do dilúvio,
Semear a discórdia nas choupanas e nos palácios.
Vens para a minha maldição, para me indicar o abismo
Onde ficarei só e triste, sem pianos.
És grande e flexível, na madrugada acesa pelos arcos
[voltaicos.
Tua posteridade danou-se e foi expulsa dos templos serenos
Onde atualmente só se ouvem
Cânticos de guerra e pregações do inferno.
Vens, toda fria do dilúvio,
Semear a discórdia nas choupanas e nos palácios.
Vens para a minha maldição, para me indicar o abismo
Onde ficarei só e triste, sem pianos.
26.12.07
"Toada de ternura" (Thiago de Mello)
Para Leonardo, um menino meu amigo
Meu companheiro menino,
perante o azul do teu dia,
trago sagradas primícias
de um reino que vai se erguer
de claridão e alegria.
É um reino que estava perto,
de repente ficou longe,
não faz mal, vamos andando,
porque lá é nosso lugar.
Vamos remando, Leonardo,
porque é preciso chegar.
Teu remo ferindo a noite,
vai construindo a manhã.
Na proa do teu navio,
chegaremos pelo mar.
Talvez cheguemos por terra,
na poeira do caminhão,
um doce rastro varando
as fomes da escuridão.
Não faz mal se vais dormindo,
porque teu sono é canção.
Vamos andando, Leonado.
Tu vais de estrela na mão,
tu vais levando o pendão,
tu vais plantando ternuras
na madrugada do chão.
Meu companheiro menino,
neste reino serás homem,
um homem como o teu pai.
Mas leva contigo a infância,
como uma rosa de flama
ardendo no coração:
porque é da infãncia, Leonardo,
que 0 mundo tem precisão.
Santiago do Chile,
novembo de 1964.
Meu companheiro menino,
perante o azul do teu dia,
trago sagradas primícias
de um reino que vai se erguer
de claridão e alegria.
É um reino que estava perto,
de repente ficou longe,
não faz mal, vamos andando,
porque lá é nosso lugar.
Vamos remando, Leonardo,
porque é preciso chegar.
Teu remo ferindo a noite,
vai construindo a manhã.
Na proa do teu navio,
chegaremos pelo mar.
Talvez cheguemos por terra,
na poeira do caminhão,
um doce rastro varando
as fomes da escuridão.
Não faz mal se vais dormindo,
porque teu sono é canção.
Vamos andando, Leonado.
Tu vais de estrela na mão,
tu vais levando o pendão,
tu vais plantando ternuras
na madrugada do chão.
Meu companheiro menino,
neste reino serás homem,
um homem como o teu pai.
Mas leva contigo a infância,
como uma rosa de flama
ardendo no coração:
porque é da infãncia, Leonardo,
que 0 mundo tem precisão.
Santiago do Chile,
novembo de 1964.
"Apollinaire por Henry Miller"
"A guerra prosseguia e homens estavam sendo massacrados, um milhão, dois milhões, cinco milhões, dez milhões, vinte milhões, finalmente cem milhões, depois um bilhão, todos, homens, mulheres e crianças, até o último. ‘Não!’, gritavam eles. ‘Não! Eles não passarão!’ E no entanto todos passaram; todos tiveram passe livre, quer gritassem sim ou não. No meio desta triunfante demonstração de osmose espiritualmente destruidora eu me sentei com os pés plantados sobre a grande mesa tentando me comunicar com Zeus, o pai das atlantes, e com sua progênie perdida, ignorante de que Apollinaire devia morrer um dia antes do armistício em um hospital militar, ignorante de que em sua ‘nova estrutura’ ele havia traçado estas linhas indeléveis:
Sede clemente quando nos comparardes
Com aqueles que foram a perfeição da ordem.
Nós que em toda parte procuramos aventura,
Nós não somos vossos inimigos.
Nós queremos dar-vos vastos e estranhos domínios
Onde florescente mistério espera por aquele que for colhê-lo.
