2.3.22

"jack london meu gatilho"

 

tenho agora quarenta anos,

meu pai que tem sessenta e sete

diz que usaremos máscaras

antivirais pelo resto da vida,

entre milhões de variantes mortais

que terão nomes cada vez mais feios.

 

ele diz que minha irmã que tem onze

será uma pessoa que muito pouco

lembrará a pessoa que fui e quase nada

lembrará a pessoa que meu pai foi.

eu mesmo lembro muito meu pai,

mas não tenho ideia de quem sou.

 

homens graves e feios com gravatas

que parecem enforcar seus pescoços

decidem se a vida no mundo vale a pena

mesmo que seja possível fazer com que

ela desapareça num piscar de olhos.

 

tenho agora quarenta anos,

a idade de jack london morto

depois de pegar onda no havaí,

depois de unir-se aos zapatistas

e aos socialistas e aos esquimós

e aos cães que puxam trenós,

enquanto estou aqui parado

e os homens enforcados

pelas gravatas do destino dizem

coisas que não entendo, decidem

se a vida no mundo vale a pena,

aquela vida em que não creio,

ou se pode explodir num piscar

de olhos e desaparecer, assim

como a casa de jack pegou fogo,

e com ela o sonho de jack london

evaporou com a força dos seus rins,

enquanto a malária voltava e talvez

quem visse dissesse: é um homem

condenado de sessenta e sete anos.

 

mas era jack london com quarenta,

e nada do que fiz até aqui se compara

sequer com uma noite de sono de jack

– imaginemos uma noite de febra alta

– até isso iria além das minhas ações.

 

não encontrei a alma humana

nos olhos de um cão siberiano,

mesmo assim, por contraposição,

é lindo um poema em que se possa

ter jack london como parceiro,

pronto para morrer um jovem sábio,

enquanto aqui o velho já está morto,

o jovem adormece dentro do sonho

de jack london pelo mar da vida,

e tudo o que eu mais quero é poder

aos quarenta não me afogar na poça.

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