28.10.23

"o novo gênio das letras"


com furiosos engajamentos matinais

por pautas confusas, sempre convicto,

acorda tarde e sem paz o novo ídolo.

 

sua violência são telas que atropelam

o silêncio dos menores, a quem escapa

um fio de meada, por isso não esperam

a necessária anunciação do novo ídolo.

 

e dentro do novo ídolo, um novo gênio,

porque é preciso rápido um novo gênio!

é preciso ser um homem – infelizmente.

pois gênios mulheres, todos já sabemos,

não servem para encaminhar toda gente

e a poesia de gênio é um caminho reto

até o centro criativo do que chamamos

última etapa de uma longa decadência.

 

há várias exigências, pr’além do gênero,

na concepção deste hoje tão necessário,

imprescindível novo gênio das palavras,

coisas que, de forma aparente, ao leigo,

nada tem que ver com a criação literária:

 

ter nos pés sapatos sempre desamarrados,

com solas sempre gastas, ainda que novos,

porque este novo gênio pesa mil toneladas

quando pisa com nova fé a terra devastada.

e, quando pisa, sacode na árvore da poesia

os frutos maduros, alguns podres, aqueles

quase prontos para se tornarem uma nova

árvore ou linda dor de cabeça para o povo.

 

mas na manhã do novo mundo, da nova era,

o novo gênio acordará e limpará as remelas

e anotará, ainda sonado, num papel simples:

“buscar com fé um mamão que seja barato”,

e a questão do mamão será a coisa mais cara.

 

precisamos tanto do novo gênio das palavras,

que o fato, de todo realista, da ideia do gênio

como algo que as épocas olham de binóculos

pelas janelas de um trem de carga em chamas

é uma piada lírica no fim de um longo poema

coberto de esperança por este que virá quando

finalmente jogaremos no lixo da história o zelo

com que olhamos pelos binóculos o nosso lixo.

 

e todas as épocas, de mãos dadas, farão a dança

no sabá das mais estranhas e indefesas criaturas,

às quais o novo gênio das palavras trará a chama,

o trem, a janela e o peso de um milhão de quilos,

a velocidade da qual não escapa época nenhuma,

para tocar fogo na palha fina do mais puro talento.

 

e nós lamberemos o talento como a pedra fictícia

no muro diante do qual o novo gênio das letras,

como a madrasta que cuida de órfãos, se ajoelha

e dá à luz a nova era com psicanálise justificada:

sonhos alienígenas costurados por livros mudos.

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