12.6.18

“enquanto falávamos de poesia numa festa drag no leblon”



os tambores africanos do leblon
não são capazes de conter
nossas pernas na direção
de uma precisa qualidade
de estar outra vez juntos.

não somos mais tão jovens
mas cabemos ainda apertados
em banheiros com revistas
de psicanálise para fazer cocô.

piscamos uns para os outros
dos lados oblíquos da sala
onde os que menos fazem esforço
para serem joviais são os velhos,
por isso resplandecem enquanto
estamos com as mãos no coldre
e o couro ralo do afeto persiste
em nossas roupas geracionais,
em nossos olhares de matilha.

na festa tudo é um esforço fraco –
copos se espatifam no vinho sagrado
das nossas patas de cascos infames.

trazemos interrogações amarrotadas
na estação festiva dos olhos virados.
usamos um tom de charme assassino
na ansiedade dos espaços coletivos.

enquanto dizemos aos punhos
poemas que amamos na janela
o mundo não dá mostras claras
de que finalmente vai acabar.

somos uma xícara de café expresso
com lágrimas de toda uma geração.

não posso ouvir tambores africanos
em termos lúdicos – isso é coisa séria.
levo tudo o que não conheço tão a sério,
às vezes é enfadonho, às vezes é santo.

queria girar de olhos fechados e então receber
em meu coração todos os tambores do leblon.

na janela penso que os cabelos
de todos os donos do mundo
são sempre os mais feios
mesmo quando são perucas
e mesmo uma peruca cara
continua sempre sendo feia
– este pensamento me alivia.

fora da festa o silêncio toma as ruas
de mais um perplexo sábado à noite.

entre as poucas possibilidades,
ainda assim é difícil escolher.

da janela tenho dificuldade de imaginar
este bairro vazio tomado em armas.
de alguma forma meus olhos prevêem
este silêncio todo formado em fogaréu.

sinto pela nuca o calafrio truculento
de quando o corpo exige o que fazer.
de repente o banheiro fica apertado,
mastigo plástico como fosse alface.
as mãos vazias de um pai de família
e o coração constipado de um padre.   

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