11.5.19

“talvez um último poema”



porque talvez eu morra
feliz de morrer por aventura
finalmente equiparado
com minha verdadeira loucura
talvez eu morra de olhos abertos
na velocidade vergonhosa com que
se faz amor pela primeira vez.

porque talvez agora seja a melhor vez de morrer
e porque sinto ilusoriamente que estou preparado
que meu amor tem tamanho semelhante ao da morte
e que agora meus amigos poderão se lembrar de mim
como a um herói possível na estante de reposição.

pena não vieram os louros que de malucos fazem ídolos
– deste cacho não virá tua banana explosiva de chiliques
aprendi a dormir, a sonhar, mas não me lembro do sonho
é tarde lá fora, os poetas voltaram a se tratar com cordas
e as bocas estão sem dentes na chance firme da tua nuca.

porque talvez eu morra
em paz de verter minha loucura
num propósito senão eficaz
ao menos de infantil delírio.
tornar a sujar a casa com palavras
guardar com zelo granadas no bolso
desfrutar o sangue da casa bruta.

erguerei meu corpo mentiroso
na altura que para a noiva negra
seja possível me marcar um xis.

conhecerei hoje a máquina
que faz de mim um farelo
e finalmente um elo de algo.

uma pena não ter a alma tão leve
a ponto de poder voltar um dia
e contar para vocês a maravilha
dessa passagem se comparada
a qualquer coisa vista por aqui.

queria dizer que foi bom
queria dizer vejo vocês mais tarde
mas no lugar para onde me dirijo
não se fala nem se escuta, não é
preciso fazer esforço para nada.
lá se descansa – sente-se saudade
de sofrer e dos amigos e inimigos
que ainda não deram o ar da graça.

porque talvez eu morra agora
porque talvez eu deva nascer.

Um comentário:

ramonlvdiaz disse...

seus versos lembram-me o monólogo de Hamlet (Ato 2, Cena 2) em que ele usa bastante "may be" e "perhaps", levado pelo arrebatamento do fantasma de Hamlet pai que revela a traição de seu tio, causando não apenas a poderosa Hibris no jovem Hamlet mas também toda uma instabilidade política na Dinamarca. Mas o jovem Hamlet não está completamente convicto. "May be" e "perhaps" são os instrumentos de Shakespeare para suspeitar até de si mesmo, de seu próprio roteiro. Em tempos estranhos como o nosso, onde a ficção parece imiscuir-se perigosamente na realidade, ou até pior através da fixação de verdades absolutas, o ato de duvidar tornou-se uma necessidade, um imperativo categórico para "Capiturar" a consciência do rei.

um abraço

About, my brain! I have heard
That guilty creatures sitting at a play,
Have by the very cunning of the scene,
Been struck so to the soul that presently
They have proclaim’d their malefactions.
For murder, though it have no tongue, will speak
With most miraculous organ. I’ll have these players
Play something like the murder of my father
Before mine uncle. I’ll observe his looks;
I’ll tent him to the quick. If he but blench,
I know my course. The spirit that I have seen
May be the devil, and the devil hath power
T’assume a pleasing shape, yea, and perhaps
Out of my weakness and my melancholy,
As he is very potent with such spirits,
Abuses me to damn me. I’ll have grounds
More relative than this. The play’s the thing
Wherein I’ll catch the conscience of the King.