16.5.18

“mistérios mortíferos”

para ramon

acho que na época eu nascia,
o que sempre me pareceu
um privilégio antecedido                              
por uma desgraça coletiva.

posso dizer que, pela minha lembrança,
eram os amigos dos meus pais que morriam.

todos me pareciam muito velhos,
mas sei hoje que eram jovens
e que isso era basicamente algo
que acontecia aos que eram jovens
na época em que eu nascia.

naquela época eram as grandes viagens,
amigos queridos, sempre os mais carinhosos,
os que me levavam a comer coxinha com guaraná
e contavam histórias hilárias e estavam sempre
com os olhos vermelhos – acho que de tanto rir.

eles viajavam sem perspectiva muito clara
– não para uma criança – de que voltariam,
o que me deixava com raiva de todos eles,
com vontade de que todos eles morressem.

mas agora tudo isso
que poderia ser bonito
soa triste e venerável.

uma coisa que acontecia aos jovens,
matava os novos e os desbravadores.

não era isso que meus pais me diziam,
eles falavam de primatas e selvas africanas.
é o que eu imagino agora: jovens mortos,
mas, como eu era criança, eram velhos,
mas eram velhos que dançavam muito.

nasci na década dos mistérios mortíferos
e hoje penso nisso como uma camisa
rasgada que se gosta de usar porque
é a que deixa nosso corpo mais bonito.




Um comentário:

ramonlvdiaz disse...

Lembro das propostas de Drummond com o "Sentimento do Mundo". De lá para cá o mundo ficou pequeno, terrivelmente pequeno e corriqueiro. E dificil basear-se em mysterios que parecem cada vez mais caricatos, em metafísicas que carregam bandeiras e/ou agendas. A ciência pulverizou a si mesma, não há mais um desejo ou sonho de homem universal, apenas o profundo conhecimento que nos leva a ruas sem saída... Como há tanto tempo se tenta pelos físicos teóricos, unir as quatro forças básicas, tentamos nós os poetas pós-contemporâneos, unir sem muito sucesso mas com muito desassossego e madrugas insones o universal e o particular.

um grande abraço irmão