houve um dia,
apenas um dia
numa tarde escura,
em que engoli as nuvens:
o dia em que fui um deles.
e chorei sozinho por dores impossíveis
e tingi de preto meu coração por olhos amargos
e cuspi nas curvas de um destino insólito.
houve um dia,
apenas um dia
nos olhos da têmpora,
em que corri até o fundo
da biblioteca do ensino secundário
e com a falsa impressão de minha falsa modéstia
e a nítida sensação de estar sendo perseguido,
olhei em volta, as pessoas pareciam boiar
– elas também me olhavam!
houve um dia,
apenas um dia
em que todos boiavam,
e todos nos olhávamos porque
tínhamos entrado numa guerra suja.
mas tínhamos os planos desenhados
nas costas das mãos que nos batiam.
era um mundo duro, todos olhavam
por necessidade de ajuda.
sabíamos (mas ainda não sentíamos)
o peso da onda avassaladora da vida.
tínhamos medo, nossos peitos ardiam,
tínhamos nas mãos a prova do crime.
houve um dia,
apenas um dia
em que fui sensível,
quando no fundo escuro
da biblioteca do ensino secundário
encontrei um meu irmão de sina
nas páginas do “Crime e Castigo”.
então chupei o sangue da boca celeste
e vivi a beleza de algo que foi arrancado
pelas horas em que sofri de dor não minha,
mesmo que no fundo dor minha também fosse,
pois que sou filtro e cinzeiro do mundo,
mas o mundo é pesado e cinza demais
– esgarça o filtro.
por não saber o que era coragem assumi a batalha,
no fundo de uma biblioteca do ensino secundário.
e totalmente necessitado, estranho a mim mesmo,
pensei nos que, com muito mais habilidade,
também tiveram medo.
31.1.07
30.1.07
“portanto”
existe muita solidão no fato
de que tudo está sempre
em risco.
presos à ilusão dos fatos
para evitarmos correr riscos,
não estaríamos na verdade fadados
à realidade dos riscos de uma ilusão?
é de fato na ilusão do risco
que vive tragicamente
seu inverso.
porque a vida não tem aviso.
e nas muitas ilusões perpetradas
alçamos sem asas os nossos riscos
à condição boicote de nossas falhas.
de que tudo está sempre
em risco.
presos à ilusão dos fatos
para evitarmos correr riscos,
não estaríamos na verdade fadados
à realidade dos riscos de uma ilusão?
é de fato na ilusão do risco
que vive tragicamente
seu inverso.
porque a vida não tem aviso.
e nas muitas ilusões perpetradas
alçamos sem asas os nossos riscos
à condição boicote de nossas falhas.
29.1.07
“Chet Baker para principiantes”
é um sopro
de soldado ferido,
desordenado, árido,
silente, mas cálido.
é um sopro
que se refugia
no presídio oco
da dor embutida
no parto do som.
não são mais notas,
são sobrancelhas verticais
voltadas ao vértice
de contusões permanentes.
pois de ti a pobreza parideira
do ínfimo da maior entrega brota,
e enfim podemos, anti-vivos, ser.
é sempre tarde lacrimosa sob o seco
fatigado de um estúdio em cor sépia
quando tua silhueta me rasga de ecos.
tua corneta aponta:
segue a cadência...
(eu colo o ouvido na tua desatenção,
que circunda a vida com reticências
atrás das agulhas iludidas do perdão,
em busca da raiz das conseqüências).
e tua música irrompe,
com a minha falência.
“e você, que tipo faz?”
todos fazemos tipos.
eu faço o tipo desatento
ou tipo woody allen.
adoro o tipo woody allen.
sei que as mulheres gostam.
depois que descobri isso
me concentrei no tipo woody allen.
às vezes faço tipo hemingway.
o problema do tipo hemingway:
não é muito bom com as mulheres.
mas é ótimo com animais selvagens.
bem, algumas mulheres...
eu faço o tipo desatento
ou tipo woody allen.
adoro o tipo woody allen.
sei que as mulheres gostam.
depois que descobri isso
me concentrei no tipo woody allen.
às vezes faço tipo hemingway.
o problema do tipo hemingway:
não é muito bom com as mulheres.
mas é ótimo com animais selvagens.
bem, algumas mulheres...
