a coragem é o cuidado
dos desesperados,
o amor deve chegar ou
então morreremos,
morreremos mesmo que
ele não chegue,
mas é preciso saber
como nós queremos
que ele chegue a nós:
se morto ou vivo,
nós vivos ou mortos,
porque mesmo tal
notório genocida, além dos
mal-paridos
também são frutos,
ainda que amargos,
de um instante de amor,
o mesmo amor
produziu todas as
guerras e atrocidades,
porque mesmo o mais
torpe fomentador
da violência sentou por
um instante e viu
sua própria existência,
mesmo enganado,
e pensou: eu faço o que
faço pelo amor,
ou o que perdeu o amor,
perdeu e nunca
mais esquece de pensar
nele, como a luz
artificial num quintal
de meio-dia, todos
nós sentimos, na pura
escuridão da vida,
que nos falta amor, e
mesmo os que nunca
mais sentem amor de
tanto terem recebido
e por isso desistem,
porque não enxergam
o que arrastou seus
esqueletos animados
até o ponto em que
desistirão de procurar
o caminho de onde se
veio e aonde se vai,
mesmo os desistentes
inundam seu amor
pela calçada suicida do
santo desperdício
e o amor deve chegar,
como um gato gris,
como baleia dentro da
barriga ou pólvora
que se respira quando
estamos por um triz
na trincheira em que
dois lados escondem
duas vontades de amor:
um amor que seja
contrário de outro
amor, sem saber como
dois amores podem estar
enganados aqui,
mas estamos sempre
enganados aqui, nós
somos o que se enganou
em nós do amor,
aquele pássaro inaugural
contra a vidraça,
que vinha pulsando de
força e vida plenas,
até que o vidro, a luz
artificial num quintal
de meio-dia, o sol
invernal que interrompe,
parece querer dizer:
devagar também seja
a pressa de cada
destino que vara o desejo,
a fome também seja o
ventre cheio de paz
do medo fecundo em
nossas barrigas de luz,
e mesmo assim o amor
chegará, como cruz
na fé inanimada por pensamentos
de saída,
na vinda de um deus ou
da cura provisória,
porque tudo deve ser provisório,
mas não
o amor, que virá, como
o gelo no focinho
do mamífero ancestral
que rumina tempo,
na curva violeta de um
colapso epifânico,
ele chegará e vai nos
permitir termos feito
tudo que fizemos, ainda
sendo os mesmos
ridículos, iluminados,
engolidos de medo,
sentados ou de pé, nas
filas ou nos retiros,
matando ou morrendo, da
raiva dessa lira
que embala todas as
dúvidas em uníssono
na fé pelo veneno do adolescente
magro,
ou no vulto precioso de
uma canção ruim.
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