8.5.20

“gary snyder faz noventa anos”




recolher um verso sob o sol
e outro, molhado de chuva,
deixá-lo secar com as frutas.

felicidade é essa viagem
com pedras nos sapatos
e um samba no coração.

não ligo que o mundo
esteja perto do seu fim
e que nunca tenhamos
sabido como estar nele.

eu quero o bafo bruto
do seu frescor bucal,
eu quero ouvir o hino
de todas as entranhas.

nos sonhos mais úmidos,
corpos caem de muitos
metros, sempre de pé,
depois correm de volta
para dizerem como foi.

como um gato que sobe
em minhas costas duras
ou um trompete agudo
quando bate meia-noite.

como a horda de vidas
na fila de uma atenção
miúda e tão ambidestra
nos cumes da gratidão.

quase raro o pendor
que compartilhamos
em cacos de versos,
água aberta que rola
diante da cachoeira
do que está por vir
e ainda não vemos.

água que se bebe
na sede invertida,
areia de projetos.

e sinto que as tardes
cozinham os alardes
enquanto eu aprendo
a ficar ereto, sentado,
com garras fincadas
nas costas dos gritos.

comer os versos como
quem come uma fruta.
então engolir sementes
para gerar no estômago
uma existência inédita.



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