26.1.07
“um blue”
há um homem nu sentado
numa cadeira de madeira pensando
numa mulher triste num sofá.
o homem nu pensa
que pensa sozinho
– não está.
existe algo que vai
entrar pela sua porta.
existe uma satisfação
pela neutralidade da cena.
há um amor arrancado
a fogo de dentro da pele.
existe uma pele esquecida
castrada do amor das almas.
existe uma música, um tremor?
não, não existe música ou tremor,
apenas um estado de fechar piano,
um blue mais fundo que o findo som.
há o tremeluzir de algo pairante,
que vai avante com violência.
a mulher triste num sofá
está pensando em Skip James,
no câncer maligno de Skip James.
o homem nu que há sentado
numa cadeira de madeira pensando
numa mulher triste num sofá
não sabe que ela está pensando
no câncer maligno de Skip James.
o homem nu que há sentado
numa cadeira de madeira está pensando
no câncer maligno de Skip James.
e assim os dois morrem
de pensar sem saber juntos
e Skip James sobrevive.
numa cadeira de madeira pensando
numa mulher triste num sofá.
o homem nu pensa
que pensa sozinho
– não está.
existe algo que vai
entrar pela sua porta.
existe uma satisfação
pela neutralidade da cena.
há um amor arrancado
a fogo de dentro da pele.
existe uma pele esquecida
castrada do amor das almas.
existe uma música, um tremor?
não, não existe música ou tremor,
apenas um estado de fechar piano,
um blue mais fundo que o findo som.
há o tremeluzir de algo pairante,
que vai avante com violência.
a mulher triste num sofá
está pensando em Skip James,
no câncer maligno de Skip James.
o homem nu que há sentado
numa cadeira de madeira pensando
numa mulher triste num sofá
não sabe que ela está pensando
no câncer maligno de Skip James.
o homem nu que há sentado
numa cadeira de madeira está pensando
no câncer maligno de Skip James.
e assim os dois morrem
de pensar sem saber juntos
e Skip James sobrevive.
24.1.07
“o secretário especial”
existe um homem careca,
robusto e de pernas finas
que alguém classificou:
“o secretário especial”.
sua função é especial,
usa roupas e cheiros
especiais, acorda sobre
uma cama que é especial
- café da manhã especial -
e desafia o mundo sempre,
especialmente falando.
segue com polainas especiais,
passa por um chafariz especial,
apanha o jornal, joga fora, cospe:
as notícias não são tão especiais
quanto o sorriso da sua soberania.
volta arrastando-se em pantufas especiais,
dá um bom-dia aos assessores, bajuladores
e vampiros, e segue direto até o seu único
ilimitado estado de especialidade especial.
depois de dar torno à torneira do chuveiro,
“comprar outra já! não é especial o bastante!”,
abre seu armário de armações especiais e nega
todos os ternos claros esquecidos no escuro.
não conheciam os rumos da sua chegada,
as contravenções da sua liberdade cativa.
seu nome ecoava pelos salões de ametista
e todos o amavam com os dedos cruzados.
usava medidas especiais para beneficiar
outras vidas especiais, que se tornaram
ainda mais, eternizando-se em módulos
– serão seus filhos assim tão especiais? –
que beiram alcançar o teto infinito do que
de se especializar racha-se, porque gesso.
robusto e de pernas finas
que alguém classificou:
“o secretário especial”.
sua função é especial,
usa roupas e cheiros
especiais, acorda sobre
uma cama que é especial
- café da manhã especial -
e desafia o mundo sempre,
especialmente falando.
segue com polainas especiais,
passa por um chafariz especial,
apanha o jornal, joga fora, cospe:
as notícias não são tão especiais
quanto o sorriso da sua soberania.
volta arrastando-se em pantufas especiais,
dá um bom-dia aos assessores, bajuladores
e vampiros, e segue direto até o seu único
ilimitado estado de especialidade especial.
depois de dar torno à torneira do chuveiro,
“comprar outra já! não é especial o bastante!”,
abre seu armário de armações especiais e nega
todos os ternos claros esquecidos no escuro.
não conheciam os rumos da sua chegada,
as contravenções da sua liberdade cativa.
seu nome ecoava pelos salões de ametista
e todos o amavam com os dedos cruzados.
usava medidas especiais para beneficiar
outras vidas especiais, que se tornaram
ainda mais, eternizando-se em módulos
– serão seus filhos assim tão especiais? –
que beiram alcançar o teto infinito do que
de se especializar racha-se, porque gesso.
"dialética do imponderável"
ou seja, nada daquilo que se faz por nada
com ganas pela substância branca do tédio.
sou precaução viária de corpos em choque,
guardanapos manchados de sustos feéricos
guardados no ventre dos astros que morrem.
comungo mudo e tudo foi sempre tanto que
quanto mais tanto menos comigo consigo, e
se fundar meu canto na vida fosse possível,
a ponto de ser alçado livre em estado bruto,
meu tanto que sem elos perdura na medula
seria enfim o mínimo que te necessito nua,
ou seja, tudo daquilo que se faz por tudo.
com ganas pela substância branca do tédio.
sou precaução viária de corpos em choque,
guardanapos manchados de sustos feéricos
guardados no ventre dos astros que morrem.
comungo mudo e tudo foi sempre tanto que
quanto mais tanto menos comigo consigo, e
se fundar meu canto na vida fosse possível,
a ponto de ser alçado livre em estado bruto,
meu tanto que sem elos perdura na medula
seria enfim o mínimo que te necessito nua,
ou seja, tudo daquilo que se faz por tudo.