Ignorante de que neste mesmo poema ele havia também escrito:
Tende compaixão de nós que estamos sempre lutando nas fronteiras.
Sede clemente quando nos comparardes
Com aqueles que foram a perfeição da ordem.
Nós que em toda parte procuramos aventura,
Nós não somos vossos inimigos.
Nós queremos dar-vos vastos e estranhos domínios
Onde florescente mistério espera por aquele que for colhê-lo.
Ignorante de que neste mesmo poema ele havia também escrito:
Tende compaixão de nós que estamos sempre lutando nas fronteiras.
Do infinito e do futuro
Compaixão por nossos erros, compaixão por nossos pecados.”
* trecho de "Trópico de Capricórnio", 1939, de Henry Miller, na tradução de Aydano Arruda.
23.12.07
"mulheres"
se por acaso um dia eu tivesse
a chance de escolher entre todas
as mulheres que talvez eu tenha
amado e elas também quem sabe,
como sempre de forma desconexa,
ainda assim, o amor, se acaso tivesse,
a chance, eu não escolheria nenhuma,
entre todas, preferiria ficar sozinho.
obviamente elas não são más pessoas.
algum erro cósmico encurtou as nossas
façanhas – apenas isso e o sol ausente.
e obviamente eu detesto ficar sozinho.
mas nada pior que ser só, acompanhado.
e, afinal, o que amo ou amei nelas todas
é o sinal de que, por pior que tudo fosse
(ou seja) é sempre tempo de prosseguir.
elas me ensinaram que se deve prosseguir,
eu, por pura carência, resolvi que ficarei.
porque as amei sozinho, quando as amei.
a inocência do erro: isso eu devo respeitar.
a chance de escolher entre todas
as mulheres que talvez eu tenha
amado e elas também quem sabe,
como sempre de forma desconexa,
ainda assim, o amor, se acaso tivesse,
a chance, eu não escolheria nenhuma,
entre todas, preferiria ficar sozinho.
obviamente elas não são más pessoas.
algum erro cósmico encurtou as nossas
façanhas – apenas isso e o sol ausente.
e obviamente eu detesto ficar sozinho.
mas nada pior que ser só, acompanhado.
e, afinal, o que amo ou amei nelas todas
é o sinal de que, por pior que tudo fosse
(ou seja) é sempre tempo de prosseguir.
elas me ensinaram que se deve prosseguir,
eu, por pura carência, resolvi que ficarei.
porque as amei sozinho, quando as amei.
a inocência do erro: isso eu devo respeitar.
21.12.07
"Fagulha" (Ana Cristina Cesar)
Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.
Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando.
Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.
Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.
Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.
Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio.
Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las.
Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.
Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando.
Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.
Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.
Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.
Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio.
Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las.
Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.
19.12.07
“25 anos” (poema para ser escrito aos 70 anos)
eu passava
leite de aveia
nos bagos
para que tudo
estivesse muito
limpo caso algo
de inesperado
acontecesse.
e raramente
algo inesperado
me acontecia.
mas quando
por algum acaso
acontecia algo
os bagos estavam
sempre sujos.
leite de aveia
nos bagos
para que tudo
estivesse muito
limpo caso algo
de inesperado
acontecesse.
e raramente
algo inesperado
me acontecia.
mas quando
por algum acaso
acontecia algo
os bagos estavam
sempre sujos.
"Percepção" (Ezra Pound)
"Os artistas são as antenas da raça."
Você se interessa pela obra de homens cujas percepções gerais estão abaixo do nível comum?
Eu temo que mesmo aqui a resposta não seja um redondo "Não".
Há uma pergunta muito mais delicada:
Você se interessaria pela obra de um homem que é cego a 80% do espectro? A 30% do espectro?
Aqui a resposta, curiosamente, é: sim SE... se suas percepções são hipernormais em qualquer parte do espectro ele pode ser de grande utilidade como escritor - embora talvez não de grande "peso". Eis onde entra o chamado gênio pá-virada. O conceito de gênio como próximo da loucura foi cuidadosamente fomentado pelo complexo de inferioridade do público.
