31.3.12

"linda remix"

ver você tornou-se acordar
para o vinho para a cidade
andar às pressas para chegar
a incríveis adivinhações telepáticas
e deve haver algo de mágico
em comprar cigarros finos e longos
estranhos comportamentos justos
comportamentos porque não há
coração que por vezes não mude
de cigarros e aqui estou vendo
tua estante teus olhos imensos
pensando de que olhos estou
falando e falando e pensando
que bom quando tivermos
um filho o nariz vai ser médio
porque o meu é pequeno e o teu
é grande e quando tivermos um filho
e passarmos fome com ele eu ajudarei
com meu excesso de gordura para que
ele não se corrompa muito rápido
devido à sua magreza devido a
fazer incríveis adivinhações serei
houdini ou paul mccartney mesmo
com aquela cara de buldogue inglês
aqui estou mais uma vez subindo
às pressas para ver tua escrivaninha
teus livros teu cabelo sempre outro
teu rosto que é de mulher de velha
de criança insatisfeita que diz estou
triste porque hoje o dia foi chuvoso
mas não reclame eu diria como paul
a chuva cai só para você e para mim.

28.3.12

"assalto à livraria"

suando e tremendo e sinta só meu coração valente
escorrendo a beleza única dos olhos virados
quero escrever teus ossos tua carne e pelos
preciso romper na tua carne o prazer do dia
tuas costas teus ombros teus dedos olhos nariz sobrancelhas
e meu deus esqueça as linhas exatas quero ser atropelado
e fazer torta minha estrofe ansiosa de margens
curta e longa e curta e longa como nosso ritmo é preciso
variar através dos tempos porque agora aqui é o início dos tempos
quero que um carro me atropele
quero que um cachorro morda meu tornozelo com raiva
quero cair do mais alto penhasco
quero colocar pedras nos bolsos e submergir no rio
quero um tiro no peito e gritar ó minha dulcinéia
e te juro meu amor eu cairei sorrindo e te darei meus dentes
e gengivas e sexo e pudor e sorrisos tímidos eu te darei a mim
eu quero te engordar eu quero te engordar eu quero te engordar
eu quero rasgar esta página e fazer com ela pássaros sombrios
algo precisa acontecer uma catástrofe
ou do contrário estarei apaixonado
e apaixonado você disse para isso não é preciso muita coisa
uma aqui outra ali mas que se dane como é isso
o que é preciso é preciso ou do contrário...
afogado em banheira de hotel congelado em desamor russo
é preciso que de alguma forma eu me desintegre
e retome o espírito ancestral sem causa e com fome
mas eles chegaram finalmente os homens com trabucos
eles não pediram identidade ou permitiram o desejo final
entraram e eram finalmente os piedosos em ação
a gente vai se tornando a gente muito lentamente
não dá tempo de mudar nada eu pensei quando o tiro
finalmente me fez em vermelho e eu estava com flores para ti.

24.3.12

"contra o poema"

o ponto morto do poema é o ponto
vivo do poeta, mas, vivo, o poeta
pode apenas vislumbrar o resto
de osso e carne que o aguarda
na insurreição da palavra morta.

é preciso viver, enfim, é preciso
matar o poema ou, do contrário,
seremos mortos de olhos híbridos
apalpando com preces o monstro
biológico, gosma ainda palpitante,
que chamam arte, amor na chuva.

cabe ao verso negar o pálido reflexo
do que, morto, cabe bem na página.

aos mortos cabe o sangue indeciso
daquilo que vacila em concreto fácil:
sovas em acontecimento suspenso.

o poeta é um olho morto convulsivo,
a ele o vácuo da imensidão rasteira.

forçar palavra em pulso de gangrena,
deflorar enfim a vida em sua essência
de assassinato, em sua roupa insegura.

nem corpo de balé, nem água caridosa.
esvair-se feito espinho, ficar feito rosa.

pobre sujo, viúvo, tenebroso, e que pele
mais pura por dentro da garganta nobre.

a vida de um poeta é a morte de um raio.