21.1.07
“Edifício Lonely”
os olhos colados, a vida que ficou sob a cama
dos homens que seguem calados, semi-homens
jurados pelo silêncio da revolução dos poucos
cujos olhos refletem ilhas, cemitério da manhã.
esqueceram de esbaforir o presságio da veia rude,
e os corpos não levam nada para casa, nem casam
os que, sozinhos, semeiam com o sangue que urge
por dentro da multidão armada, que não pergunta.
mulheres (mulheres? - diapasão na pele da lágrima)
seguidas pelo ritmo falho do esquecimento sabem
quanto de zelo, quanto de acre, quanta terra funda
fecunda a tarde sobre vagões em pausas conflitantes.
todos seguem indistintos no ar, juntos como um só
nó de toda força apavorada que tarda e não diz por
quem, mas reza com abraços que amassam as feridas
e fundam sem aspas a poesia árdua da poesia extinta.
dos homens que seguem calados, semi-homens
jurados pelo silêncio da revolução dos poucos
cujos olhos refletem ilhas, cemitério da manhã.
esqueceram de esbaforir o presságio da veia rude,
e os corpos não levam nada para casa, nem casam
os que, sozinhos, semeiam com o sangue que urge
por dentro da multidão armada, que não pergunta.
mulheres (mulheres? - diapasão na pele da lágrima)
seguidas pelo ritmo falho do esquecimento sabem
quanto de zelo, quanto de acre, quanta terra funda
fecunda a tarde sobre vagões em pausas conflitantes.
todos seguem indistintos no ar, juntos como um só
nó de toda força apavorada que tarda e não diz por
quem, mas reza com abraços que amassam as feridas
e fundam sem aspas a poesia árdua da poesia extinta.
14.1.07
“Mateus 27:46”
Poderiam ser fogos e festins das festas do fim de ano. Poderia ser mais uma cerveja e poderiam ser muitas opiniões bocejadas por almas aflitas de pernas cruzadas superestimando a fumaça dos cigarros como extensão de almas piratas, opiniões nas quais se baseavam apenas para a conformação do fato de que poderiam até saber das coisas, mas simplesmente não era sempre possível acreditar nelas. Mas havia sim um estalo, algo que poderia se quebrar, uma linha tênue de serragem contra o sol como num filme de caubói. Mas era noite, era o som de algo se partindo por dentro, era um estalo de agonia. Eram peles sobre carnes sobre bactérias sobre ossos, mas era também um não reconhecimento e talvez três bons amigos complacentes, quando este som, quando este constrangimento sonoro fez um deles pigarrear, como quando um se sente mal por ter sido interrompido bruscamente ao discorrer sobre o imperativo categórico da extinta civilização alemã.
- Socorro, socorro! Levei um tiro no coração!
Entra um homem de não mais de trinta anos, mas difícil saber quantos anos tinha cada ano seu. No bar todos gritavam por dentro, estáticos, impávidos, latentes. Os três amigos parados, em pé, como militares aspirantes diante de uma prostituta búlgara. Uma mulher com rolinhos no cabelo, alguns soltos, surge com labaredas nos olhos, sobrancelhas retorcidas.
- Não deixem ele entrar! Tirem esse homem daqui!
O homem de pé, mas calmo, caindo. Cai e levanta, suado, e vomita sangue incontrolavelmente: ninguém se aproxima. Os três amigos, que há pouco falavam sobre mundos místicos, permanecem congelados. O homem se apóia no balcão, escorrega sobre a pasta de sangue carnoso e a mulher com rolinhos na cabeça se aproxima e lhe aplica vassouradas na região lombar. De repente um berro, muito agudo e desafinado, esganiçado, e então a mulher se afasta.
- Seus idiotas, vocês não fazem nada! Passa! Já pra trás do balcão!
Os três filósofos correm para trás do balcão. A mulher com rolinhos na cabeça ensopada de sangue coalhado. Sangue e coisas que parecem pedaços de sangue. A mulher entra em estado de choque e cai no chão, desmaiada. Os pequenos Kierkegaards então correm na direção da mulher e tentam não se sujar de sangue.
O homem em frente, também no chão, escorado no balcão, anuncia engasgos úmidos e tenta desesperadamente se levantar. Mantém os braços abertos e os olhos vidrados como se vissem algo monstruoso se aproximar, algo monstruoso e gigantesco e libertador, e do lado esquerdo do seu peito, pouco abaixo do ombro, ribomba uma cachoeira pulsante de sangue que segue em ritmo sincopado, diminuindo e aumentando o fluxo.
O homem caído então sobre os joelhos diz quase sem som, olhando para três reis magos indiferentes, também ajoelhados diante da mulher com rolinhos nos cabelos:
- Levei um tiro no coração... por favor... medo... tenho medo... me dá um abraço...