Um problema mais grave requer a analogia biológica: os artistas são as antenas; um animal que negligencia os avisos de suas percepções necessita de enormes poderes de resistência para sobreviver.
Os nossos mais delicados sentidos estão protegidos, o olho por um alvéolo ósseo, etc.
Uma nação que negligencia as percepções de seus artistas entra em declínio. Depois de um certo tempo ela cessa de agir e apenas sobrevive.
Não há, provavelmente, nenhuma utilidade em dizer isso a pessoas que não podem vê-lo por si mesmas.
Os artistas e os poetas indubitavelmente ficam excitados e "superexcitados" pelas coisas muito antes do público em geral.
Antes de decidir se um homem é um louco ou um bom artista seria justo perguntar não somente se "ele está indevidamente excitado", mas se "ele está vendo algo que nós não vemos".
Acaso o seu esranho comportamento não será motivado por ele ter sentido a aproximação de um terremoto ou farejado o fogo de uma floresta que nós ainda não sentimos ou cheiramos?
Barômetros e anemômetros não podem servir de motores.
*texto extraído do livro "ABC da Literatura" (Ed. Cultrix; tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes)
14.12.07
“mais uma tarde entre a vida e a morte”
era início de verão,
toda hora parecia meio-dia.
eu estava desempregado,
sem namorada, sem saco,
sem dinheiro obviamente.
meus amigos haviam viajado,
eles foram para muito longe,
e mesmo os que estão perto,
acenam de cima dos navios.
mesmo assim era de manhã,
uma dessas manhãs de verão,
e o tempo estava quente demais,
mas eu andava escutando Lou Reed,
chutando pequenas pedras,
assobiando para as garças,
enquanto nos cantos mais escuros
pessoas pediam esmolas,
pessoas sem pernas, sem olhos,
pessoas falavam sozinhas no calor,
sem amor, sem afeto, largadas,
mas eu sabia que era preciso
continuar andando e, se possível,
ainda tentar mostrar um mínimo
de alegria por não ser ainda
minha vez.
Lou Reed falava sobre piranhas e travestis
que rodavam pela Western com Hollywood,
onde, um dia, certo poeta bagaceiro viveu.
Lou Reed falava também sobre garotos ricos
que virariam padres, sobre cartas de tarô e
muitas mulheres que falavam demais.
de alguma forma ele me ajudava a seguir.
a mim restava continuar andando,
entregar dois filmes na locadora,
pagar por eles já que eu não havia
morrido ainda.
um era Laurence Olivier: Hamlet.
o outro era um filme médio, com um final terrível,
do Bob Rafelson, com Bruce Dern e Jack Nicholson.
a felicidade custava algumas músicas
piratas e 16 pratas, em notas de papel.
entreguei os filmes, a menina da locadora
era magra e tinha bafo, mas foi simpática
e, afinal, é bom que nem todo mundo
tenha que ser perfeito e precise
de uma causa.
saio da locadora dentro de uma redoma
que anda sempre que eu também ando.
entro num bar e peço uma cerveja.
o dinheiro está no fim, portanto, foda-se.
mortos passam andando com pressa e,
de algum jeito estranho, isso é bom:
apenas sentar no meio-fio do inferno
e simplesmente sorrir.
ao meu lado há uma senhora de cabelo duro,
cerca de cinqüenta anos e um longo passado,
provavelmente de abortos e bêbados injustos.
ela usa um vestido colorido,
moda na solidão dos tempos.
a paisagem parecia derreter,
tarde demais, terça-feira nula.
a mulher ao meu lado joga
seu dinheiro fora em caça-níqueis
e cocas-colas de vidro e promessas
no que talvez um dia tenha sido
alguém que está perdida
mas de certa forma mantém
um pouco de ternura – e não sabe.
aquela mulher apodrecida,
aquela alma esburacada,
aquelas apostas jamais ganhas,
aquele despejo de ternura,
mais Lou Reed e uma cerveja,
e ainda por cima Henry Miller
– suas ondas assassinas na mochila –
adeus Laurence Olivier, adeus Hamlet!