“madaleine in furs”

pedir que ele me socorra!!!
espera.
preciso fazer xixi.
posso?
estou aqui, você engoliu o teu poema.
siga.
volte umas estrofes.
faça.
vamos logo.
bela pergunta, máquina.
casa comigo.
estou aos prantos, ficou muito melhor
muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito!
e eu sou um idiota, portanto não valide.
estou chorando como quem perde a mãe,
vou ao banheiro lavar o rosto.
me mijei nas cuecas
É SÉRIO, POR QUE VOCÊ FALA COMIGO?
desculpe o caslock,
capslok,
é assim, não? lock
lock?
tem a parte de salvar a sua vida.
daí em diante, eu virei pasta.
você ri bastante. é lindo.
uahuahuahuahuhauahuahuahuaahuahuahuahuah!
mentira, estou chorando.
sim, a cara de babaca.
sim, de órgãos não reconhecidos.
sim, estou te imitando.
sim, existe um orgulho trêmulo.
sim, quem sabe.
mentira, estou chorando.
sim, a cara de babaca.
sim, blá-blá-blá.
bate firme à máquina.
dedos ligeiros, medo de órfão.
leo, você não ia mijar?
faça o poema da minha vida, e então morrerei feliz,
com o pau na mão, indo mijar.
(desculpe, sou siciliano,
antes um belo sangue escorrendo, como o do pavese)
é um parênteses
ahuahuah...
mije.
me dá cinco minutos.

“pequeno expediente”

ei, foi ótimo você ter ligado.
sim, era só o que eu podia fazer.
bom, convide-me.
alô!!!!
te juro, te vejo, é a segunda vez.
me incomoda um pouco te ver na verdade, eu paro de pensar.
exatamente.
eu não sei.
aqui você está.
e eu não sei, deve ser algo comum.
me ajuda a pensar.
sobre a câmera.
eu me vi, foi horrível!
te espero, estou bebendo uma cachaça,
dizem que é boa, mas é cachaça,
você reparou em algo ao telefone?
digo, a voz embargada?
sim, é assim mesmo.
ótimo.
pegue o vinho.
linda parede, parece a morte.
é impressionante que você não saiba me ensinar isso.
câmera/voz
devemos nos apaixonar, você parece tão alta!
parece um metro e noventa.
vou tentar de novo.
que câmera?
ela estava com a luz ligada agora.
não está mais.
eu te chamo.
tem uma senha ou um número, certo?
nao tenho nenhum dos dois
sim...
ahhhhhhhhhhh!
auto explicativo, como olavo bilac.

14.3.12

"um morto como outro"

você me deixa nervoso
querendo fazer música
como se fosse mamunia
e não gosto de paul mc
acho ele bobo enrolado
por mulher como meu
próprio pai e no fundo
olhar para paul significa
pensar: serei eu assim?
e imediatamente mexo
a cabeça como um louco
e não sou louco meu pai
é mais louco do que eu
e foi e é bem mais fácil
de enrolar do que sou
mas ainda assim pouco
importa esse assunto
frágil que é irreversível
gosto do meu pai gosto
de ti como do meu pai
estranho modo de dizer
te amo mas nunca há
o modo melhor disso
então direi você deixa
meus nervos acessos
e você sabe o que sou
durmo pouco e finjo
que tenho insônia
não sei falar e falo
muito e além do mais
quero sim uma mulher:
que tiro certo você
deu e será se dará
uma chance única
a quem mal sabe
como é mas gosta
da maneira como
é dito por alguém
que diz “lindíssimo”
quando se despede?
irei até tua música
morto irei até você
e você me receberá
morto como outro
qualquer que tenha
pele e coisas a dizer
e sem dizer um “ai”
tentarei dar a mão
porque minha fé é
sempre dar a mão
e temo tua astúcia
como temo os teus
cabelos e o sotaque
que não parece mas
é do interior de s.p.
e que lindo seria s.p.
fosse um desodorante
mas não é eu não sei
nada sem atropelos
meu pai é assim até
onde sei minha mãe
ela era pura dinamite
mas voltemos a falar
de você que vi um dia
também em mínimas
fotos de pé mão sorte
uma mulher desistente
nenhuma sorte eu sou
artêmis a cruel e voraz.
bom era mais fácil rir
mas o que não é amor?
pode ainda ser convicto
fugir para longe e ser
apenas o infanticídio
radiografia dum corpo
virtual em cebola crua
é preciso ir eu preciso
sem precisão ter você
não é coisa de carência
acontece isso acontece
termos uns nós na alma
falarmos demais é cedo
melhor falar mais tarde
porque o que acontece
nunca fala nós falamos
e quando falamos há
aquelas velhas cidades
cidades de sêmen nada
e frases que não dizem
respeito a nós errados.

