5.2.24

"poema essencialmente noturno para torquato neto"

 

as conquistas são os pregos

num caixão pouco aplaudido.

desse modo me veio a ideia

do poema que eu teria escrito

em homenagem a meu velho,

que é tipo um torquato vivo.

 

teria sido um poema rimado

daqueles que só as crianças

e os poetas antenas-da-raça

podem escrever sem mágoa,

pois sem sofrer é impossível.

 

agora o poema largou do pai,

foi dar a mão ao morto-vivo.

as rimas se tornam a mancha

com que fazemos pobre ceia.

nunca chegaram os dias azuis

na veia aberta do verso antigo.

corre o tempo, até o parapeito

se cansou de por pena escutar.

os punhos da rede se demoram

na salvação do poema e do dia.

 

somos aqui a sobra da tua ceia,

com sorrisos de duração flácida

e ansiedades de púrpura asfixia.

 

não há sentido em liberar o gás,

as pernas já caminham sozinhas,

os canos há muito apodreceram.

 

a mim cabe estar vivo e inteiro,

de não poder voltar, insatisfeito,

eu também, ao eu-menino puro.

deitar a palavra, sem dar o pulo.

  

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