acordo num domingo que,
mesmo diante da
pandemia,
ainda parece com domingo.
o domingo sempre foi
meio
assim como o fim do
mundo.
existe agora um
silêncio óbvio
que as ondas no leblon ignoram.
um silêncio gasto que
precede
uma explosão de luz
pelos ares.
os gatos, inquietos e
amorosos,
me observam, os dois,
com cara
de isso já não foi longe demais?
penso nos meus
rancores, penso
na paciência que têm os
inimigos.
e como acordei mais um
dia aqui,
posso dizer: estou neste
domingo
com pouca paciência e
alguma
maldade dentro, que se
dissipa
diante do mantra: amar a
morte
é sempre um pouco
necessário.
tenho cada vez menos
vontade
de ir às ruas colher
esse tédio
que desenvolve os
algoritmos,
que envolve como um
plástico
os meus humores de
feirante.
ainda ninguém pulou do
prédio,
ao menos cantam canções
antigas.
a distância faz evoluir
às margens
desejos que pairam sobre
os pelos.
penso, inevitável, nos
amigos
que tomam sol e
desesperam,
ou encontram amor
debaixo
de uma poltrona velha e
feia
onde geralmente só os
gatos
têm por certo o que
encontrar.
espero do dia uma
tangerina
que pingará em meus
olhos
a paz ácida de mais um
dia,
o meteoro que não chegou.
com dificuldades,
medito.
é um privilégio poder
sair
de cena aos poucos,
como
o gato sai da caixa de
areia.
amar essa almofada,
esse
chão duro bonito de
taco
que não disfarça a
sujeira
com que amei essa farsa.
nenhuma asa agora, a
vida,
não se pode tocá-la,
perceba,
está livre de nós e as
antenas
finalmente foram
desligadas.
chegará, espero, a voz
maior,
que justificará minha
derrota,
arrastará meus olhos
infantis
para dentro de outro
carrossel.
nunca pensei que não
sentiria
medo quando a vida
fosse rara.
nunca pensei que,
também eu,
precisasse tanto dos domingos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário