8.10.18

“wagner tiso e a ascensão do fascismo em hell de janeira”


e ainda assim não seria melhor se não soubéssemos.
certas vitórias se comemoram melhor em silêncio.
isso sou eu falando para mim mesmo me despedindo
com os olhos ruins de outros companheiros inéditos
pensando que bom poder reconhecê-los, que alegria
poder estar vestido como eles, triste como todos eles.
nós nunca ganhamos em silêncio, mas, hoje, em silêncio,
ganhamos uns aos outros, nos olhamos pela primeira vez.

por exemplo: a livraria está vazia, toca jazz de elevador.
entra então, cabisbaixo, de camisa vermelha, wagner tiso.
sobe as escadas, parece ofegante, até o café, atira-se ali.
e, dentro da desgraça, pela primeira vez dentro do gesto,
eu sou igual a wagner tiso, isso me dá felicidade triste –
sou mestre nos enlaces da felicidade triste, como a chamo.

corro até o som central da livraria, adeus jazz de elevador!
nunca mais ouvirei uma música que não tenha o sangue
de todos os corações tristes do mundo e mudo a música,
ponho milton nascimento, que canta eu sou da américa
do sul, eu sei vocês não vão saber, e eu acho engraçado,
nunca soubemos tanto como é ser daqui – wagner pede
uma taça de vinho, a música não parece ter feito grande
efeito, ele bate timidamente o pé, no ritmo certo, como
quem parece dizer claramente: o wagner tiso agradece.
então vejo os mesmos olhos de todos os meus amigos
e também de todos os que não são ainda meus amigos,
mas, pensem bem, camaradas, essa pode ser a chance
de sermos finalmente camaradas mais que fantasmas
de causas particulares nos armários da nossa frustração.

depois pus milagre dos peixes e depois clube da esquina.
depois escrevi para um amigo mineiro: acho que estou
vendo wagner tiso chorando enquanto o mundo acaba.
então isso quer dizer que o mundo ainda não acabou,
diz o meu amigo ou sou apenas eu mais outra vez
falando coisas para mim mesmo, o mais provável
é que ele nem mesmo estivesse chorando de raiva,
mas talvez de nós quase termos conseguido – ouça –
mas tudo escorreu na vaidade do umbigo afetuoso.

então wagner tiso finalmente se levanta para ir embora,
corro para a porta como se eu mesmo estivesse partindo.
ele passa por mim cabisbaixo como entrou, eu penso:
levante a cabeça, maestro, o mundo ainda não acabou.
mas não falo e isso sou eu – será daqui em diante assim?
dizendo a mim mesmo o diálogo que poderia nos salvar.


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