Há também uma cachoeira de sangue escoando pelas costas: o tiro lhe havia estraçalhado o ombro. Todos se afastam horrorizados, mas limpos. Um dos profetas corre para o banheiro com engulhos. A vida retorna ao seu estado de mistério. Natureza morta volta a reinar.
Todos fazem o sinal da cruz e vão para suas casas, abalados, famintos e cheios de assunto. Pouco depois, dois homens negros e sujos mal-vestidos de preto, galhofeiros, aparecem e arrastam o corpo murcho do homem que havia levado um tiro e morrido sem ganhar um abraço. E os que permanecem, tendo negado, mesmo sabendo, continuam com medo de abraçar.
- Socorro, socorro! Levei um tiro no coração!
Entra um homem de não mais de trinta anos, mas difícil saber quantos anos tinha cada ano seu. No bar todos gritavam por dentro, estáticos, impávidos, latentes. Os três amigos parados, em pé, como militares aspirantes diante de uma prostituta búlgara. Uma mulher com rolinhos no cabelo, alguns soltos, surge com labaredas nos olhos, sobrancelhas retorcidas.
- Não deixem ele entrar! Tirem esse homem daqui!
O homem de pé, mas calmo, caindo. Cai e levanta, suado, e vomita sangue incontrolavelmente: ninguém se aproxima. Os três amigos, que há pouco falavam sobre mundos místicos, permanecem congelados. O homem se apóia no balcão, escorrega sobre a pasta de sangue carnoso e a mulher com rolinhos na cabeça se aproxima e lhe aplica vassouradas na região lombar. De repente um berro, muito agudo e desafinado, esganiçado, e então a mulher se afasta.
- Seus idiotas, vocês não fazem nada! Passa! Já pra trás do balcão!
Os três filósofos correm para trás do balcão. A mulher com rolinhos na cabeça ensopada de sangue coalhado. Sangue e coisas que parecem pedaços de sangue. A mulher entra em estado de choque e cai no chão, desmaiada. Os pequenos Kierkegaards então correm na direção da mulher e tentam não se sujar de sangue.
O homem em frente, também no chão, escorado no balcão, anuncia engasgos úmidos e tenta desesperadamente se levantar. Mantém os braços abertos e os olhos vidrados como se vissem algo monstruoso se aproximar, algo monstruoso e gigantesco e libertador, e do lado esquerdo do seu peito, pouco abaixo do ombro, ribomba uma cachoeira pulsante de sangue que segue em ritmo sincopado, diminuindo e aumentando o fluxo.
O homem caído então sobre os joelhos diz quase sem som, olhando para três reis magos indiferentes, também ajoelhados diante da mulher com rolinhos nos cabelos:
- Levei um tiro no coração... por favor... medo... tenho medo... me dá um abraço...
Há também uma cachoeira de sangue escoando pelas costas: o tiro lhe havia estraçalhado o ombro. Todos se afastam horrorizados, mas limpos. Um dos profetas corre para o banheiro com engulhos. A vida retorna ao seu estado de mistério. Natureza morta volta a reinar.
Todos fazem o sinal da cruz e vão para suas casas, abalados, famintos e cheios de assunto. Pouco depois, dois homens negros e sujos mal-vestidos de preto, galhofeiros, aparecem e arrastam o corpo murcho do homem que havia levado um tiro e morrido sem ganhar um abraço. E os que permanecem, tendo negado, mesmo sabendo, continuam com medo de abraçar.
13.1.07
“Não leiam Espinoza”
confesso como um fantasma diante do túmulo:
de tudo que não vivi fiz análises horrendas e radicais
e deitei em terra minha própria face diante da face
retorcida.
olhos tentaram me atirar pedras, outros sangraram por mim,
e todos conhecemos algum tipo de guerra, não há imunidade.
portanto pertenço a todos indiscriminadamente,
sou todo parte.
pertenço a mim mesmo apenas como cerne, sarnas e sonhos.
meus poros respiram o silêncio das veias que brotam da vida,
vida natural fora da natureza morta que nos enfiaram
goela abaixo.
estáticos, observamos uns aos outros como quadros pintados
dentro de quadros.
de tudo que não vivi fiz análises horrendas e radicais
e deitei em terra minha própria face diante da face
retorcida.
olhos tentaram me atirar pedras, outros sangraram por mim,
e todos conhecemos algum tipo de guerra, não há imunidade.
portanto pertenço a todos indiscriminadamente,
sou todo parte.
pertenço a mim mesmo apenas como cerne, sarnas e sonhos.
meus poros respiram o silêncio das veias que brotam da vida,
vida natural fora da natureza morta que nos enfiaram
goela abaixo.
estáticos, observamos uns aos outros como quadros pintados
dentro de quadros.
12.1.07
“minutos atrás”
uma vez fomos jovens
e detestávamos o tratamento “jovem”.
