para melvim brito
deixa eu ser o seu
padrinho,
um valete do seu
coração partido
que, aos pedaços, fica
fácil de engolir.
quero sentar num canto
pequeno da vida
e pensar nos
quilômetros que andamos
juntos como dois
namorados de madeira
que nunca se tocaram e também
parecem
duas crianças de quem
foi arrancada
a infância já que somos
anões adultos
e temos esse tamanho
tão diminuto
que podemos caber em
qualquer bolso,
que podemos explodir feito
estalinhos
aos pés de toda essa
maldade inox
que resvala na lavagem
do detergente
para dentro de nossos
choques elétricos.
deixa eu ser a sua mãe,
meu anjo,
para cortar as unhas da
sua tristeza
e alimentar com músicas
o seu espanto
que se inclina para
baixo como as tumbas
das quais nos rimos com
certa coragem
naquela tarde vazia,
contagiados de luz
em meio aos notórios da
consolação.
temos tanto para
dividir e não temos nada,
é como se fôssemos dois
budas mascando
chiclete e tragando cigarros
de maldade,
dois cantores
desempregados que aquecem
as vozes em meditação ao
chuveiro,
culpados pelo colapso da
amazônia
enquanto se atrasa a
nossa iluminação.
batemos pezinho nas
matinês azedas
das vidas que promovem a
dor provável
que escorre na água choca
que se destina
aos passarinhos e às
pombas sem pata,
aquela água de
mau-hálito matinal
que brilha de morte e uiva
de doenças
inauguradas de esquemas
de afeto e maio
que este ano não veio e
já é junho –
veja que coisa boa – é
possível morrer,
com o amor sendo esse
canto difícil,
a música, o mistério,
essas paradas,
esses pelos de peruca que penteamos
com artifícios de rezas
ventríloquas,
na combustão de nossa
fé temerosa.
deixa eu ser a sua infiel
gal gosta,
você um duplo de tom zé
lado b
do lado b, portanto um
espião russo
e um jardineiro no
jardim de cimento,
este que percorremos
rindo de tudo,
mandando aos diabos,
falando mal
das pessoas ou estátuas
que amamos,
catando, conforme
piolhos, elogios
no couro cabeludo dos
tiranos.
no fim regamos o cimento
embrutecido
com uma delicadeza
quase suicida,
tão bonita que nem vale
a pena falar,
mas falo a pedra bruta
de enterrar coração,
como se fôssemos
mafiosos de playmobil
na catástrofe de um
silêncio em batidas
na porta que não há, chave
que não temos,
silêncio das nossas
cabeças arremessadas
contra a parede da
solidão dos encontros,
bem dizer um palco sujo
de talco e sangue
para dois tagarelas que
mereciam bem mais
mas, por ora, não temos
nada, que bom,
pois foi de bolsos
vazios que nos vimos,
no limbo de
expectativas uruguaias,
com o dante de belchior
nos sovacos
e a pastilha da morte
sob nossas línguas,
a pastilha da sorte –
eu disse a você e você
sorriu e pensou: todo
surdo é um otimista.
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