13.3.12

"não seja um chato hoje à noite"

eram dez da noite de um domingo nevoento e fresco, estranho à natureza da cidade, e eu estava prostrado numa cama rangente assistindo a ridículos programas de auditório e pensando serei despejado mas não consigo me mexer, estou paralisado pela ansiedade quase infantil quase entusiasmada de não ter finalmente casa e ser apenas pele em movimento apocalíptico mas também com muito medo e eu então pensava preciso me apaixonar ou será o pior fim já que tanto o desespero quanto a paixão levam à mesma ruína mas antes morrer de paixão porque assim ao menos escreverei pequenas cartas e quem sabe assim as coisas não ficariam mais tranquilas ou pelo menos desimportantes e foi justamente nessa hora quando na TV dois travestis disputavam um quiz show de perguntas e respostas no programa do Silvio Santos que você que nunca liga telefonou com o simples convite de vamos até a Praia do Arpoador? e eu disse não estou em casa e nem me sinto bem mas você estava tão animada extremamente animada acho até que pude escutar pequenas risadas que espirravam feito molho de tomate em roupa branca risadas de efusão lírica tão típicas de algumas divas cantoras mas não você em geral que provavelmente ria do meu mau-humor ou da minha depressão porque de fato, pensei, eu era uma pessoa totalmente risível e talvez fosse este o meu único e irremediável charme minha única cartada mas eu não usaria isso agora com você eu diria qualquer coisa como não seria perigoso ir à praia a essa hora? ou será que eles têm uma iluminação apropriada? e com muita ousadia para o seu comum estado de espírito você diria te apanho em dez minutos não seja um chato hoje à noite e muito bem, pensei enquanto te esperava, vestirei aquele short curto demais mas eu sabia que você havia apreciado minhas coxas de siciliano matuto e eu até escovei os dentes porque a tristeza cheira a morte dentro das bocas que se negam a aceitá-la e quando você chegou eu estava no lugar errado havíamos combinado em frente aos bombeiros mas você estava no lugar errado e eu pensei sempre estivemos nos lugares errados e alguns rapazes que bebiam na esquina inclusive assobiaram fazendo pouco caso do meu short curto mas eu não dei bola porque essa é a sorte de se estar deprimido ficamos delicados e indiferentes e todos dizem oh como você esteve agradável aquela noite e eles mal sabem o quanto preferiríamos gritar grosseiramente e escarnecer os céus com uma felicidade abrasadora de todo modo ali estava você com seus antológicos dentes separados e suas pernas brancas muito finas e seus seios quase pequenos mas que encheriam as mãos de um anãozinho e seus cabelos que, você disse, cortei meus cabelos veja eu raspei os cabelos aqui do lado e ainda me ofereceu biscoitos antes de darmos a partida pelo que eu disse detesto biscoitos de qualquer tipo e você disse minha mãe os comprou na feira da Glória e por isso eu comi um deles e eram realmente maravilhosos biscoitos de champanhe com recheio de doce de leite e eu lembrei pela primeira vez no dia com carinho de alguém e este alguém era sua incrível mãe a quem eu sempre me declaro mas nunca a ela e sempre a você como uma forma um tanto idiota de declarar-me a você mesma e de alguma forma eu acho que você entendia a mensagem e nós saímos e meu deus como você dirige mal e brutalmente avança diante dos carros e dos pedestres e quase sempre perdia a direção do veículo e eu dizia cuidado por deus podemos morrer e você justificava dizendo a minha mãe trocou os pneus do carro e não balanceou pelo que eu imediatamente perdoei tudo como era meu dever e minha função quando alguém dizia minha mãe fez isso ou aquilo porque eu sempre perdoei as mães na verdade de qualquer abuso e antes que morrêssemos num acostamento qualquer chegamos à praia e eu disse ainda antes que estacionássemos eu ia te ligar hoje mas desisti e nessa hora você teve um lampejo de você mesma ou a você mesma que eu