6.4.20

“gritos nas janelas”


desejaria também gritar pela janela,
mas nada me diz que seja um grito coletivo.
grita-se mil vezes por motivos que se engolem.
isso é o ser humano, parece possível apontar.
mas não parece possível dizer muito alto.

o que é isso que chamamos ser humano?
o que é você? – perguntavam humanos
nas peças elisabetanas e aquilo sempre
me chocou um pouco, dizer algo assim,
com tamanha naturalidade – ficava eu
imaginando aquilo sendo dito no palco
por um homem com roupas esquisitas
e no fim era bom e eu dava uns risinhos.

mas o que é você? – pergunto ao espelho
enquanto vejo meus pelos que não param,
eles não pararão nem mesmo no caixão –
meus olhos cada vez mais claros e perdidos.

tudo é essa contradição: a boca que beija
de augusto dos anjos, a mesma que cospe,
por isso não grito, não beijo, não cuspo.

estou em silêncio total, hoje não fui bem
com as palavras mais uma vez, que terrível
é imaginar que algo com que vou tão mal
seja a única coisa que me interesse aqui.

quantos gritos se engajam na vergonha
que substitui o arrependimento e junto
à mania de grandesa nos libera da culpa?

eu queria hoje escrever um poema curto,
mas não consigo agora, aparentemente.
as paredes às vezes se fecham e preciso
gritar e não grito e escrevo nesse lugar
que sairia melhor como filme de terror.

entre os poucos afazeres que me permito
passo mal com o desejo voraz de escrever
este poema curto e que diga tudo e salve.

então faço poemas longos porque aqui
a vida é longa em seu menor momento.

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