27.7.23

"como se escutasse ennio morricone"

 

um violino boia na água,

sinto falta das pessoas

que mais amo, lembro

da minha mãe, estranho

pensar que ela morreu

já faz tempo e é como

se morta ela nunca mais

saísse de perto de mim,

e ainda acontece que eu

não preciso cuidar dela:

é ela que cuida de mim.

é um privilégio, penso,

de não se morrer ainda.

um amigo escava o chão,

outro conhece as ruínas

de um tempo muito lejos

quando a selvageria era

algo que vinha do coração.

um terceiro evacua sangue

e aqui eu sinto falta talvez

de uma espécie de coração

que reunia os erros bonitos

cometidos na feia intenção

de reservar ainda tempo

para que pulsasse ânimo

de esticar ainda a corda

e apertar a mão no bolso

como alguém que precisa

de toda coragem do mundo

quando as balsas se perdem

na direção de outro infinito,

esfera de mistério na fratura

de um velho vulcão cansado.

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