éramos cheios de arrogâncias e medos,
mas éramos ternos, chorávamos juntos.
os abraços eram motivos de palmas abertas
e as promessas verdadeiras promessas,
pois, sem referência, prometíamos prometer.
- e isso minutos atrás...
agora somos couraças,
menos arrogantes, ainda com medo,
preocupados em mostrar humildade –
afinal sabemos um pouco mais, não tudo
sobre os baques de um mundo frio –
e exigem de nós uma atitude particular
e ninguém sabe que atitude deve atuar,
mas todos dizem: “uma atitude madura”.
e que é uma atitude madura senão
perto de apodrecer e cair?
nós ainda somos jovens,
mas agora eles nos chamam “adultos”,
e já não nos envergonha a palavra “jovem”.
procuramos por ela livres nos nossos sonhos,
mas, como adultos, temos as raízes extraídas.
exigem de nós um comportamento adequado,
exigem que falemos dos nossos progressos,
exigem que tomemos decisões permanentes.
perdidos numa selva de signos,
tateamos atrás da nossa juventude estuprada,
que sangra silenciosamente por nossas mãos.
e aquilo que antes não nos dizia nada
hoje declara por inversão o que somos
e o que desistimos de ser por auto-afirmação.
os abraços ainda são longos, não mais eternos,
mas o sentimento, que é seu núcleo e colágeno,
hesita em olhos arregalados que já não se cruzam.
desconfiados, recorremos às sombras das ruelas
e aos gargalos do esquecimento: ruminação perplexa.
ainda damos bom-dia,
mas onde estão os dias?
à noite saímos e fazemos festa,
mas o que fizeram com a festa?
de dia dormimos como jovens,
à tarde sofremos como adultos,
à noite bebemos como velhos.
somos um todo cheio de nada,
palavras descoladas das frases.
os olhos reservam ternura em seus poros
como fossem gravatas feitas por encomenda.
de repente a loucura saiu de moda, virou tendência.
saímos de moda com nosso futuro de veias abertas.
de reis provisórios em monarquias de algodão-doce
– eles bem que nos avisaram para não ousarmos –
passamos a coringas convulsos num baralho sujo.
éramos a nova era, a esperança do óvulo primordial,
podíamos morrer por cada uma de nossas inclinações:
morríamos todos os dias só para ganhar tempo.
uma vez mentíamos apenas para pintar os cabelos
brancos de uma verdade melancólica entranhada.
hoje mentimos pois a realidade tornou-se um mito
e, mesmo assim, esperamos juntos debaixo do sol
pela ressurreição pontual da nossa pobre juventude,
que de lágrimas desconexas tornou-se ranço poético.
- e isso minutos atrás...
e detestávamos o tratamento “jovem”.
éramos cheios de arrogâncias e medos,
mas éramos ternos, chorávamos juntos.
os abraços eram motivos de palmas abertas
e as promessas verdadeiras promessas,
pois, sem referência, prometíamos prometer.
- e isso minutos atrás...
agora somos couraças,
menos arrogantes, ainda com medo,
preocupados em mostrar humildade –
afinal sabemos um pouco mais, não tudo
sobre os baques de um mundo frio –
e exigem de nós uma atitude particular
e ninguém sabe que atitude deve atuar,
mas todos dizem: “uma atitude madura”.
e que é uma atitude madura senão
perto de apodrecer e cair?
nós ainda somos jovens,
mas agora eles nos chamam “adultos”,
e já não nos envergonha a palavra “jovem”.
procuramos por ela livres nos nossos sonhos,
mas, como adultos, temos as raízes extraídas.
exigem de nós um comportamento adequado,
exigem que falemos dos nossos progressos,
exigem que tomemos decisões permanentes.
perdidos numa selva de signos,
tateamos atrás da nossa juventude estuprada,
que sangra silenciosamente por nossas mãos.
e aquilo que antes não nos dizia nada
hoje declara por inversão o que somos
e o que desistimos de ser por auto-afirmação.
os abraços ainda são longos, não mais eternos,
mas o sentimento, que é seu núcleo e colágeno,
hesita em olhos arregalados que já não se cruzam.
desconfiados, recorremos às sombras das ruelas
e aos gargalos do esquecimento: ruminação perplexa.
ainda damos bom-dia,
mas onde estão os dias?
à noite saímos e fazemos festa,
mas o que fizeram com a festa?
de dia dormimos como jovens,
à tarde sofremos como adultos,
à noite bebemos como velhos.
somos um todo cheio de nada,
palavras descoladas das frases.
os olhos reservam ternura em seus poros
como fossem gravatas feitas por encomenda.
de repente a loucura saiu de moda, virou tendência.
saímos de moda com nosso futuro de veias abertas.
de reis provisórios em monarquias de algodão-doce
– eles bem que nos avisaram para não ousarmos –
passamos a coringas convulsos num baralho sujo.
éramos a nova era, a esperança do óvulo primordial,
podíamos morrer por cada uma de nossas inclinações:
morríamos todos os dias só para ganhar tempo.
uma vez mentíamos apenas para pintar os cabelos
brancos de uma verdade melancólica entranhada.
hoje mentimos pois a realidade tornou-se um mito
e, mesmo assim, esperamos juntos debaixo do sol
pela ressurreição pontual da nossa pobre juventude,
que de lágrimas desconexas tornou-se ranço poético.
- e isso minutos atrás...
10.1.07
“se eu fosse canhoto”
não valho nada – nada é muito – e isso é tudo.
mesmo assim continuo, reclamo em silêncio,
me equivoco a dois sozinho na falta de idéia melhor.
não há nenhum atributo de que me orgulhar acordado,
então durmo. permaneço de pé. alma acende um cigarro.
já não sei conversar, assim sendo falo mais do que devo.
nos bares, entre amigos que não me conhecem, falho e baixo os olhos.
faço rir com minha conversa arrastada de falsos pergaminhos,
divirto as máscaras da náusea com minhas confissões,
permaneço como os olhos infinitos dos retratos nas paredes.
já não nos conhecemos, mesmo assim trocamos bocejos: pagamos a conta.
a caminho de casa, esqueço o que aconteceu, não durmo, sonho de estátua.
dizem que sou um sujeito honesto, digno: sou capaz de chorar mentiras.
muitas vezes pensei em pessoas mortas e, antes disso, negava-lhes perdão.
posso roubar pequenos objetos e uma vez urinei numa sala de projeção:
um dia roubarei vinhos caros e os esconderei da minha morte.
tenho medo, admito, mas não sei o que fazer com o que não posso admitir.
todos estão com medo, medo hoje é vergonha, ninguém sabe o que fazer,
os que inventam uma resposta provisória enriquecem ou viram nome de rua:
bronze fundido, mas ninguém tem nada a ver com isso. seguimos em frente.
não virarei tempo fundido - desculpas a meu pai - não seguirei
- não sei parar.
sim, leio bastante... não lembro de nada. e graças a deus!
leio fariseus para esquecer da cruz. leio para não ter razão.
sim, posso ser fausto, lisonjeiro, às vezes até quando bêbado.
sou também um sujeito delicado, apenas delicado e assustado...
(agora, falemos a verdade)
...assustado mas que continua agarrado
a algo que permita não olhar para trás,
para os fios de esperança caídos na pia,
para as masturbações formigas mentais,
para o sexo silencioso das vergonhas cínicas,
para a fermentação ausente do acúmulo flácido,
para deidades escavadas em cavernas de preguiça,
revanche amarga da mudez violentada por lágrimas iluministas.
não, não estou assustado - não, minhas mãos não estão tremendo.
não é susto, é medo - um medo antecedente de um crime.
um medo adormecido – vergonhoso - medo que se cala – adormecidos,
todos, o tempo todo nos põem isso na cabeça com sorrisos e falta de,
com gestos trêmulos de desprezo e aquelas mãos na frente dos rostos,
e preocupações silenciadas por pigarros de hóstia e egoísmo solidário.
sim, medo de assumir a nulidade como além de um sintoma filosófico.
recebo cartas de quem não conheço, os espíritos debatem flores mortas.
mas sinto conhecer essas pessoas tão tristes quanto palavras irreparáveis,
porque leio nessas cartas mais ou menos as mesmas bruscas síncopes
que me levam a enlouquecer de medo de enlouquecer de medo:
vejo letras desesperadas nessas cartas, bonitas e calmas como o penhasco.
vejo facadas pelas costas em matas impenetráveis,
mas vejo coragem também e num minuto estou longe,
porque não sou corajoso, não sei me arriscar, não espero nada,
sigo para trás, me acostumei com muito, com nada,
com “necessidades intelectuais superiores”.
mas meu coração é fraco, teme soluçar,
por isso não se fixa nos vazios externos.
meu sentimento tolo, punhado de quase-encontros,
mora no meu pé esquerdo. mas eu chuto com o destro.
"Em face dos últimos acontecimentos"
Oh! sejamos pornográficos
Oh! sejamos navegantes,
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?
bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.A tarde pode ser triste
e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico.Propõe isso ao teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculos
e à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?