– chega de tantos conflitos e crânios.
aquela mulher que fuma sem parar
– eu sei, alguns de nós sabemos –
o quanto ela chora e choramos todos
e alguns não choram, mas sangram dentro,
e não temos empregos, foram-se os amigos,
dentro dos bolsos uma notificação de despejo
e uma carta de alguma fêmea: “te amo, adeus”.
pessoas assim, como era aquela mulher,
a quem os mortos olham como perdidas,
tem às vezes a missão de salvar meu dia.
eu não a conheço.
provavelmente para ela
eu seria apenas mais um
bêbado vil e injusto.
mesmo assim a amo
e preciso dela tanto
quanto deste poema
que não é nada, mas
é meu e de todos nós,
como o dia seguinte.
toda hora parecia meio-dia.
eu estava desempregado,
sem namorada, sem saco,
sem dinheiro obviamente.
meus amigos haviam viajado,
eles foram para muito longe,
e mesmo os que estão perto,
acenam de cima dos navios.
mesmo assim era de manhã,
uma dessas manhãs de verão,
e o tempo estava quente demais,
mas eu andava escutando Lou Reed,
chutando pequenas pedras,
assobiando para as garças,
enquanto nos cantos mais escuros
pessoas pediam esmolas,
pessoas sem pernas, sem olhos,
pessoas falavam sozinhas no calor,
sem amor, sem afeto, largadas,
mas eu sabia que era preciso
continuar andando e, se possível,
ainda tentar mostrar um mínimo
de alegria por não ser ainda
minha vez.
Lou Reed falava sobre piranhas e travestis
que rodavam pela Western com Hollywood,
onde, um dia, certo poeta bagaceiro viveu.
Lou Reed falava também sobre garotos ricos
que virariam padres, sobre cartas de tarô e
muitas mulheres que falavam demais.
de alguma forma ele me ajudava a seguir.
a mim restava continuar andando,
entregar dois filmes na locadora,
pagar por eles já que eu não havia
morrido ainda.
um era Laurence Olivier: Hamlet.
o outro era um filme médio, com um final terrível,
do Bob Rafelson, com Bruce Dern e Jack Nicholson.
a felicidade custava algumas músicas
piratas e 16 pratas, em notas de papel.
entreguei os filmes, a menina da locadora
era magra e tinha bafo, mas foi simpática
e, afinal, é bom que nem todo mundo
tenha que ser perfeito e precise
de uma causa.
saio da locadora dentro de uma redoma
que anda sempre que eu também ando.
entro num bar e peço uma cerveja.
o dinheiro está no fim, portanto, foda-se.
mortos passam andando com pressa e,
de algum jeito estranho, isso é bom:
apenas sentar no meio-fio do inferno
e simplesmente sorrir.
ao meu lado há uma senhora de cabelo duro,
cerca de cinqüenta anos e um longo passado,
provavelmente de abortos e bêbados injustos.
ela usa um vestido colorido,
moda na solidão dos tempos.
a paisagem parecia derreter,
tarde demais, terça-feira nula.
a mulher ao meu lado joga
seu dinheiro fora em caça-níqueis
e cocas-colas de vidro e promessas
no que talvez um dia tenha sido
alguém que está perdida
mas de certa forma mantém
um pouco de ternura – e não sabe.
aquela mulher apodrecida,
aquela alma esburacada,
aquelas apostas jamais ganhas,
aquele despejo de ternura,
mais Lou Reed e uma cerveja,
e ainda por cima Henry Miller
– suas ondas assassinas na mochila –
adeus Laurence Olivier, adeus Hamlet!
