18.1.23

"meu pai chorou cem vezes"


devo ter visto meu pai

chorar cem vezes.

podemos assim considerar que,

na esfera dos pais,

o meu até que é bem chorão.

 

de todas essas vezes, pelo menos oitenta

foram choros movidos pelo futebol,

muitos dos quais eu mesmo compartilhei

– eu que choro muito mais e por tudo.

 

dez foram choros de morte ou de grande fracasso,

num tempo em que considerávamos, meu pai e eu,

que a morte era um grande fracasso dos vivos

– hoje em dia tenho lá minhas dúvidas sobre isso.

 

outras sete vezes foram

porque alguma coisa era

surpreendentemente bonita:

lembrança, visão repentina,

algo que se diz com os olhos.

 

duas foram choros de raiva de mim,

de vontade de me matar, me trucidar,

vontade de que eu nunca tivesse nascido

e a consequente vergonha que isso causa

naquele que ama com verdade o que odeia.

 

uma única vez meu pai chorou porque escrevi

um poema ou trecho de alguma coisa bonita.

não acho que isso vá acontecer com este aqui.


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