16.10.22

"missa de domingo"

 

para Vó Zula

 

por que diabos fui encontrar deus

justamente nessa casa de paz fria

com pessoas famintas na porta e

pessoas com medo que entram?

 

por que foi que entrei eu mesmo

porta adentro e senti eu mesmo

paz quando saí do mundo e caí

na teia de uma calma só minha

com orelhas quentes de pecado

e calos doídos de ter caminhado

para baixar adrenalina sintética

de toda uma geração de girinos

que nadam por dentro da fossa

de uma desolação azul ou cobre

mais dentro ainda na veia viva

de um pavor estancado em pus?

 

mesmo assim você entrou, diria

você com aquele vozeirão lindo,

diria ainda que fui presa porque

talvez eu precisasse de um aval

mais banal do que a pequena fé

que envolve a todos que fecham

os olhos e esperam um milagre.

 

mas também é belo que me junte

a essa horda de miséria humana

que também me corrói os cascos

e acena com alguns bons efeitos

de uma deliciosa catarse pagã,

onde seres da floresta excitados

interrompem com rijo membro

o futuro acadêmico de donzelas.

 

não encontrei deus, é claro, como

nunca encontro ou encontrei deus

em lugar nenhum, mas, por ironia,

senti, justamente nesse lugar onde

a gente não é nada e a gente pede

sem nunca saber se o dia chegará

em que deus será apenas a forma

simples de amar as coisas sem ter

nem mesmo a coisa, mas um fim

assim meio nebuloso como sonho

com mãos suadas e acordos frios.

 

não deixaria você, vozinha, sem

um poema, já que você esteve lá

quando, criança sem mãe, recebi

o demônio diante das tuas carolas

que disseram é melhor deixar ele

respirar lá fora, e eu nunca mais

tinha voltado nesse quarto vazio,

mas aqui está seu neto, minha vó,

este que já não morre tão rápido,

reza o pai nosso e pode até mentir.

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