sempre imaginei dizendo ora você poderia ter guardado isso para si e eu disse mas somos amigos e os amigos podem falar qualquer coisa e você aceitou dessa vez calada e quando eu perguntei se tomaríamos banho de mar você falou eu trouxe meus patins e eu disse não sabia que você tinha patins e você disse comprei os patins recentemente e sempre andei de patins mas já faz tempo que não e eu falei patins não são como bicicletas pode ser muito perigoso e você disse mais uma vez não seja um chato hoje à noite pelo que eu me calei um pouco porque já li em muitos livros grandes escritores dizendo devemos falar o mínimo para colher as coisas sem culpa mas você estava falante e andamos na areia um pouco e na areia havia muitos casais gordinhos namorando e eles mal conseguiam se abraçar com suas barrigas protuberantes mas era tão bonito aquele romantismo difícil que tive vontade de te puxar pelos cabelos e beijar tua boca mas me contive porque já não sou mais tão gordinho para me manter romântico e você afinal é bem magra então comecei a fumar cigarros e você comentou como você fuma e eu disse eu detesto cigarros mas fico tão charmoso fumando etc e você disse você é a única pessoa que fuma no meu carro sem pedir permissão e eu disse somos amigos afinal e você riu e eu pensei eu preciso me apaixonar ou será o pior fim mas não havia brechas éramos como policiais vigiando os casais gordinhos que começaram a abotoar as camisas e fechar as calças enquanto começamos a rir da nossa patrulha aos gordinhos amorosos e ao mesmo tempo você começou a recolher tampas de garrafas e sacos de biscoito e disse é um trabalho inútil mas eu falei seria útil se você fizesse todos os dias e finalmente voltamos para o asfalto quando você disse triunfante agora você vai ver meus patins novos e eram realmente belos patins, eu disse, mas você estava triste de repente porque havia perdido um par de meias e disse são minhas meias preferidas e eu não sabia muito bem o que dizer afinal nunca tive meias bonitas só meias cinzas pretas brancas encardidas mas você ficou visivelmente frustrada e disse que frustrante enquanto eu roía as unhas e jovens mais jovens do que nós ouviam música eletrônica dentro de um fusca quando eu disse você vai mesmo andar de patins a essa hora? não era melhor de dia? pode ser muito perigoso e se você cair? e você disse você pode se juntar àqueles idiotas dentro do fusca mas eu disse apenas tome cuidado vou estar aqui te observando e lá foi você com um só par de meias vestindo seus patins e explicando com orgulho comprei esses patins apenas porque eram muito bonitos e eu perguntei onde você os comprou e você disse no shopping chão ou algo do gênero e eu perguntei o que diabos é o shopping chão e você se inflou, me lembro, para dizer que era uma feira de rua na Glória onde os mendigos vendiam velhas bugigangas e com uma meia apenas lá foi você com seus patins equilibrando-se muito mal até a pista expressa e de lá saiu patinando como alguém que tinha feito cocô nas calças mas eu não ri apenas disse você deve trabalhar o movimento dos braços junto com o das pernas para não perder o equilíbrio e você respondeu cacete eu não patino há anos e você me diz isso mas eu falei eu disse apenas para você se sair melhor e você mesmo contrariada fez o que eu disse e eu vi com a cabeça apoiada e algum sono você desaparecer pela pista expressa e pensei meu deus ela ainda precisa voltar e fiquei vendo uma loira abraçada com um gordinho e pensei os gordinhos ainda vão dominar o mundo até que depois de algum tempo você voltou entramos no carro e fomos embora em silêncio e você me deixou em casa e a coisa mais linda me esperou entrar porque afinal aquela era uma área perigosa e eu pensei espero que ela encontre a outra meia e no dia seguinte você me ligou aos gritos dizendo encontrei a outra meia você foi muito agradável é um milagre e eu pensei preciso me apaixonar mas a verdade é que não precisava mais.