– chega de tantos conflitos e crânios.
aquela mulher que fuma sem parar
– eu sei, alguns de nós sabemos –
o quanto ela chora e choramos todos
e alguns não choram, mas sangram dentro,
e não temos empregos, foram-se os amigos,
dentro dos bolsos uma notificação de despejo
e uma carta de alguma fêmea: “te amo, adeus”.
pessoas assim, como era aquela mulher,
a quem os mortos olham como perdidas,
tem às vezes a missão de salvar meu dia.
eu não a conheço.
provavelmente para ela
eu seria apenas mais um
bêbado vil e injusto.
mesmo assim a amo
e preciso dela tanto
quanto deste poema
que não é nada, mas
é meu e de todos nós,
como o dia seguinte.
“ensina-me Buk”
deu agorinha no jornal da madrugada na tevê:
para termos um dia aprendido a nos comunicar
precisamos primeiro ter aprendido a esquecer.
quando eu digo: “eu acho que”
ela diz: “você só fala de você”.
quando eu digo: “então você...”
ela diz: “quem você pensa que é
para falar assim sobre mim?”
minha agonia é metafísica,
meus nervos são de condão.
dói na carne quando se pisa,
o diabo diz que sim, ela não.
para termos um dia aprendido a nos comunicar
precisamos primeiro ter aprendido a esquecer.
quando eu digo: “eu acho que”
ela diz: “você só fala de você”.
quando eu digo: “então você...”
ela diz: “quem você pensa que é
para falar assim sobre mim?”
minha agonia é metafísica,
meus nervos são de condão.
dói na carne quando se pisa,
o diabo diz que sim, ela não.
"sexo"
acho que um homem
de verdade assusta
uma mulher.
eu pelo menos me sinto
assustado cada vez que
vejo uma mulher
passar.
de verdade assusta
uma mulher.
eu pelo menos me sinto
assustado cada vez que
vejo uma mulher
passar.
7.12.07
"garotas calmas e limpas em vestidos de algodão" (Charles Bukowski)
tudo o que eu sempre conheci sempre foram putas, ex-prostitutas,
loucas. vejo homens com mulheres calmas e
gentis - vejo-os nos supermercados,
caminhando juntos na rua,
eu os vejo em seus apartamentos: pessoas em
paz, vivendo juntas. sei que essa paz
é apenas parcial, mas
existe paz, muitas horas e dias de paz.
tudo o que eu sempre conheci foram boleteiras, alcoólatras,
putas, ex-prostitutas, loucas.
quando uma vai
outra vem
pior do que sua antecessora.
vejo tantos homens com garotas calmas e limpas em
vestidos de algodão
garotas com rostos que não são de predadoras ou de
feras.
"nunca traga uma puta junto com você", eu digo para meus
poucos amigos, "eu me apaixonarei por ela."
"você não consegue suportar uma boa mulher, Bukowski".
preciso de uma boa mulher. preciso de uma boa mulher
mais do que da máquina de escrever, mais do que do
meu automóvel, mais do que de
Mozart; preciso tanto de uma boa mulher que posso
senti-la no ar, posso senti-la
na ponta dos dedos, posso ver calçadas construídas
para seus pés caminharem,
posso ver travesseiros para sua cabeça,
posso sentir a expectativa da minha risada,
posso vê-la acariciar um gato,
posso vê-la dormir,
posso ver seus chinelos no chão.
eu sei que ela existe
mas em que parte deste planeta ela está
enquanto as putas continuam me encontrando?
loucas. vejo homens com mulheres calmas e
gentis - vejo-os nos supermercados,
caminhando juntos na rua,
eu os vejo em seus apartamentos: pessoas em
paz, vivendo juntas. sei que essa paz
é apenas parcial, mas
existe paz, muitas horas e dias de paz.
tudo o que eu sempre conheci foram boleteiras, alcoólatras,
putas, ex-prostitutas, loucas.
quando uma vai
outra vem
pior do que sua antecessora.
vejo tantos homens com garotas calmas e limpas em
vestidos de algodão
garotas com rostos que não são de predadoras ou de
feras.
