3.4.15

"cavalo açoitado"



o cavalo arreganha
os dentes para o beijo.
há uma infinita beleza
na remela de seus olhos.
resplandecem os olhos
do cavalo maltratado,
de joelhos na terra dura
choro pela primeira vez.

determino o ponto
de vista do chicote.
ele brilha no estalo
enquanto de joelhos
pereço a sua frente
em grotesca afeição.

um dia brilhei eqüino
e carregava o chicote.
agora de joelhos vejo
nas remelas do cavalo
a curiosa antecipação
da nova fraternidade:
o chicote noutra mão.

beijo a boca do cavalo
de joelhos, aos prantos.
atenho-me ao relincho
que outrora saía rouco.

e agora o cavalo mudo
evolui minha trajetória
sem relincho e os olhos
remelentos de suportar
um fardo insignificante
mas de todo modo letal.

penso no resto do mundo,
o resto do mundo é tudo
o que não sou eu – aquilo
que relincha – e o chicote
brilha como o último sol.

o cavalo não me olha
nos olhos enquanto
eu quero o seu bem,
enquanto sinto amor.

atravessei a orquestra,
deus depôs o sapatear
e cavalos não dançam.
e te lanças ao inverno
em forjada redenção.

Um comentário:

Isadora P. disse...

Muito bonito, árido e de uma secura rigorosa, treinada. dá para sentir um certo fim de claustro, um fino escape de ar, sopro de alívio exausto como leve ruído no texto.