15.8.18

“poema limpo”


abandonado de idéias é possível que se veja
a espessura lisa de uma identidade rasgada em tiras
as máquinas flácidas das emoções de aleijão
quando as sirenes penetram o fígado
e os cascos pisam fundo uma esteira mecânica
de acertos velhos e impossíveis conveniências
                                             eu quero também voltar a morrer
– sentir de novo aquele gosto cinza –
e sei que não posso e não irei mas resvala
em meus sentidos essa paixão pelo medo
que me deixa mudo sempre diante
de qualquer inteligência boquiaberta e talvez fosse
impossível não fosse esse cabresto de ouro
vaga colisão de ambivalências controláveis
em suicídio lento cheio de esperanças
de um vulto maravilhoso às quatro da manhã

armas químicas de madrigais
               no inferno seco dos neurônios
a solidão ímpar da burrice
              o freio invencível do escárnio

na derrapagem de um enigma que se esparrama
naquilo que vai morrer de tanto se acertar
e periga não haver mais idéias genuínas
é o que dizem somos dantes sem dentes
numa irrupção de egos sub-cômica
em festas regadas a tinta guache
em nossas almas violadas de silêncios
                                                          intransponíveis
dos quais rimos entre nós sempre nas vezes
em que chove muito e ficamos ilhados
então não podemos desesperar a fuga
esse amor entre estranhos
                                              vendados que decidem pelas mãos
porque é preciso ao menos dois para não saber nada
entanto as palavras fogem pelo corrimão dos milagres forçados
a tolice mansa senta-se no trono de um adeus que falta
em vibrar nos bolsos do casaco de poeta
                       do qual se diz: é um casaco de mendigo

raspas de compreensão nas sobras do almoço sobre a mesa
chegaste ao ponto de ter uma mesa e isso te envergonha
no ritmo do milagre também é tua a derrapagem
nos lugares escuros que ainda amas e que te fizeram
miséria preciosa de uma terrível humilhação
nas caneletas do medo escoar a água das montanhas
aquelas mesmas da queda infinita e sem cura
e juntas as mãos se apóiam em fé reversa
já não está em seu domínio a nova semelhança
as luzes brilham mas as mãos não alcançam
no pudim do tempo senta bunda sadia mas tu
como pedinte tens a elegância de um deus ruim.

Um comentário:

Unknown disse...

... E que me pune sem haver cometido delito algum!...