Carlos Drummond de Andrade
6.1.07
“efeito da sombra de uma mariposa”
Estava pronto para – não estava pronto – escrever o que não havia conseguido presenciar com a devida entrega, quando reparou na sombra de uma mariposa pousada sobre seu travesseiro e aquilo era, só poderia ser uma anunciação de que algo cobriria novamente suas expectativas com gracejos e reduziria as teorias sobre a substância de deus e da ordem e da moralidade a doze balas de tédio no peito de uma senhora que carregava compras e foi coberta pelas cinzas as mesmas que fizeram com que sua substância transitória – agora que se lembrava da senhora na rua, além das ruas da senhora na rua, do seu tranqüilo desprezo e das suas unhas aquilinas – se encarregasse de tardes autenticamente vagas e fundas quando se pensa por quanto tempo os pregadores serão foices e os pacifistas o boca-boca das novas epidemias sociais e, nesse meio-tempo, entre a vontade e a necessidade no duto da liberdade limitada pelo amor que é chumbo e culpa e bem pouco liberdade, ora pensando no pó de vidro que sufocou Espinosa, sentiu a carne lhe coçar e arder nas costas, e de repente (não mais que de repente: uma citação) penas ultrapassam-lhe os poros, penas brancas e úmidas da cor de uma alucinação pura, os olhos enchem-se de areia fina, farinha de tudo em volta às voltas com dunas e precipícios teletransportáveis e ele havia deixado de amar coisas importantes simplesmente porque tudo parecia importante e um começo precisava ser estabelecido com cuidado e urgência, ele havia odiado por puro capricho olhando para céus superestimados, ele havia tentado sussurrar timidamente no ouvido de deus o que nem mesmo os grandes poetas conseguiram ecoar de suas cachoeiras submersas, ele havia falado com sotaque carregado de impurezas a língua das nuvens – e havia se encharcado dos seus dias de sorte cinzenta, com sua essência universal e seu mistério pré-temporal – que o afastava dos homens sendo ele como nuvem, constante e vagarosamente distante, cada vez mais longe... E de longe ele poderia finalmente amar os homens, entender suas convenções e seu ódio, porque, encharcado de vendavais noturnos, já não havia ódio ou amor nas suas entranhas, já não havia entranhas, e também não era paz, era um estar de olhos arregalados no escuro, era o chumbo da passagem repleta de distrações e exaltações hesitantes, a linha bandida entre trincheiras habitadas por soldados expatriados que assinam as cartas das famosas garrafas perdidas em alto mar: era portanto cálido que ainda fosse possível pensar em sombras e solidão, era portanto um vício esse tal jeito de olhar inclinado para o céu, ele só tinha carinho e passagem para oferecer, pertencia às pedras que lhe bloqueavam o caminho, não era nada que se pudesse afixar em síndromes operacionais, nada que corresse para um determinado ponto de desencanto ou sorte, como nuvem ele era sobre-humano, como humano um fardo de lágrimas – com a leveza do mercúrio maquiava as estrelas com pó-de-arroz, essas rainhas de cabaré, agentes fúnebres da doença inaugural que, quando extinta (e é a favor da sua extinção que lutamos dia após dia pelo bem-estar social), será o fim de mais uma era apenas de passagem, num gigantesco rito cósmico de passagem substancial, fogo e amor e Carlos Drummond de Andrade, e ao reparar na sombra que alçava asas sobre as fibras trançadas do seu travesseiro molhado de guerras mitológicas, da sua atual posição de nuvem enclausurada por cordilheiras enfeitadas com fios desencapados, pensou em como a era das mariposas havia passado – pobres asas melancólicas de um mundo corroído por parasitas refinados e cegos bem-intencionados – sem que a esta incrível forma supra-histórica restasse qualquer rasto de ordem das coisas, a não ser essa ordem à prestação vendada com hipocrisia sob a forma de deuses com bigodes irados, então ele chorou como chora um ser humano diante da cruz noturna de cada dia a menos – onde estão os dias a mais, quem os monopolizou? – lágrimas nem salgadas nem doces, lágrimas neutras, infelizes mas conscientes – e de que adianta se, enquanto isso, alguns demônios vendem almas no atacado e outros hibernam ao som do tique-taque de todos os corações sedentos, desnorteados.
4.1.07
"simples"
meu amor
é culpa das
noites banais
e das flores
encurvadas
por poderes
sobrenaturais.
alimentação
dura de paredes
inconstantes.
é culpa das
noites banais
e das flores
encurvadas
por poderes
sobrenaturais.
alimentação
dura de paredes
inconstantes.
“escritor fracassado corta fora sua mão durante uma crise nervosa”
(ou, romanticamente falando: “do ato de criação”)
primeiro se forma como uma bolha de espaço entre os pensamentos,
uma bolha que a princípio não causa nada além de um inchaço,
mas que o tempo enche até tornar o cérebro e todo corpo bolha.
então essa bolha se enche de mim – eu passo a me confundir com ela.
