21.4.21

“poesia em tempos de crise”


a poesia é uma vergonha elaborada,

eu disse há sete anos, sem vergonha.

sem saber com que roupa estou falando,

as gafieiras choravam nos becos e vielas

quando eu tinha a voz bem mais rouca,

fungava pelo nariz e deixava brotar

bolsas de pus na pele do meu pânico

e falava pelos cotovelos em sangue,

assassinato, destino, crueldade doce,

e dizia que sou um homem simples,

vejam vocês, e talvez alguém diga,

alguém que eu ame então para sempre,

mas você é mesmo um sujeito simples,

só que não sei com que pedaço de pano

estou falando e se estou falando mesmo

ou apenas sendo um apresentador

daqueles de auditório, que um dia

também foi conhecido como âncora

e que é aquela pessoa que nos enfia

enterrados no chão dos acontecimentos,

mas então eu tinha trinta anos e era puro

de uma sujeira nua que parece um manto

e dizia eu escrevo triste ou muito feliz,

o que significa agora não mais outra vez

escrever já que me acostumei com fotos

e propagandas em movimento harmônico

que levo nos bolsos com rezas heregeses

em que peço pela maior fé dos mundos,

enquanto poetas trocam de roupa ao vivo

e nunca imaginei que fossem tão bonitos.

 

 

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