3.11.23

"o silêncio dos poetas"


finalmente estão em silêncio, alguns.

outros ainda rosnam, já que tragédias

são como prêmios de conduta poética

quando o verso já não mais prevalece

porque a realidade é esse prato cheio

e os cadáveres certos são o cardápio.

 

me interessam mais os que não sabem

o que dizer, o que pensar, o que fazer

– os que não sabem nem o que sentir.

nunca houve paz entre seres humanos,

e a paz entre os poetas é a indiferença

porque não tivemos determinada sorte

da qual abusou aquela ou aquele mau

poeta, que é um cidadão de carteirinha.

 

porque poetas são talvez como cavalos

– os cavalos sem dúvida mais bonitos –

correndo atrás de coisas que são vistas

na limitação de um cabresto de sonhos

que impede a visão da tristeza coletiva

e dá méritos a peitos estufados de raiva

na corrosão do que teria sido ao menos

uma firme irmandade através da dúvida

ou mesmo através da empatia duvidosa.

 

me incomodam poetas que têm certeza,

porque retificam o propósito da poesia,

que é curva infinita da qual se acumula

a crosta de derrota que, como os cavalos,

leva a beleza adiante em meio aos gritos,

apesar de um cabresto que define a falsa

convicção de que os cadáveres são a arte

que nos falta e gritá-los seja suave trilha,

caminho que nos traga alguma redenção

e nos afaste do ódio que temos por todos.

 

se pelo menos nos admitíssemos odiosos

ou odiáveis, mas sem o dedo que aponta,

haveria tranquilidade para sentar e chorar.

mas amamos a nós mesmos em demasia

para compensar outro amor exterminado

na ideia equivocada do amor e do cavalo.

 

  

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