é claro, para tal são necessários:
uma tragédia,
uma brusca ruptura,
em suma, um nascimento.
a bolha então se disfarça em grandes calos de paz
para reanimar minhas forças e desviar minha atenção.
então acredito que tudo não passou de absurdo, nonsense,
entretanto a cabeça inchada, o nariz entupido, a vontade mórbida.
uns voltam às suas desatividades,
outros retomam sua radioatividade,
muitos matam, poucos sobrevivem,
mas estamos todos lá.
eu me sento espantado no sofá
da sala onde existe uma televisão.
uma sala simples, sofá cadeira,
uma sala clara, uma alma de mentira.
a bolha, inchada demais para prosseguir intacta,
escorre em pus pelos meus olhos: não são lágrimas.
olho para minhas mãos,
mãos que passo os dias comendo porque não me dão nada,
minhas mãos macias como memória distante,
como um dia me disseram: inaptas ao trabalho árduo.
elas ainda não me dizem nada,
mas já não são mais minhas mãos, estão inchadas:
tornaram-se bolha também.
estão feridas também, mas já não têm mais medo:
esperam ansiosas e urgentes pelo destino injusto.
sento-me então de frente para o infinito,
humilde e distante, passivo.
olho de novo para as mãos:
estão transparentes, cheias da minha própria substância,
mas me contestam, me levam à loucura, criam códigos indecifráveis,
mãos transparentes mas me atocaiam na escuridão de muros fictícios,
mãos que não respeitam minhas necessidades vitais ou meus desejos.
sem saber o que fazer, me deixo abduzir pela verdadeira posse,
e uma ausência louca de rédias se apodera do meu patético-frágil.
levanto, apanho uma faca:
as mãos precisam desaguar
primeiro se forma como uma bolha de espaço entre os pensamentos,
uma bolha que a princípio não causa nada além de um inchaço,
mas que o tempo enche até tornar o cérebro e todo corpo bolha.
então essa bolha se enche de mim – eu passo a me confundir com ela.
é claro, para tal são necessários:
uma tragédia,
uma brusca ruptura,
em suma, um nascimento.
a bolha então se disfarça em grandes calos de paz
para reanimar minhas forças e desviar minha atenção.
então acredito que tudo não passou de absurdo, nonsense,
entretanto a cabeça inchada, o nariz entupido, a vontade mórbida.
uns voltam às suas desatividades,
outros retomam sua radioatividade,
muitos matam, poucos sobrevivem,
mas estamos todos lá.
eu me sento espantado no sofá
da sala onde existe uma televisão.
uma sala simples, sofá cadeira,
uma sala clara, uma alma de mentira.
a bolha, inchada demais para prosseguir intacta,
escorre em pus pelos meus olhos: não são lágrimas.
olho para minhas mãos,
mãos que passo os dias comendo porque não me dão nada,
minhas mãos macias como memória distante,
como um dia me disseram: inaptas ao trabalho árduo.
elas ainda não me dizem nada,
mas já não são mais minhas mãos, estão inchadas:
tornaram-se bolha também.
estão feridas também, mas já não têm mais medo:
esperam ansiosas e urgentes pelo destino injusto.
sento-me então de frente para o infinito,
humilde e distante, passivo.
olho de novo para as mãos:
estão transparentes, cheias da minha própria substância,
mas me contestam, me levam à loucura, criam códigos indecifráveis,
mãos transparentes mas me atocaiam na escuridão de muros fictícios,
mãos que não respeitam minhas necessidades vitais ou meus desejos.
sem saber o que fazer, me deixo abduzir pela verdadeira posse,
e uma ausência louca de rédias se apodera do meu patético-frágil.
levanto, apanho uma faca:
as mãos precisam desaguar
2.1.07
"Cheers for Charles"
Não fale sobre o que
você já fez
Não fale sobre o que
você não fez.
Não fale.
Não dê bom dia
a alguém de ressaca
Não dê boa noite
a alguém sem sono
Não dê.
Não jogue pedrinhas
na minha janela
Não falseie a voz, Romeu
não toque o violão
Não faça.
Não discuta arte
com poetas mortos
Não se aproxime
dos que se dizem vivos
Não se aproxime.
Não me fale sobre
os filmes que você viu
Não cubra esse bocejo
amarelo de agonia
Não cubra.
Não guarde panfletos
não distribua panfletos
não aceite panfletos
não seja um panfleto
Não seja.
Seja sensível sem ser sentimental
mas jamais tente ser sensível
Evite discussões filosóficas
mas, se inevitáveis, esteja armado
Não atire!
Não pergunte o que uma pessoa quer dizer
depois que ela disser alguma coisa
Se você não entendeu de imediato
não vai entender em um milhão de anos
Não tente.
Não fale em alma ou em deus
como se fossem coisas separadas
Não fale em alma ou em deus
como quem falasse de uma arma
Não fale.
Tente não ficar velho o bastante
para se sentir velho o bastante
Mas, se isso for inevitável,
compre uma espingarda
Não ouse!
Não discuta ou queira entender fatos
Não leia jornais nem assista ao noticiário
É sua única chance de escapar, mas
isso não significa que você vai escapar
Não escape.
Mergulhe sempre
o mais fundo que puder
Não guarde o ar
com medo de não ter ar
Não tema.
Não se esqueça: acima de tudo
nunca deixe que te digam
o que é certo ou absurdo
Não deixe que te ponham na mira
Não pare.
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