11.6.20

“poema plúmbeo das costas quebradas”

 para gabriel bustilho e cláudia r. sampaio


na ponta dos pés sinto essa dor abstrata.
sem coragem, de olhos fechados, peço
que se equilibrem os meus ossos ruins.
a bacia de chumbo das manhãs lembra
o estilete passado pela garganta da noite.
quero todo o amor do mundo mas trago
loucos pendurados nas minhas gengivas.
meu roer noturno de dentes não impede
que se faça a guerra de vultos da prole.
é uma raiva que se digere com remédios
na covardia de outro lento dia horizontal.
tenho ganas de dizer mas sei que matam
as palavras ditas – e que estupram a luz
no corpo da infância com suas bicicletas
que, nos sonhos, andam sempre para trás.  
acumulo de inchaço o milagre das fezes
que trabalham com preguiça descomunal,
que se batem na fila dos desejos escuros.
todo dia somos fezes em sacos nas filas
dos bancos e nas filas do minuto sereno.
todo dia somos as noites em respiradores
como um filme barato esquecido passado
às tardes numa caixa de sci-fi enferrujada.
pequenos diabos mastigam-me os ombros
e já não espero, de manhã, estar desperto.
produzo nos olhos a gosma de escombros
escarro para dentro este oásis no deserto.
minhas vontades são bandidos descalços
que traficam flores de plástico a gente má.
não se espera mais a salvação do planeta,
então penduro minhas galochas de guerra
junto a sacos de compras limpos e vazios.
e percebo que mesmo o fim deste mundo
é bonito quando bate um vento sobre ele.
meus dentes noturnos trazem à tona vagas
no beliche periférico de toda insatisfação.
não sei o que fazer com o corpo esticado,
com a medula amassada de tanto esforço
de ser quem possa traçar os planos secos 
de um sol que vem algemado por nuvens,
esquecido da própria antiga exuberância
com que outrora justificou esse chumbo
perfurando os olhos como tiros na casa,
quando durmo e sonho com o banquete
com bolsas de sangue deitadas às costas
e o amor dos amigos costurado no beiço.



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