11.3.12

“boca firme, mil por hora”

sou aquele que dorme a mil por hora
e encharca os travesseiros com crimes,
porque os sonhos já não mais povoam
as iluminações reverberadas do corpo.
venha quieta e me tire da poça salgada,
venha firme como onda de maremoto.
derrame os olhos dentro do meu choro,
quero dormir a mil por hora no teu colo.
onde houver luz quero ser o cego chulo,
e nas garras da recordação sem piedade
encharcar os travesseiros com coragem.
mas você não vem, não há a boca firme,
e os sonhos se acumulam no esqueleto
doutra noite no fim do que se fez tarde.
a máquina desacelera nas rodas do dia,
mas havemos de ter de qualquer forma
um ao outro, sem tocar, a mil por hora.

4.3.12

“Epifania para Roberto Bolaño ou Da leitura de Chamadas Telefônicas”

Você era pobre feito um rato mas vivia em trens viajando acima e abaixo e me fazendo pensar será que ele viaja num trem de carga como um vagabundo de Jack London mas acredito que não porque "fazemos literatura" justamente para driblar a história da literatura e com poucos escrúpulos salvar nossas vidas e afinal agraciar nossas biografias com pó falso e imagens chocantes só que na realidade mesmo não é assim tão interessante passar fome e pensar que não poderá ter filhos porque seria injusto e de repente invejar um mendigo que se deita na praça com seu galão cheio d’água porque neste momento eu também sou pobre feito um rato o que me liga a você no momento sobre o qual pensou ou inventou que pensou ao escrever as linhas que me protegeram de meu próprio futuro por alguns segundos e pobre feito um rato eu trabalho feito um cachorro e só às sextas-feiras tento me transformar num felino mas acabo sendo apenas pássaro de presa fácil e onde estão os trens as mulheres loiras de pernas finas e peitos grandes que tomam pílulas de felicidade rápida e desembestam com coragem por fortes frustrações que no fundo todas são de amor e as amamos sem saber o porquê afinal das grandes navegações se estamos no fim das contas confinados em nossos próprios pesadelos dos quais no fundo nos orgulhamos porque somos nós e só nós que os temos do nosso jeito e são pesadelos de amor e ódio e trapaças sujas e grandes arrependimentos velados e justamente porque torna-se a cada dia menos viável viver fora da bolha estrangeira em nossa terra e como não acordar chorando quando se chorou a vida inteira porque não se sabe mais chorar e será necessário na verdade viajar para bem longe e morrer numa terra de estranhos ou aguentar por aqui mesmo morrer fielmente de fome entre amigos mortos que não sorrirão sempre e precisarás de sorrisos acima de tudo sorrisos porque és sim simpático e poderemos quem sabe inventar uma nova comunidade já que a pobreza sem demora nos levará de volta aos abraços que não serão fraternos mas serão apertados e afinal darão os amigos mortos a mão no cume da confusão de tachinhas sobre a carne adormecida na gangrena das horas de nossos desejos vagos que me abandonaram e com todo o tempo do mundo não posso fazer a não ser escorrê-lo em lágrimas e deveria ter feito isso ou aquilo e como bom seria se e abrir mão da nova revolução dos ratos penteados em suas academias de ginástica e after parties enquanto que com fome feito um rato mas sem pente para os cabelos andarei fumarei beberei e livrar-me-ei um pouco com ancas habilidosas para músicas sem façanha e esperarei que venham um dia os livros que diziam naquela época eu era pobre feito um rato e havia aquelas léguas sem fim e a poeira das vaidades sobre nossos rostos marcados e cabeludos e pelo chão duro de purpurinas de um antigo carnaval porque eu queria apenas amar e ser amado feito um rato porque se pudessem me amar como tal eu seria pobre feito um rato e amado feito um rato e isso chamar-se-ia sintonia da espécie mas sei que pequei contra mim mesmo e o deus maior dentro de mim eu sinto que pequei e pagarei agora mesmo e ainda depois por meus pecados contra o patrimônio do mistério mas só na extravagância nós rompemos com os deuses e favorecemos os anjos uma pena que não exista um anjo-rato e de todo modo agora não importa porque não quero ser corajoso quero alguém embalando meus cabelos no colo de quem gostasse de ver-me chorar com meu desespero particular que eu sei deve ser o desespero de todo o mundo inclusive o teu que pobre feito um rato soube fugir da ratoeira onde a isca são fezes e pequenas causas.