para jussara beatriz, minha mãe
tenho esmolado
informações há anos,
mas não este adulto e violado
humano
e sim uma criança que,
sem saber nada,
tornou-se adulta muito
antes da hora,
ao mesmo tempo
conservando choro,
indecisão e raiva
juvenis, não as armas
que ajudam na busca o
adulto aleijado.
criança de história
pessoal inventada,
pus teu corpo nulo a
viajar continentes,
guardei teus pés
difíceis e tua loucura.
tua mãe louca, teu pai
louco, teu irmão
prestes a se deixar
levar por alienígenas
te levaram a querer
estudar psicologia,
mas você nunca passou
no psicotécnico.
na sociologia acabou
não sendo feliz,
ajeitava os cálculos de
fome e amor
à uma pátria esfarelada
feito bolacha
velha de tão velho que
era o tempo.
hoje penso que talvez
você soubesse,
mas eu ainda pensava na
eternidade
que traz história na
carne, no sangue,
que explode em defeitos
e consolos,
faz da linha humana promessa
frágil.
escrevo, mãe, como
podes perceber,
imitando os cacoetes de
drummond,
pois é a coisa que mais
gosto agora,
já que isso é para
saber algum rastro
do que se amou ou que é
impossível
amar e não se pode
esquecer nunca,
por este não saber de nada
contínuo
que deforma a natureza
dócil da reta
numa curva de mil
perigos e bombas.
mas é no meu amor por
renato russo,
por cazuza e todos os
anjos da morte,
pela mitologia da amizade
em milton,
seus comparsas de alucinações
astrais,
que me ligo a ti por
loucura umbilical.
certo ódio contra nosso
aniquilamento
uniu para sempre em
sutis hematomas,
a sorte ruim de duas crianças
violadas.
nos cruzaremos, eu sei,
ainda com raiva,
no lugar onde todos são
crianças recentes.
enquanto isso, quero
trazer um boa-nova:
o pai ainda te ama
muito, acima de tudo,
mais do que a mim, o
que me deu alegria.
ele sonha contigo há
trinta e quatro anos.
hoje sou bem mais velho
do que quando
vocês dois tiveram a
obrigação de sumir
do embate físico pelo
que nunca terá sido
tempo perdido, sexo
verbal, blues piedoso
e que, sem ser algo
extraordinário, avança
mais forte do que aquilo
que permaneceu.
sou, como adulto quase
velho, mais igual
ao meu pai do que a ti,
a não ser quando
me dizem que sou bonito,
apesar de louco,
ou mesmo, nos casos
raros, que sou bom.
estou certo de que, se
sou bom, é porque
tu foste embora muito
cedo, do contrário,
eu teria te oferecido
um trabalho imenso.
é bom não ter que me
desculpar por isso.
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