10.1.07
“se eu fosse canhoto”
não valho nada – nada é muito – e isso é tudo.
mesmo assim continuo, reclamo em silêncio,
me equivoco a dois sozinho na falta de idéia melhor.
não há nenhum atributo de que me orgulhar acordado,
então durmo. permaneço de pé. alma acende um cigarro.
já não sei conversar, assim sendo falo mais do que devo.
nos bares, entre amigos que não me conhecem, falho e baixo os olhos.
faço rir com minha conversa arrastada de falsos pergaminhos,
divirto as máscaras da náusea com minhas confissões,
permaneço como os olhos infinitos dos retratos nas paredes.
já não nos conhecemos, mesmo assim trocamos bocejos: pagamos a conta.
a caminho de casa, esqueço o que aconteceu, não durmo, sonho de estátua.
dizem que sou um sujeito honesto, digno: sou capaz de chorar mentiras.
muitas vezes pensei em pessoas mortas e, antes disso, negava-lhes perdão.
posso roubar pequenos objetos e uma vez urinei numa sala de projeção:
um dia roubarei vinhos caros e os esconderei da minha morte.
tenho medo, admito, mas não sei o que fazer com o que não posso admitir.
todos estão com medo, medo hoje é vergonha, ninguém sabe o que fazer,
os que inventam uma resposta provisória enriquecem ou viram nome de rua:
bronze fundido, mas ninguém tem nada a ver com isso. seguimos em frente.
não virarei tempo fundido - desculpas a meu pai - não seguirei
- não sei parar.
sim, leio bastante... não lembro de nada. e graças a deus!
leio fariseus para esquecer da cruz. leio para não ter razão.
sim, posso ser fausto, lisonjeiro, às vezes até quando bêbado.
sou também um sujeito delicado, apenas delicado e assustado...
(agora, falemos a verdade)
...assustado mas que continua agarrado
a algo que permita não olhar para trás,
para os fios de esperança caídos na pia,
para as masturbações formigas mentais,
para o sexo silencioso das vergonhas cínicas,
para a fermentação ausente do acúmulo flácido,
para deidades escavadas em cavernas de preguiça,
revanche amarga da mudez violentada por lágrimas iluministas.
não, não estou assustado - não, minhas mãos não estão tremendo.
não é susto, é medo - um medo antecedente de um crime.
um medo adormecido – vergonhoso - medo que se cala – adormecidos,
todos, o tempo todo nos põem isso na cabeça com sorrisos e falta de,
com gestos trêmulos de desprezo e aquelas mãos na frente dos rostos,
e preocupações silenciadas por pigarros de hóstia e egoísmo solidário.
sim, medo de assumir a nulidade como além de um sintoma filosófico.
recebo cartas de quem não conheço, os espíritos debatem flores mortas.
mas sinto conhecer essas pessoas tão tristes quanto palavras irreparáveis,
porque leio nessas cartas mais ou menos as mesmas bruscas síncopes
que me levam a enlouquecer de medo de enlouquecer de medo:
vejo letras desesperadas nessas cartas, bonitas e calmas como o penhasco.
vejo facadas pelas costas em matas impenetráveis,
mas vejo coragem também e num minuto estou longe,
porque não sou corajoso, não sei me arriscar, não espero nada,
sigo para trás, me acostumei com muito, com nada,
com “necessidades intelectuais superiores”.
mas meu coração é fraco, teme soluçar,
por isso não se fixa nos vazios externos.
meu sentimento tolo, punhado de quase-encontros,
mora no meu pé esquerdo. mas eu chuto com o destro.
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3 comentários:
Ana C. pulou da estante esta tarde -acaso assombroso- e me pediu pra te dizer isso:
"Frente a Frente, derramando enfim todas as palavras, dizemos com os olhos, do silêncio que não é mudez.
E não toma medo desta alta compadecida passional, desta crueldade intensa de santa que te toma as duas mãos".
A parte boa de ter estado contigo é que agora te ouço dizer tudo isso que leio, e aposte, é bem mais real, mesmo às vezes não sendo e então tudo vira continuação de conversas que não terminam nunca.
(saudade de você)
pena que tenho andado tão anti-literária.
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