30.6.20

“dhamma”



sinto que, pelos poros da saudade,
passa, desalmada, a minha estação.
vou me tornando mais um covarde:
de olho fechado, sentado no chão.

pela mente rasa me vem a luxúria,
ela vem limpa feito uma bailarina.
do teto do verso da floresta escura
desabam palavras, como suicidas.

mas fico sentado e forjo desejos
e digo a mim mesmo: não é certo.
da casa maldita eu peço despejo,
da mata fechada eu faço deserto.

que pode, no deserto, um suicida:
engolir areia até a morte acordar.
conversar com as cobras da bíblia
até que, do tédio, desague o mar.

de volta ao corpo, após uma hora,
bem-vindo fosso do meu desterro.
agora de medo me doem as costas,
cansada, a degola revive no medo.

a pelanca das horas gera este novo
canto de aboio com hora marcada.
sentado medito, atrás do encontro
que pede abandono e, sujo, se lava.

grávido de luz e só, inimigo do sol,
entrego à manhã meu ex-natimorto.
na casa malsã dessa anorexia social
rasgo com silêncio a fúria do corpo.

visão empalada por uivos, a dança
sacode as vísceras do meu destino.
desminto a caça, quebro a balança
da morte, mas agora o rei foi visto.

depois me levanto, engulo fumaça,
esqueço do fruto da nova penhora.
sinto o escorbuto na boca da casa
e sigo sujo, sem medo, sem glória.

desligo o fio do mundo e assassino
a conexão de mentira dos espantos.
no colo eu trago este velho menino
e, na voz asfixiada, um novo canto.

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