"nunca traga uma puta junto com você", eu digo para meus
poucos amigos, "eu me apaixonarei por ela."
"você não consegue suportar uma boa mulher, Bukowski".
preciso de uma boa mulher. preciso de uma boa mulher
mais do que da máquina de escrever, mais do que do
meu automóvel, mais do que de
Mozart; preciso tanto de uma boa mulher que posso
senti-la no ar, posso senti-la
na ponta dos dedos, posso ver calçadas construídas
para seus pés caminharem,
posso ver travesseiros para sua cabeça,
posso sentir a expectativa da minha risada,
posso vê-la acariciar um gato,
posso vê-la dormir,
posso ver seus chinelos no chão.
eu sei que ela existe
mas em que parte deste planeta ela está
enquanto as putas continuam me encontrando?
4.12.07
“quatro doses de conhaque”
gosto de lamber impurezas
no meio de dobras quebradiças
e certamente alguma alma antiga,
algum espírito recém decapitado,
fala por mim nessas noites ou tardes
escuras de vento semelhante a vozes
no timbre das quais em vão procuro
o sal do tesão, a boca falsa do amor.
no meio de dobras quebradiças
e certamente alguma alma antiga,
algum espírito recém decapitado,
fala por mim nessas noites ou tardes
escuras de vento semelhante a vozes
no timbre das quais em vão procuro
o sal do tesão, a boca falsa do amor.
“poema curto de emoção fugidia”
e o que será, na rua fria,
do filho que eu não tive,
pairando nalgum ventre?
o que, me diga, da fadiga
da qual nós, disfarçados,
morremos às pressas
todo dia, toda tarde,
à noite, diariamente,
sem nem mais saber
que dias nos farão
outra vez presas intactas?
do filho que eu não tive,
pairando nalgum ventre?
o que, me diga, da fadiga
da qual nós, disfarçados,
morremos às pressas
todo dia, toda tarde,
à noite, diariamente,
sem nem mais saber
que dias nos farão
outra vez presas intactas?
"gênero"
poesia é fêmea,
poema é macho.
poesia é amplo,
poema, limitado.
poesia causa azia,
poema, problema.
poesia é algo morto
que enfim permanece
no que erradamente
julgamos como sendo
vida no seu dado
tempo.
poema é a distração
da rima na conservação
do erro, da faca sem fio
na alma, acerto objetivo
daquilo que já não
interessa.
poema é macho.
poesia é amplo,
poema, limitado.
poesia causa azia,
poema, problema.
poesia é algo morto
que enfim permanece
no que erradamente
julgamos como sendo
vida no seu dado
tempo.
poema é a distração
da rima na conservação
do erro, da faca sem fio
na alma, acerto objetivo
daquilo que já não
interessa.
1.12.07
“Augusto dos Anjos”
queria ter nascido Augusto dos Anjos
para compreender a sífilis parnasiana
que se antepõe e rói os nossos ossos.
queria ter nascido anjo para compreender
os vermes na essência da idéia positiva.
talvez fosse preciso essa maldição,
esse querer talvez um dia ter sido,
para que eu pudesse pensar em Augusto
– tão augusto, pobre Augusto! –
como ramificação do sumo de uma raça
na crucificação irrevogável do que passa –
e ainda somos todos a mesma quimera.
para compreender a sífilis parnasiana
que se antepõe e rói os nossos ossos.
queria ter nascido anjo para compreender
os vermes na essência da idéia positiva.
talvez fosse preciso essa maldição,
esse querer talvez um dia ter sido,
para que eu pudesse pensar em Augusto
– tão augusto, pobre Augusto! –
como ramificação do sumo de uma raça
na crucificação irrevogável do que passa –
e ainda somos todos a mesma quimera.
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